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Um relato de Joinville, cidade que joga hoje a permanência no NBB

Fábio Balassiano

26/03/2019 16h00

Você leu mais cedo aqui sobre a última rodada do NBB. Na parte debaixo da tabela, uma briga inglória. Joinville e Vasco, ambos com cinco vitórias, brigam para escapar do rebaixamento. Caso vença o Pinheiros em SP às 20h, o cruzmaltino se livra independente de outro resultado. Se perder, Joinville se safa da degola caso triunfe em uma partida dificílima contra Franca no Pedrocão na mesma hora.

E é justamente sobre Joinville que recebi um texto de uma fonte sobre a situação não muito bacana do time local. Vale a pena ler com atenção:

"Fala, Bala.

Muitas coisas podem explicar a péssima campanha do Basquete Joinville nesta temporada do NBB, mas os principais motivos pelos quais a tradicional equipe do Sul do Brasil, que empolgou o torcedor e até mesmo fez críticos, jornalistas e outras equipes pensarem que seriam um trabalho e tanto neste ano com os bons três primeiros jogos que fez longe de casa, estão fora de quadra. E não é exagero pensar e até dizer que, não fossem esses motivos, o time estaria, a essa altura, em uma posição até mesmo confortável e dentro dos playoffs.

Para quem não conhece a história da equipe, o Joinville é um dos fundadores do NBB e teve um hiato em seu projeto durante quatro temporadas, retornando com sua equipe principal às quadras da Liga Ouro em 2017. Com uma proposta de utilizar jogadores da cidade e formados nas categorias de base, em sua maioria, o projeto renasceu com um orçamento limitado e pretensões tímidas neste primeiro ano. Mas os garotos não só corresponderam como fizeram mais. A boa campanha garantiu o vice-campeonato da Liga Ouro após disputa acirrada com o Botafogo resolvida apenas no quinto jogo, no Rio de Janeiro.

A desistência de equipes do NBB abriu a porta para o Joinville – tecnicamente, apenas o campeão da Liga Ouro garantiria o acesso – e assim, os joinvilenses retornaram à Liga que ajudaram a fundar na temporada 2017/2018. Mais uma vez o orçamento parecia o principal obstáculo para uma boa campanha, mas a equipe fez o que deu e garantiu a permanência. Nesta temporada, no entanto, a péssima campanha chamou atenção. Os três primeiros jogos empolgaram até o mais pessimista torcedor. Dos três jogos iniciais fora de casa, a equipe voltou para Joinville com duas vitórias – Botafogo e Vasco – e uma derrota por apenas um ponto de diferença para o Flamengo.

Mas as coisas mudaram rapidamente e a equipe acumulou 14 derrotas consecutivas e segura a lanterna com gosto. O que aconteceu para que aquela equipe que nasceu com a promessa de um projeto diferente, pés no chão, que daria um passo atrás do outro com firmeza, terminasse essa temporada com uma campanha esdrúxula e sob o risco de rebaixamento? A resposta é: muitas coisas. Nenhuma delas exposta até agora.

Vamos tratar delas em tópicos, mas o principal motivo e de onde saem todos os outros é a forma com a qual a equipe toma suas decisões. Todas elas são centralizadas em uma única pessoa, desde a formação da programação de treinos às contratações de atletas e se engana quem pensa que o martelo quanto a isso é batido pela comissão técnica. Não. Absolutamente todas as decisões não apenas partem, como são definidas pela diretoria técnica. Kelvin Soares, que já participava da diretoria do antigo projeto, é o homem forte do Basquete Joinville, para não dizer que é o único homem. É dele a batuta que comanda absolutamente tudo na equipe. É ele quem negocia com jogadores, agentes, que fecha contratos, que despede e contrata atletas, comissão, preparador físico – se houvesse um. É ele quem organiza alimentação, alojamento, salários. Tudo. Absolutamente tudo.

