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Análise Final - Seleção Brasileira Feminina no Rio-2016

Fábio Balassiano

29/08/2016 01h08

Na semana passada analisei aqui a seleção masculina no Rio-2016. Vamos agora ao que deu certo e ao que não foi tão bem com a seleção feminina, que terminou a Olimpíada com 0-5, a pior campanha de sua história e na penúltima colocação (na frente apenas do possante time do Senegal):

O QUE DEU CERTO:

1) Damiris na ala – Foi uma aposta do técnico Antonio Carlos Barbosa antes da Olimpíada. Tinha um pouco de medo pelo fato de Damiris nunca ter jogado uma competição internacional mais longe da cesta, no perímetro e contra atletas de bom nível. Mas deu muito certo. A camisa 12 terminou como a cestinha brasileira (16,8 pontos), 7,6 rebotes, teve bom aproveitamento nas bolas de dois pontos (50%), razoável acerto nos tiros longos (36%, acertando pelo menos uma cesta de três pontos em quatro das cinco partidas da primeira fase) e tendo 10+ pontos em todos os jogos que disputou. Se a campanha brasileira foi um fiasco, ao menos o país saiu do Rio-2016 com um projeto de formação que coloca as três principais jogadoras (Érika, Clarissa e Damiris) jogando juntas ao mesmo tempo e sem problema algum. Que ela continue a atuar assim, no perímetro e evoluindo nos fundamentos, em seu clube (o Corinthians / Americana) também.

2) Iziane (em alguns momentos) – A agora ex-jogadora (ela confirmou que se aposentadoria ao blog antes da Olimpíada, lembram?) começou a Olimpíada voando contra Austrália (25 pontos) e Japão (20 pontos), ruiu com o time contra Bielorrússia e França, mas fez 22 pontos em sua despedida contra a Turquia e terminou com 15,8 pontos de média, a segunda mais alta da equipe. Em um deserto de talento, tentou se desdobrar para pontuar no perímetro mesmo com limitações físicas que a atormentavam. O choro com sua mãe (foto ao lado) depois do confronto contra a Turquia, que eliminou a seleção definitivamente e colocou ponto final em sua carreira, foi um dos momentos mais bonitos da participação vexatória da equipe feminina no Rio de Janeiro.

3) Pequenas doses de Joice – É dor e alegria ao mesmo tempo. Acerta muito rápido e erra na mesma velocidade. Mas aos 29 anos mostrou que, em doses homeopáticas, pode ser útil nessa transição que passará o time feminino. Vendo-a jogar gosto de sua intensidade defensiva, mas me dá nervoso a sua condução de jogo/de bola / de ritmo. Creio que falte, mesmo, alguém que lhe mostre exatamente qual o momento de acelerar, o de segurar a partida, o de encontrar as suas companheiras e o de decidir por ela mesma. Sua vibração, se bem canalizada, porém, pode ser um ótimo remédio para um time que sofre quase sempre de depressão antes, durante e depois das partidas.

4) Clarissa – Ala-pivô com uma explosão física descomunal, Clarissa terminou com 14,2 pontos e 12,4 rebotes de média. Registrou duplo-duplo em quatro de suas cinco partidas na Olimpíada e provou que deve ser peça-chave não só na equipe brasileira, mas na construção do basquete feminino do país. Possui problemas graves a serem corrigidos (leitura de jogo, muito fundamento, principalmente no passe e na tomada de decisão), mas ao mesmo tempo que dá um pouco de nervoso quando desperdiça bolas em profusão (6 contra a França, 3 contra Turquia e Japão – muita coisa), mostra uma disposição invejável perto da cesta. Se sua postura e suas ações fora de quadra são muito aquém do que se espera de um atleta profissional (sua visão sempre contemplativa e passiva irritam demais aos que querem ver mudanças no basquete brasileiro, mas aí é outra questão), perto da cesta ela tem atingido um nível internacional muito bom e muito além do que a galera que a viu jogando no Fluminense e na Mangueira há quase uma década poderia supor. Ela é um dínamo em pontos e rebotes e merece ser tratada com carinho no próximo ciclo olímpico.

