Terminou mais uma temporada de seleções para o basquete brasileiro. Com aquele martírio que conhecemos bem (e explorado no texto de ontem), e com dois gostos bem amargos – a seleção feminina pagou vexame no Canadá e a masculina, no México. Apesar do ouro dos rapazes no Pan-Americano de Toronto, o saldo ficou longe de ser extremamente positivo na soma das duas equipes nacionais.
As performances não foram boas, mas me chamou a atenção mais uma vez o coro que se fez nas redes sociais pedindo as cabeças tanto de Zanon na feminina quanto de Rubén Magnano na masculina. Era muita gente (muita gente mesmo!). E aí eu me assustei bastante.
Acho que vocês devem saber quão crítico eu sou do trabalho de ambos em seus respectivos times. Sabem, ou imaginam, que ambos estão longe de serem os técnicos que considero excepcionais para os cargos que ocupam – e com o agravante de Magnano ter problemas de comunicação/liderança bem graves.
Quanto a isso, ponto pacífico. Partir, depois de insucessos na quadra, para a análise pura e simples do "não ganhou troca" eu não posso compactuar, porém. Por três singelos motivos:
1) Na seleção feminina, pode colocar o Coach K, o Gregg Popovich, o Steve Kerr e o Phil Jackson que não vai dar certo. O problema é muito maior, muito maior mesmo que apenas técnico e tático em relação a uma pessoa (no caso o técnico). Quantos times jogarão a próxima LBF? Com que elencos? Na próxima temporada as meninas que estavam na seleção continuarão no banco das veteranas que dominam o cenário interno há duas décadas? Como se vê, o problema é maior, mais amplo. E tem uma coisinha interessante que precisa ser colocada: no último ciclo olímpico o Brasil teve QUATRO técnicos entre 2008 e 2012 – Paulo Bassul, Carlos Colinas, Enio Vecchi e Tarallo. Deu no que deu, né? Um vexame atrás do outro, culminando com a péssima Olimpíada de 2012 em Londres. Trocar de técnico a menos de um ano dos Jogos do Rio-2016 não resolve absolutamente nada, em que pese o desempenho não tão bom de Zanon principalmente do último ano pra cá.
2) Cheguei a ler gente chamando Rubén Magnano de "ruim". Gente, com todo respeito, mas NINGUÉM neste planeta consegue ser campeão olímpico e vice-campeão mundial como técnico sendo RUIM. Pode ter Ginóbili, Michael Jordan ou Kobe Bryant no elenco. Se for (para usar a palavra que eu vi) 'RUIM' não vai rolar. Magnano tem problemas, é óbvio, mas a seleção brasileira evoluiu muito sob seu comando. Se eu acho que ele faz um bom trabalho? Sim, um bom trabalho. Se é um excelente trabalho? Não, não é excelente. Perder de Jamaica, Uruguai (duas vezes) e Panamá em um período de dois anos não é bacana, e ele sabe disso. De todo modo, vejam a transformação da equipe de cinco anos para cá. A defesa melhorou muito, o ataque está cada vez mais paciente e o estilo de jogo é homogêneo. Há defeitos? Óbvio. Há muitos problemas para serem corrigidos para o Rio-2016? É claro. Mas alguém em sã consciência acredita que trocando Magnano por outro treinador (seja ele do país ou gringo) o Brasil sairá ganhando? Eu duvido muito. Sobre o fato de ele ser estrangeiro, por favor me incluam fora dessa. Estamos em 2015. Não dá pra ficar analisando 'trabalho' de alguém pela cor do passaporte. Não em um esporte cada vez mais globalizado.
3) Li há alguns anos o ótimo livro "A Bola não entra por Acaso". Fala da transformação do quebrado Barcelona do final do século passado na potência que se tornou hoje em dia e como as decisões administrativas fizeram com que o clube começasse a ganhar muito mais em campo quando tudo passou a caminhar de maneira organizada. Peguem um avião da Catalunha para a nossa realidade e é meio óbvio o que quero dizer, não? A Confederação Brasileira é (com o perdão da palavra) tenebrosa. Em gestão financeira, massificação, transparência, parte técnica, dia a dia com as Federações, "meio-campo" político, tudo. Será mesmo que dá para cobrar de Magnano e Zanon mais do que eles vêm fazendo tendo um presidente como Carlos Nunes? Carlos Nunes, o cara que conseguiu elevar a dívida da CBB para R$ 13 milhões no período de seis anos de mandato. Será que não vale lembrar que a seleção feminina enfrentou o possante Chile (único rival) antes da Copa América feminina? Não é recomendável refrescar a memória da turma que Magnano não sabia 4 semanas antes da Copa América se a vaga olímpica estava garantida justamente por causa do calote da Confederação na FIBA? Seleção, portanto, é reflexo do que se faz (ou não se faz) de trabalho no dia a dia da modalidade. Não dá para descolar uma coisa da outra, não. Performances boas das equipes nacionais devem se PRECEDIDAS de organização, planejamento e seriedade da entidade máxima do basquete do país – e não o contrário (resultados primeiro, organização depois).
Está claro, né? Magnano, Zanon e qualquer técnico que dirija a seleção devem ser cobrados, sim, pelos seus desempenhos à beira da quadra. É justo que se mantenha um olhar crítico para com seus trabalhos. É justo e eu exerço isso sempre que as equipes deles entram em quadra.
Aos que acham, no entanto, que o problema do basquete brasileiro está somente na quadra recomenda-se um olhar ampliado, um olhar menos complacente, menos benevolente com a Confederação Brasileira. CBB de tantas e todas as mazelas possíveis. Aos que pedem a cabeça de Magnano e Zanon com imensa força nas redes sociais, que tal dar uma olhadinha no que os chefes deles (Vanderlei, o diretor técnico, e Carlos Nunes, o presidente) andam (ou não) fazendo pela modalidade?
Creio ser mais justo cobrar de todos do que ficar apontando o dedo para uma parte (a da quadra) dos problemas do basquete do Brasil. Concordam comigo?