Topo

Bala na Cesta

Adorável maníaco, Kevin Garnett se despede do basquete - vai deixar saudade

Fábio Balassiano

24/09/2016 00h21

nba1O dia 28 de junho foi especial pro basquete. Foi a primeira vez que a NBA fez a sua cerimônia de Draft fora dos Estados Unidos. Em Toronto, Joe Smith foi o primeiro colocado na seleção dos atletas, indo para o Golden State. O Denver Nuggets fisgou Antonio McDyess após troca com o Clippers. Jerry Stackhouse parou no Sixers. Rasheed Wallace, no Washington Bullets. O Toronto Raptors, o time local que tinha a sétima escolha, já salivava com a possibilidade de colocar o plano mirabolante de seu gerente-geral Isiah Thomas em prática. Isiah falava garoto de 19 anos que pularia do segundo grau direto para a liga profissional norte-americana com brilho nos olhos. Para não prejudicar a sua formação, o GM torontino cogitava jogar Kevin Garnett apenas nos 41 jogos em casa para que ele pudesse fazer a faculdade com tranquilidade.

garnett1O problema para Isiah é que alguém que conhecia muito da posição de ala-pivô tinha planos para aquele rapaz de braços longos e 2,11m. Era Kevin McHale, recém-contratado como Gerente-Geral do Wolves e que meses antes viu Garnett jogando na Farragut Academy, em Chicago, onde teve surreais 25,2 pontos, 17,9 rebotes, 6,7 assistências e 6,5 tocos.

Se era para começar a remodelar a franquia, nada melhor do que sangue novo. Assim, com a quinta posição do Draft de 1995, o Minnesota selecionaria Kevin Garnett. Vinte e um anos se passaram daquele 28 de junho de 1995, KG virou Big-Ticket, apelido carinhoso em alusão ao fato de as torcidas rivais lotarem ginásios para vê-lo jogar em seus tempos de Wolves, ganhou um título com o Boston em 2008 gritando loucamente na comemoração uma de suas frases mais conhecidas ("Tudo é possível, tudo é possível"), foi para o Brooklyn Nets e retornou ao Minnesota em 2014/2015, onde brigou demais contra seu corpo para se manter em quadra naquela e na temporada 2015/2016.

KG_TD_KobeOntem, porém, Kevin Garnett optou por não mais disputar contra seu físico. Baixou a guarda, e aos 40 anos decidiu rescindir seu contrato com o Minnesota para anunciar a aposentadoria no mesmo ano que outras duas lendas da modalidade, os seus contemporâneos Kobe Bryant e Tim Duncan. Momento triste para quem acompanhou o cara durante praticamente toda a carreira, venerando seu lado intenso, indomável na quadra e uma técnica que foi se refinando aos poucos e com horas e horas de trabalho extra no ginásio. KG não entrou craque na liga em 1995. KG se formou craque na NBA treinando como um maluco, aprendendo com os melhores e evoluindo ano após ano. Não é qualquer ser humano deste planeta que consegue por 18 temporadas seguidas ter 10+ pontos de média. Ele conseguiu e isso se deve a uma singela razão: Kevin Garnett era um maníaco por treinamentos. Aquele clichê que diz que ele era o "primeiro a chegar e o último a sair do ginásio" se aplica a ele.

Kevin GarnettKevin Garnett da intensidade. Kevin Garnett da emoção. Kevin Garnett que chora ao ver um fã que ESCREVEU seu eterno número 21 em seu olho (mais aqui). Kevin Garnett das defesas implacáveis. Kevin Garnett dos duelos épicos contra Tim Duncan. Kevin Garnett dos arremessos certeiros das extremidades do garrafão. Kevin Garnett do sangue de suor, ou do suor de sangue. Kevin Garnett das flexões DURANTE os jogos. Kevin Garnett com joelho estourado pedindo para, em 2009, jogar uma partida de número 5 contra o Chicago Bulls e brigando com Doc Rivers porque o técnico achou que ele estava brincando (não, KG NÃO estava). Kevin Garnett demolidor de Gasol na final de 2008. Kevin Garnett que fez Glen Davis chorar com uma bronca histórica. Kevin Garnett enigmático no Nets. Kevin Garnett do Big 3 mágico do Boston com Paul Pierce e Ray Allen. Kevin Garnett ser humano que fica transtornado quando Allen sai do Celtics e vai para Miami se juntar a LeBron James. Kevin Garnett animal feroz em todos os 21 anos de sua vida profissional. Kevin Garnett do longo abraço emocionado em Kevin McHale logo depois que McHale perdeu a sua filha.

garnett2Kevin Garnett era tudo isso. E eu admirava Garnett por isso tudo. Tentava compreender de onde saiu aquela fome toda. Jamais desvendei. Sempre venerei. Ele era a síntese da NBA que eu e muitos de vocês começamos a gostar no final da década de 90. A sequência de Charles Barkley e Karl Malone. Com seus erros, acertos e tudo mais. Guerreiro, matreiro, trash-talker, intenso, empolgante, evolutivo, maluco na medida certa, defesa forte, líder. Craque. Gênio. Fantástico.

Deixo abaixo alguns vídeos de sua brilhante carreira, mas confesso que fui dormir nesta sexta-feira com uma mistura de agradecimento a Kevin Garnett e uma tristeza de saber que não mais o verei em quadra. E foi maravilhoso assisti-lo por duas décadas. Nunca torci por nenhum de seus times. Sempre torci por você, adorável maníaco. Por você, que cravou seu nome na história da liga e os corações de gerações e gerações, e por sua alma deixada noite após noite nas quatro linhas. Você representou a essência do jogo, a mágica do basquete, a disciplina do esporte e a todos os torcedores na quadra com sua luta feroz. Todos éramos Kevin Garnett. Kevin Garnett era todos nós. Muito obrigado, KG.

Sobre o blog

Por aqui você verá a análise crítica sobre tudo o que acontece no basquete mundial (NBB, NBA, seleções, Euroliga e feminino), entrevistas, vídeos, bate-papo e muito mais.