E isso, por si só, já é um erro inadmissível para uma equipe de basquete que almeja ter um projeto sólido e duradouro. Não existe longevidade quando uma pessoa apenas tem o direito e o poder sobre tudo. A diretoria técnica é a base de uma pirâmide de problemas e por tudo, repito, tudo, ser responsabilidade dela, o resto parece um castelo de cartas que desaba com facilidade. Vamos aos outros pontos estruturais que explicam o desempenho dentro de quadra:

– Estrutura de apoio dos atletas (academia, médicos, fisioterapia, psicologia, alimentação e alojamento): Tão amadora quanto uma equipe colegial. A academia, disponibilizada aos atletas graças ao apoio da Conexão Fitness, não era sequer cobrada pela comissão. Em janeiro, o que podemos considerar como a metade da temporada, a diretoria técnica passou a exigir a presença dos atletas nos treinos de musculação. Apenas na metade da temporada. E a cobrança não tem sequer uma contrapartida, uma vez que a equipe não disponibiliza personal-trainer para orientar os atletas em suas necessidades específicas. O time até tem convênio médico na cidade, mas a fisioterapia é realizada em uma faculdade que também apoia o time, não há uma equipe direcionada apenas para tratamento dos atletas, com exceção do fisioterapeuta, que acompanha os jogadores nos jogos. Psicologia: não há. Não é realizado qualquer trabalho individual ou em grupo. Alimentação: os atletas têm à disposição alimentação em alguns bons restaurantes da cidade, mas os garotos da base que, em alguns casos são até mesmo relacionados para os jogos, não recebem auxílio.

– O alojamento merece uma atenção especial. Embora em contrato ou vínculo empregatício os atletas sejam informados que os apartamentos disponibilizados estão em ótimas condições, qualquer pessoa que passe em frente ao prédio já tem a certeza que aquele não é um ambiente de "ótimas condições". Antigo, sujo e até mesmo com baratas, os apartamentos ainda comportam muito mais do que sua capacidade limitada permite. Um dos apartamentos que servem de alojamento já chegou a abrigar 10 jovens. Isso mesmo, DEZ PESSOAS em um apartamento pequeno. Em outro, hoje vivem quatro atletas – três dos principais atletas da equipe, inclusive. Joinville é uma cidade úmida e que tem um calor considerável, chegando a ter dias de mais de 40° e obviamente que uma diretoria que não se preocupa em colocar dez pessoas em um apartamento pequeno também não se preocupa se eles estiverem sem ar condicionado.

– Salários: Apesar do orçamento limitado, neste ponto o Joinville também tem problemas, mas longe de ser como o de outros clubes. Atrasos em salários e direitos de imagem acontecem, são comuns, mas não chegam a virar um mês. O que, saliento, não é motivo de parabéns, é mais um "não faz mais do que a sua obrigação". Os maiores salários do Joinville não ultrapassam os R$ 6 mil.

– Preparação física: Uma equipe profissional, seja de qual esporte for, precisa ao menos ter uma equipe técnica e física para dar suporte aos seus atletas. Não é o que acontece em Joinville e isso é, sem dúvida, um dos – se não o principal – fatores que geraram tantas lesões ao longo da temporada. O Joinville não tem preparador físico. Nenhum. É fácil imaginar que, sem preparação, com um organograma de treinamento completamente equivocado, sem fortalecimento muscular adequado, as lesões são praticamente um resultado esperado. E foi. Uma das frases que mais se ouve na cidade para justificar as derrotas é "tivemos problemas com nossos pivôs", mas nunca assumindo a responsabilidade por uma organização fraca, decisões equivocadas e falta de suporte de todas as ordens aos atletas.

– Treinamentos: Quando se pensa em um time de basquete que disputa a principal liga brasileira e para aqueles que acompanham o esporte ao falar em rotina de treinamentos o que vem à cabeça provavelmente é: academia pela manhã, treino, pausa para recuperação e almoço, treino mais tarde, descanso e assim segue o baile, certo? Não em Joinville. Na Liga Ouro a equipe treinava inacreditavelmente às 6h. Sim, seis horas da matina. Neste NBB, o horário até mudou para 8h e depois, a tarde ou às 15h, 17h ou 19h, mas sempre sem se atentar para a regra básica de iniciar o dia com o treino muscular. Como dito acima, sequer havia cobrança ou personal para os atletas. Treinos fortes, táticos e técnicos não obedecem qualquer preocupação com desgaste físico e assim, mais uma vez, a diretoria técnica trabalha contra o bem-estar físico dos seus atletas.

