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Bala na Cesta

Sobre a ida de Zanon, técnico da seleção feminina, para São José

Fábio Balassiano

22/01/2014 01h53

zanon5A notícia pipocou ontem pela manhã e no final da tarde houve a confirmação: Luiz Augusto Zanon é o novo técnico de São José para o restante do NBB6. Ele entra em substituição ao veterano e mítico Edvar Simões, e tem a missão não de recolocar o time nos trilhos, mas sim de trazer de volta tranquilidade a equipe que desde a chegada da nova prefeitura (OS, ou qualquer nome que o valha) tem feito tudo menos deixar o time navegar em águas tranquilas.

Como disse o próprio release da assessoria de imprensa da Confederação Brasileira, Zanon SEGUIRÁ como técnico da seleção feminina adulta, e foi por causa dessa dualidade de funções que eu fiquei matutando no que escrever a tarde desta terça-feira inteira. Vamos a alguns pontos.

1) Para São José, é um bom nome. Zanon é boa praça, experiente e sabe lidar bem com atletas. No masculino fez isso muito bem em Limeira e no feminino deve ter feito doutorado em domar egos tanto em Americana, seu último clube, quanto na seleção adulta. Do ponto de vista do clube, foi uma boa decisão. Se é, claro, que esta desorganizada diretoria joseense refletiu bastante no que estava fazendo. Mas aí é outra história.

zanon12) Do ponto de vista da seleção são outros quinhentos. Em primeiro lugar, no meu mundo ideal de esporte (no meu, muito pessoal isso) técnico de seleção deveria ter "apenas" isso como função. E o "apenas" já é coisa pra caramba. Cabe ao treinador do principal time do país observar atletas, participar de clínicas, ver treinos, cruzar números, pedir vídeos dos jogos, fazer o diabo. Isso, claro, em um (repito) mundo ideal de esporte, onde a contratante dá todas as condições acima ao seu/sua contratado/a (voltarei ao tema lá embaixo).

3) Está longe, portanto, de ser uma notícia animadora, satisfatória, feliz para o basquete feminino brasileiro. Basquete feminino brasileiro que entrou, pelas próprias mãos de Zanon, em um processo longo, doloroso e difícil de renovação na seleção adulta. O mais prudente seria que a Confederação Brasileira de Basketball desse ao treinador TODOS os subsídios para que ele monitorasse as revelações da modalidade (revelações que mal têm jogado na LBF, diga-se de passagem) para que o trauma do primeiro Mundial de quase todas elas (o de 2014 na Turquia) fosse menor, menos atribulado.

zanon64) Não dá nem pra comentar a troca de "argumentos" tanto da Confederação quanto do treinador sobre dar ou não para conciliar os trabalhos em seleção e em clube (veja mais aqui, aqui e aqui). Palavras ao vento, palavras pequenas. Palavras. Já dizia Cássia Eller.

5) Há um fator, sem dúvida alguma, que atenua um pouco desses problemas que é o fato de São José, cidade em que Zanon estará com seu time masculino, possuir uma equipe feminina. Lá ele poderá ver treinos das meninas (da base ao adulto), assistir a jogos da LBF e ficar menos "enferrujado" em relação às garotas que poderão lhe servir na preparação para o Mundial (o melhor exemplo é a ala Isabela Ramona). Está longe, porém, de ser o ideal. Bem longe.

6) Comparar a situação do basquete feminino brasileiro ao vôlei nacional, cujos dois treinadores das equipes nacionais treinam clubes (Bernardinho, da seleção masculina, no Rio de Janeiro e Zé Roberto, das meninas, Guimarães no Campinas – ambos na Superliga feminina) não é um argumento válido. Pelo simples e singelo motivo que as duas modalidades atravessam momentos absurdamente distintos. No vôlei, fortíssimo em seleções e nem tanto em clubes, há um castelo banhado a ouro, erguido desde a sua base com atletas que daqui a dez anos serão estrelas em seus times adultos. É um ciclo virtuoso que, apesar dos problemas recentes, já acontece e todo mundo conhece. No basquete, obviamente, isso não tem ocorrido há 20 anos (principalmente no feminino). É um cenário de terra arrasada e que demanda acompanhamento exclusivo por parte do técnico da seleção. Mal comparando, cuidar da seleção de vôlei é como ter um filho adulto. Cansa, mas o trabalho de educar já foi feito há anos. O basquete é um bebê, um filho pequeno que requer muita atenção, 100% de dedicação, 24h de monitoramento. Largá–lo para assumir qualquer função pode fazer com que se percam dias e meses importantes, e cujo impacto pode ser sentido lá na frente, quando a educação (fundamentos?) pode não ter sido bem passada e os reflexos serão sentidos. O exemplo pode ser esdrúxulo, mas a mensagem está clara, não?

nunes37) O problema todo (e por isso citei o meu ideal de esporte lá em cima) está na falta de comando, planejamento, perspectiva em tudo o que tange a Confederação Brasileira. Qual é a filosofia da CBB para técnicos das seleções brasileiras adulta masculina e feminina? Agora temos o dos rapazes sem trabalhar em clube e agora o das meninas conciliando as duas funções. Qual é o ideal? Existe uma linha de raciocínio na entidade máxima em relação a isso? Existe uma máxima que rege o que será feito por cada uma das seleções, por cada um dos comandantes de agora até o Mundial? Como é o dia a dia de trabalho dos treinadores das equipes nacionais? São respostas que não temos. E não temos porque, insisto neste ponto, a Confederação é muitíssimo mal organizada, quebrada financeiramente e viciada em ações que não funcionam no esporte de alto nível brincando há 30 anos. Existe um ditado bem interessante que exemplifica muito bem o momento do basquete: "Em casa que não tem pão, todo mundo briga e ninguém tem razão". Se o empregador não cumpre com suas obrigações, ele pode cobrar de seus empregados? Claro que não, né…

nunes2Por isso acho, sinceramente, que não dá pra criticar a decisão de Zanon (não tiro sua razão, não). O que você faria se, para exercer o seu trabalho com todo rigor que a função exige, não tivesse por parte do seu empregador todas as condições para tal? Cabe, sem dúvida alguma, uma reflexão a respeito.

O treinador JAMAIS dirá o contrário, mas ao menos pra mim é muito claro que entre ficar em casa vendo jogos na TV (o mesmo que eu e você podemos fazer) e partidas nos ginásios no interior de São Paulo ou pegar uma ótima equipe para treinar no NBB, um produto bem atrativo atrativo e em uma cidade que respira basquete, sem que o prejuízo para a seleção brasileira seja imenso, a segunda opção foi feita sem que a contratante possa reclamar do técnico da seleção feminina. A Confederação, por exemplo, não pode lhe oferecer vôo$ mais longos e eficazes – tipo ir pra Recife observar Tatiane Pacheco, Izabela, Franciele, Érika, Nádia e Adrianinha por duas semanas.

nunes4CBB, cujo modelo de gestão está entre o retrógrado e o inoperante, que não poderá reclamar de qualquer coisa simplesmente porque ela não dá as MÍNIMAS condições de trabalho para que um técnico de seleção exerça perfeitamente a sua função e tampouco sabe em que cenário encontra-se a modalidade.

A escolha de Zanon, portanto, merece uma reflexão maior, mais profunda, mais ampla sobre o corroído sistema que rege a modalidade e sobre o panorama em que se encontra o basquete. Panorama este que faz com que a entidade máxima do país não POSSA cobrar de seus funcionários um grau maior de zelo às seleções simplesmente porque não cumpre com suas obrigações de empregadora.

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