O QUE NÃO DEU CERTO:

1) Antonio Carlos Barbosa – Não creio que precise falar, pois o Brasil foi uma catástrofe técnica e tática do início ao fim. Embora Barbosa tenha ido bem ao optar por Damiris na ala, abrindo espaço para o trio Érika-Clarissa-Damiris jogar junto, foi só isso de bom que tivemos em termos estratégicos para a Olimpíada. A opção por, de novo, deixar Iziane jogar apenas no um-contra-um se mostrou infrutífera e facilmente marcada pelas adversárias (a ala nem sequer recebia bloqueio…). O famoso high-low (jogo em que um pivô em cima do garrafão passa para o outro perto da cesta) dava certo com Alessandra, Cintia, Leila e Marta, mas obviamente não daria tão certo com Érika e Clarissa, pivôs que não passam bem, que não têm bola leitura de jogo e cujos arremessos de média distância não causam tanto dano assim aos rivais. O que as seleções faziam? Davam espaço no perímetro, fechavam a porta para o passe de entrada perto da cesta e dificultavam tudo para uma seleção totalmente sem imaginação. E aí tome bola para Iziane ou Damiris na individualização. Bom, né? Não, não é bom. Não é a toa que o Brasil teve a pífia média de 67 pontos/jogo e só conseguiu fazer 70+ pontos na partida de segunda prorrogação contra a Turquia.

Na defesa, outro ponto muito ruim. A marcação por zona foi uma das piores coisas que vi na vida em termos de seleção brasileira. Passiva, espaçada demais, quase um convite para rivais fazerem cestas de qualquer lugar da quadra. Pior do que este tipo de defesa não estar funcionando foi a insistência do técnico em utilizá-la em momentos muito longos dos jogos. Eu sei que lhe faltava material humano (e como faltava…), mas não dava para insistir por tanto tempo assim.

Se este foi o último ato de Barbosa como técnico (agora ele é candidato a presidente da CBB, vocês sabem, né…), não dá pra dizer que a última impressão deixada pelo medalhista de bronze em 2000 com a mesma seleção feminina foi boa.

2) Érika – Para mim a maior decepção individual desta Olimpíada. Também não vou entrar, aqui neste post, em suas decisões de fora de quadra (tal qual as de Clarissa, passivas, contemplativas etc.), mas dentro das quatro linhas ela foi muitíssimo mal. Para quem está entre as melhores pivôs do mundo, terminar  com 9 pontos e 44% nos arremessos de dois pontos não me parece um bom indicador. Além disso, Érika se perdeu em quase todas as partidas ao cometer, de cara, faltas em excesso, ficando muito menos tempo em quadra do que a equipe necessitaria dela. De jogo bom, jogo bom mesmo, apenas contra a Turquia (16+11 rebotes), quando a seleção já estava eliminada (ali não adiantava mais nada, infelizmente…). Como líder de um grupo jovem, Érika esteve muito abaixo do que poderia render. Aos 34 anos, ela diz que não deixará de vestir a camisa da seleção. Mas é óbvio que para os próximos Mundial e Olimpíada ela, aos 36 e 38 anos, já estará com muito menos força física do que no Rio-2016.

3) Horários iguais aos da seleção masculina – Este é um problema muito menos da seleção em si, mas da CBB e da organização do evento. Só que gera impacto, claro. Quase sempre esquecida, a seleção feminina jogou três vezes no mesmo horário da masculina. Se as atenções já são difíceis de serem conseguidas em condições normais, o que dizer quando horários batem com o do jogo dos rapazes? As audiências das partidas das meninas foram diminutas, e certamente o apoio no ginásio poderia ser maior caso houvesse, como houve com a seleção americana e também com a australiana, uma alternância de datas entre jogos masculinos e femininos (no dia que rapazes jogassem, meninas descansavam e vice-versa). É realmente uma pena que isso tenha ocorrido, causando uma diminuição no interesse pelos jogos delas.

4) Controle emocional – Isso não é de hoje e nem creio que tenha sido o principal problema de um time mal treinado e mal organizado taticamente. Mas o pandemônio emocional em que se encontrava a seleção feminina a cada dificuldade era algo que nunca tinha visto também. Vale dizer que em TODAS as partidas da primeira fase o time de Antonio Carlos Barbosa teve no mínimo 9 pontos de vantagem. Em TODAS as partidas sofreu a virada. Em TODAS as partidas ruiu psicologicamente na primeira dificuldade. Aí é difícil compreender. Como passar de um estágio de alegria, exaltação, empolgação, para um de pânico, depressão, tristeza máxima em tão pouco tempo? O jogo contra o Japão, o segundo da fase de classificação, foi emblemático neste sentido. O Brasil abriu vantagem no começo, e na primeira porta aberta viu as japonesas fazerem 54-32 entre o segundo e o terceiro períodos. Em uma partida de 40 minutos, oscilar por um minuto é grave e pode fazer a vitória escapar. Por um período inteiro ou até mais do que isso, então, nem se fala. Para as próximas etapas do período de seleção sugiro um trabalho psicológico sério, e não o que é feito sempre por aqui – faltando 15 dias para a competição contratam um profissional e está tudo bem. É preciso acompanhamento frequente, longo e conhecimento do atleta.

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