– Comissão técnica: Inexperiente, sem comando e que motiva desentendimentos entre os atletas. Explicamos: no último NBB o Joinville tinha um técnico em sua primeira experiência na Liga, mas que já havia trabalhado com o grupo, ou seja, o conhecia e sabia como tratá-lo. Nesta temporada, o discurso da diretoria era trazer alguém de fora e formar uma comissão mais robusta. E aqui cabe salientar que essa "decisão" foi tomada sem sequer comunicar o ex-treinador que não foi procurado para conversas de renovação ou desligamento tendo ele próprio que chegar para a direção técnica e informar que não continuaria no cargo, muito pela falta de respeito e interesse demonstrados pela mesma com relação ao trabalho dele, que já vinha conduzindo a equipe desde a Liga Ouro. Apesar disso, ele continuou como assistente técnico.

Trouxe um técnico com bastante experiência, mas em categorias de base, sem qualquer firmeza com um time adulto e, embora insistam no discurso de que o Joinville é um time jovem, ele já não é e precisa encarar os jogos como uma equipe que quer brigar por algo. Acontece que a falta de experiência com jogadores adultos tira completamente o comando do técnico que não tem o respeito dos jogadores muito por suas decisões equivocadas, suas alterações sem sentido e seu desenho de jogo que ainda está preso às categorias de base.

O jogo ataca-defende não funciona com uma equipe adulta. Além disso, falta pulso também para dizer para a diretoria técnica "eu sou o técnico, as decisões dessa linha para dentro são minhas". Parece existir uma "dívida", algo do tipo: ele me trouxe aqui, farei as vontades dele. E isso cai como uma bomba em um grupo. Outro ponto que mina qualquer equipe é o privilégio descabido aos atletas "pratas da casa". Enquanto alguns atletas que estão longe de serem vilões – ao contrário, têm números brilhantes – são tratados como culpados, atletas da casa "fazem o que quiser" sem que haja qualquer sanção sobre isso. O discurso "são apenas garotos evoluindo" não cola mais.

Todo esse desenho acaba minando a relação dentro de quadra, afinal, qual jogador que se esforça diariamente, treina, se alimenta, cuida de sua saúde, sai da sua cidade, faz ótimos números quando consegue jogar – porque até nisso existem influências externas – se sentiria feliz em uma equipe que privilegia aqueles que tem dedos externos apontados para si?

Um detalhe que mostra algum privilégio é até mesmo a produção de camisas para venda aos torcedores. Tente encontrar a camisa de Cook, Starks ou Socas à venda em quantidade e falhe miseravelmente.

– Marketing e assessoria de imprensa: Outro ponto praticamente inexistente e que, por consequência, limita patrocínios e exposição. A equipe sequer tem uma assessoria dedicada exclusivamente ao time e não é difícil encontrar falhas, erros e falta de informação devido a essa falta de comprometimento. Se uma equipe que tem dificuldades financeiras não se preocupa em fortalecer sua imagem, não pode exatamente reclamar que as empresas e marcas não desejem ter ligação com o time. Há boatos de que na próxima temporada a equipe terá uma diretoria dedicada a esse segmento. A ver.

Além disso, a equipe exige que os jogadores sejam ativos nas redes sociais e compartilhem artes e materiais de divulgação dos jogos, mas não oferecem qualquer suporte para isso, ficando a cargo de cada um – e ao bolso também – a contratação de profissionais como assessores, por exemplo.

