Desbravadora na NBA, Lindsey Harding analisa funções no Sixers e conta: “Quase joguei pelo Brasil”
Fábio Balassiano
04/09/2018 00h10
Foto: Divulgação
Em um universo de 30 times, a NBA terá apenas 4 mulheres trabalhando em funções de quadra. Jenny Boucek no Dallas Mavs, Becky Hammon e Natalie Nakase, assistentes técnicas de San Antonio Spurs e Los Angeles Clippers, e a recém-chegada Lindsey Harding, de 34 anos e contratada pelo Philadelphia 76ers para se tornar a 2ª profissional do sexo feminino a exercer a função (Boucek, quando trabalhou pelo Seattle há uma década, foi a primeira).
Primeira escolhida no Draft da WNBA em 2007, a norte-americana Lindsey Harding teve uma carreira bem razoável na liga profissional do país e também em clubes da Europa. Aposentada em 2017, procurou se especializar em gestão profissional de basquete e participou do programa oficial da NBA para o pós-carreira. E deu certo. Recomendada pela própria liga para as franquias após concluir seus estudos, a agitadíssima Harding foi contratada pelo 76ers para a função de scout (espécie de olheira de jovens talentos) da franquia. Ela passou por três entrevistas, e no final foi aprovada por Brett Brown, técnico e gerente-geral interino do Phila.
O blog conversou com Harding na semana passada com exclusividade. No papo, uma revelação incrível: a agora ex-jogadora contou que quase atuou pela seleção brasileira adulta feminina. Confira o papo com ela.
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BALA NA CESTA: Pra começar, é verdade que você ficou a um passo de ser jogadora da seleção brasileira feminina? Uma pessoa me contou isso e queria confirmar a veracidade do fato.
LINDSEY HARDING: Sim, é 100% verdade mesmo. Quando atuava na WNBA, no Atlanta Dream, eu conheci o empresário Fábio Jardine, que se tornou um grande amigo. Ele me apresentou a Hortência em 2010, 2011, e avançamos na questão de eu me naturalizar brasileira para atuar na Olimpíada de 2012, em Londres, e também na do próprio Rio de Janeiro. Seu país precisava de uma ala experiente, a Hortência queria contar comigo para a função e eu estava animadíssima. Cheguei a conversar com o presidente da Confederação na época. Como se chama ele?
BNC: Carlos Nunes…
HARDING: Isso, Nunes. Lembro do sobrenome. Mas algo no processo de visto, naturalização, parte burocrática não funcionou. Lembro que fui muito transparente com Hortência e lhe disse que tinha um sonho de jogar uma Olimpíada. Que se não conseguisse pelo Brasil talvez eu recebesse convites de outros times. E foi o que aconteceu. Ela me deu carta-branca quando viu que os trâmites internos não avançavam nada e infelizmente não joguei pela seleção brasileira. Na época atuava com a Érika de Souza no Atlanta Dream, tínhamos um entrosamento fantástico, mas acabou não rolando. Por uma incrível coincidência, vesti a camisa de Belarus e na Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro. Acabei fazendo a cesta da vitória no jogo em que vencemos por 65-63 e aquele jogo eliminou o Brasil da competição. São coisas do esporte. Estava aberta, mas não sei o que aconteceu que do aconteceu.
BNC: Falando sobre essa sua nova vida agora. Depois de 10 anos jogando profissionalmente, esperava ser contratada tão rápido por uma franquia de renome da NBA?
HARDING: Estava batalhando por isso, mas obviamente tudo aconteceu muito rápido. Recebi uma ligação logo depois que o Philadelphia foi eliminado do playoff e comecei a fazer as entrevistas. Foram três, até a última com o Brett Brown, o técnico e GM interino, em Las Vegas, na Summer League. Foi um dos papos mais inspiradores da minha vida e saí de lá com o emprego e também com uma lição de vida por tudo o que ele já passou. Como scout do Sixers, atuarei em diversos níveis para encontrar não só os melhores talentos, mas sim as melhores formas de trazê-los para o Philadelphia. Muita gente pensa que nosso trabalho se resume a dizer se um jogador é bom ou ruim, mas passa também por mercado de agentes-livres, subir posições no Draft pensando em um determinado jogador, chegar antes dos rivais no mercado internacional e por aí vai. É complexo e estou feliz de estar em uma organização tão progressiva, pra frente, com ideias não conservadoras. Me enche de orgulho.
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BNC: Muda alguma coisa no trabalho de um Scout o fato de, três, quatro anos atrás o Sixers ter sempre picks muito altos por estar no famoso processo e agora, brigando por playoff e quem sabe título, as chances de ter picks entre o Top10 são diminutas?
HARDING: Muda, sim, a forma de pensar e agir. Antes você mesmo acaba se restringindo porque por mais que saiba que um jogador muito bom pode cair no seu colo no segundo round isso é raríssimo. Então as horas que você e sua organização gastam tempo com este tipo de atleta se reduz. Mas, sendo muito sincera, esse é meu primeiro ano. É tudo muito novo pra mim. De verdade estou aqui pra aprender a ser a melhor Scout que eu puder ser. Vai ser uma experiência incrível. Difícil dizer ainda, e porque é o começo, como será o futuro, mas quero viver um dia depois do outro dentro do Sixers e quem sabe passar por diferentes funções dentro da organização. Meu contrato é de 2 anos.
BNC: Vi uma entrevista sua recentemente em que você falava que, apesar de muito feliz com a abertura de mercado para pessoas do sexo feminino, seu negócio não era levantar bandeiras, mas sim trabalhar e deixar tudo acontecer naturalmente. É isso mesmo?
HARDING: Totalmente verdade. Não quero levantar bandeiras. De verdade. Homem ou mulher, isso não importa e não deveria importar. Pra mim o importante é uma palavra bem básica – competência. Sendo muito sincera, ficaria muito feliz se mais portas se abrissem pra pessoas do sexo feminino, mas não porque somos mulheres, mas sim pelo fato de termos a mesma capacidade intelectual que os homens. É bem simples. Olho pra Becky Hammon, assistente no San Antonio Spurs há anos, e fico muito feliz. Muito feliz mesmo. Olha que sensacional. O lugar que ela está, o time que ela está, o técnico que lhe abriu as portas (Gregg Popovich). Tomara que elas (portas) continuem sendo abertas. Torço não para que o basquete, mas para que a sociedade seja mais igualitária, mais progressista, mais cabeça aberta. Não é só contratar mais mulheres, mas sim dar oportunidades iguais na entrevista. Já seria um baita começo. Por aqui, falei com um jogador apenas que foi o TJ McConnell, armador reserva que estava na Liga de Verão. Ele não perguntou como uma mulher estava se sentindo no cargo, mas sim como a pessoa Lindsey Harding estava. Conheço o JJ Redick, fomos pra Duke na mesma época, e ele também ficou realmente muito orgulhoso de mim.
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BNC: Perfeito. Pra fechar, uma perguntinha. Estamos nos playoffs da WNBA e é impossível não perguntar a você, que atuou quase uma década lá, por que a liga ainda não conseguiu decolar em termos de visibilidade, orçamentos, estrutura e tudo mais. Você consegue analisar isso?
HARDING: Sim. É fácil também, embora complexo porque envolve inúmeros fatores. A WNBA é uma liga de 20, 21 anos de idade. É muito jovem. O primeiro time que foi muitas vezes campeão, o Houston Comets, nem existe mais. Eu sempre digo sobre a NBA x WNBA, que existe uma questão de idade. A NBA não era esse fenômeno de organização que é hoje quando tinha 21 anos. A NBA é de 1946, vale lembrar. É diferente, então. Não dá pra comparar. As meninas que jogaram ou que ainda jogam são pioneiras, quase que cobaias de experimentos que ninguém sabe se vai dar certo – e como vai dar certo. Vai ser demorado, vai ser um processo, vai ser um sucesso com o tempo. O legal é que essa temporada já houve muitas coisas virais, rolando o mundo todo. Isso ajuda a popularizar o esporte.
BNC: Mesmo há pouco tempo na NBA, já deu pra perceber diferenças estruturais, certo?
HARDING: Sim, isso é bem nítido e fácil de ver. As estruturas são completamente diferentes. Na NBA somos muito, muito profundos em analytics (dados estatísticos) em comparação com a WNBA. Na NBA você tem uma estrutura gigantesca fora de quadra também. Olhando basquete, sem falar de marketing, administração, ingressos, essas coisas, devem ser brincando umas 100 pessoas sem contar os atletas. Técnicos, médicos, scouts, treinadores de desenvolvimento de jogadores, essas coisas. Na WNBA, muitas vezes o técnico ainda é o General-Manager. É óbvio que o tamanho do staff varia de acordo com a grana disponível em cada um dos negócios, mas chama a atenção, sim. Na NBA são muitos assistentes, todos preocupados em ter vantagens competitivas sobre os rivais, porque no final do dia é no que se resume o jogo – detalhes. Fazíamos até demais com muito menos (dinheiro) na WNBA.
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