– Montagem da equipe para temporadas: Se as decisões são unilaterais as chances de serem equivocadas e feitas sem planejamento estão perto dos 100% e como em Joinville é assim que a banda toca: erro. Não existe, até o momento, um planejamento para montagem da equipe que disputará a temporada seguinte. Quando a Liga Ouro terminou, a correria na cidade foi grande. Primeiro: para conseguir o dinheiro exigido pela Liga para a participação no NBB. A diretoria não imaginava que já no primeiro ano os atletas conseguiriam a vaga e, há informação de que sequer desejavam isso, mas como a campanha surpreendeu, tiveram que correr atrás. Da mesma maneira aconteceu com a montagem do elenco. Quando o campeonato acabou, os vínculos também encerraram e a diretoria técnica – de novo ela, sempre ela – teve que montar o time às pressas, tanto é que a base permaneceu a mesma, com alguns reforços. Nesta temporada, a mesma novela, reunião no fim do NBB, conversas informais de "quero que você fique" e atletas sendo incorporados com o bonde andando. Motivo? Falta de planejamento.

A disputa do Estadual também é exemplo disso. A equipe não utiliza o campeonato como forma de preparação para o NBB, como maneira de entrosar a equipe visando a competição nacional. Ao contrário, utiliza, via de regra, jogadores da base e alguns poucos atletas profissionais. Dessa maneira, o "encontro" do elenco se dá às portas do NBB, com atletas chegando já com o campeonato em andamento.

No JASC (Jogos Abertos de Santa Catarina) – que o time participa obrigatoriamente por conta do bolsa atleta – a equipe também se apresenta da mesma maneira.

A mesma falta de planejamento fez atletas saírem no meio da temporada: Laster chegou, quase nem jogou e pediu para sair, hoje é destaque no Cravinhos. Romário jogou o Estadual, treinava com a equipe, não tinha espaço e hoje está no São José dos Pinhais. Willian Weihermann, que chamou a atenção com seus chutes de três, também pouco era utilizado e pediu dispensa para disputar o 3 x 3 pelo São Paulo e recentemente, Vezarinho saiu com destino ao Rio Claro.

– Falta de atenção ao torcedor: O discurso é bonito: queremos proporcionar um bom espetáculo para o torcedor. A prática nem tanto. Além de a equipe não ter produtos para vender além das camisas – também limitadas quando se fala de opções – também não há preocupação em dar outras vantagens ao amante do basquete. Na temporada passada do NBB existia um plano torcedor que permitia a entrada em jogos, sorteios de camisa do cestinha da partida e até viagens com o time. Neste ano, nada. Sequer o sócio torcedor. A parceria fechada entre Basquete Joinville e Joinville Esporte Clube tinha como objetivo aparente aproximar as torcidas, levar o torcedor do futebol ao ginásio e conectar ambas. Falhou em tudo. Não houve adesão do torcedor de futebol – obviamente modalidades bastante distintas – e o torcedor do basquete ficou a ver navios, sem qualquer vantagem.

Os problemas são inúmeros e todos eles partem de uma forma de conduzir autoritária e centralizada em uma única figura. A imprensa da cidade é carente de informação porque o time não tem uma assessoria disponível e atualizada, mas a maior parte dela também tem sua parcela de culpa porque fecha os olhos para cada um desses itens que fazem um projeto ruir.

É ingênuo da diretoria pensar que essas informações ficariam seladas e trancadas em um baú com sete chaves. Era uma questão de tempo até que alguém se perguntasse o que aconteceu com um time que tem boas estatísticas individuais, tem nomes que se destacam, começou bem a temporada, e agora termina o campeonato desse jeito, agonizante. Era questão de tempo até que alguém se perguntasse o que acontece nos bastidores porque o jogo pode até durar 40 minutos, mas o time, a equipe e os atletas continuarão sendo um time, uma equipe e atletas em todas as outras horas do dia e para que corpo, mente e estrutura de jogadores e time estejam em ordem, é preciso que haja profissionalismo suportando tudo e, claramente, não existe esse suporte em Joinville".

A direção do time de Joinville foi procurada e informou que irá retornar com uma Nota Oficial acerca do texto acima publicado. O blog aguarda para publicá-la.

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