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O segredo da vitória, por Márcio Araújo

Fábio Balassiano

19/03/2018 14h00

* Por Márcio Araújo

"Acho que, no momento, estamos vivendo um período de avaliação interna do time, dos jogadores. Nós sabemos disso, mas não estamos tratando esse processo com a seriedade e respeito devidos"

"Vejo alguns caras que foram selecionados no mesmo Draft que eu e que são realmente talentosos, mas ainda não tiveram real oportunidade de cometer erros, aprender a jogar na prática. Nosso time inteiro sempre teve essa chance, esse luxo, e nós não encaramos com a importância que deveríamos"

"Acho que o elenco inteiro – incluindo eu – foi mimado demais, ganhando tempo de quadra muito jovem e sem importar-se com erros. Você olha para equipes como o Cavs e é diferente: se você comete um erro, sai. Fomos meio tratados como bebês e isso mostra-se agora. Temos que olhar para nós mesmos e entender que o jogo não foi dado para nós. Precisamos ser humildes"

São palavras de Devin Brooker, um dos maiores craques da nova geração da NBA, vendo seu time, o Phoenix Suns, estagnado nas três últimas posições do campeonato pelo terceiro ano seguido.

Pausa para reflexão…

Estas frases, ditas após mais uma derrota de seu time, contêm uma profundidade gigantesca. Podem trazer profundas reflexões sobre a diferença de se tornar um grande jogador ou se tornar "o atleta". Acredito que Devin Booker pode se tornar "o atleta" algum dia. Ele sabe o que é necessário. E, principalmente, sabe que é um processo construído dia a dia, mês a mês, ano a ano, e sobretudo, algo de equipe.

Esta análise será baseada em um jogo de perguntas e resposta. Os motivos que levaram a esta metodologia serão melhor compreendidos ao final do texto. Então vamos lá:

1) Qual o segredo da vitória?
Calma lá, caro leitor. Se fosse assim tão simples responder seria ótimo. Mas a realidade é que as grandes perguntas são realmente difíceis de se responder e, para facilitar, devem ser precedidas de outras menores para se chegar a alguma conclusão. Então vamos em busca de perguntas que nos façam chegar a esta resposta.

2) Na principal liga do planeta, qual o time mais vencedor dos últimos 15 anos?
Não há dúvidas que a principal liga de basquete se trata da NBA. Quanto ao time cabe uma reflexão individual, mas na humilde opinião de quem vos escreve trata-se do San Antonio Spurs sem pensar duas vezes. Cinco finais, quatro títulos, classificado aos playoffs em todas as temporadas, melhor campanha ou uma das melhores em fase regular de todas elas, sempre apontado como um dos candidatos ao título e com o técnico que passou a ser o mais respeitado e admirado por todos.

3) O time possui, ou possuía, o craque mundial?
Ora, não se pode menosprezar a importância de um Tim Duncan como craque mundial, mas nomes mais badalados como melhores jogadores tipo Kobe Bryant, Lebron James e Stephen Curry nunca fizeram parte do elenco do Spurs. São jogadores mais vistosos. Sendo estes nomes repercutidos como os craques mundiais.

4) Quem é, ou foi, "o atleta"?
O termo "o atleta" aqui refere-se àquela principal figura do time que o tenha levado ao posto de melhor time nestes últimos 15 anos. No caso do Spurs é fácil de se responder Tim Duncan. Sei que alguns vão lembrar do Manu Ginóbili ou de outro, mas Duncan é o retrato do "atleta". É um jogador raríssimo que já chega como "atleta". Ele entende que em esporte coletivo ganha títulos quem tiver a melhor equipe e não o melhor jogador. Que numa equipe vencedora pode aparecer, sim, jogadas de destaque ou jogadas plásticas e eficientes. Mas a vitória só vem com o equilíbrio da equipe. "O atleta" é aquele que entende o jogo e faz a equipe funcionar. Sabe a hora de passar a bola, de assumir uma jogada e também de encontrar a melhor oportunidade em um companheiro desmarcado. Sabe também identificar pontos fracos do seu time e dar moral aqueles que precisam de confiança. É o grande líder de uma equipe.

5) Quem é a mente por trás? O que ele faz?
Gregg Popovich sem dúvidas. Técnico admirado e respeitado por todos. Todos querem ser atletas dele. Ele sabe que a vitória só vem com uma equipe unida e forte. Com jogadores que saibam pensar. Ficou conhecido por transformar a NBA, que era individualista, em um jogo de equipe. Jogadas rodando todo o elenco. Trabalhando o tempo disponível no cronometro até achar o atleta mais livre para finalizar. Tido como estilo de jogo chato nos anos iniciais. Tido como um gênio no passar dos anos. Popovich pergunta a seus atletas sobre política, sobre cultura. Faz com que todos estudem e estejam atualizados. Abram a mente. Vão a teatros, museus, e comentam sobre tudo isso. Popovich sabe que recebe jovens jogadores "mimados" e que precisa transformá-los em homens atletas.

Novatos em seus times, como o primeiro ano do Tiago Splitter por exemplo, sentam no banco de reservas. Muitas vezes olham para a equipe titular e sabem que têm lugar ali. Que já são melhores jogadores que os titulares. E por vezes nem entram nos jogos. Eis que atletas mais antigos do time viram para os novatos e falam: tenha paciência. Aqui é assim. Você não vai jogar neste primeiro ano. Este ano você irá se adaptar. Aprender a pensar. Treinar seus pontos fracos para melhorar no jogo. E aprender que você faz parte de uma equipe. A equipe é maior que você, por melhor que você seja. Só entra no jogo quando souber o que você precisa fazer para a equipe ganhar. Ai de quem entrar querendo ser individualista ou fazer algo diferente do planejado. Quantas vezes já não vimos o Popovich sacar um jogador que acabou de entrar por ter feito algo do tipo. E o tamanho da bronca que toma em rede nacional. E o "gancho" que o próprio técnico dá ao jogador até recuperar a confiança de que não fará mais isso. De que é uma equipe. E ao contrário do que todos pensam, seus jogadores todos dizem que é uma pessoa muito brincalhona e descontraída nos vestiários e no dia a dia. Mas na hora do jogo, parafraseando Muricy Ramalho, aqui é trabalho…

6) Agora sim, qual o segredo da vitória?
Esporte coletivo só se ganha em equipe. O time é mais importante que qualquer jogador.O craque de uma equipe vencedora é "o atleta". Fazer os melhores jogadores virarem "atletas" é o que se deve perseguir, mesmo que seja necessário deixar no banco de reservas para aprender a mentalidade da equipe e a ter humildade. Jogador tem que entrar querendo que a equipe ganhe acima de tudo, inclusive acima de seus números individuais. E para que isto tudo seja colocado em prática, precisa aprender a pensar, a refletir, a ler o jogo, a ler a vida, a buscar soluções…

Agora que a conclusão nos evidencia que é necessário pensar e refletir para achar as soluções parece óbvio que o jogo de perguntas ajuda a cada um refletir sobre suas convicções.

Relendo as frases de Devin Brooker no início deste texto acredito que ele tenha encontrado suas respostas. Fala que existem jogadores como ele que não tem os mesmos números justamente porque não estão sendo mimados. Não estão jogando. Estão sendo trabalhados.

Se erram voltam pro banco até aprender. E só entram pra vencer, e não para inflar números individuais. Leandrinho, por exemplo, teve suas melhores performances como reserva. Sendo inclusive eleito o melhor reserva da maior liga do mundo. Posição extremamente importante em uma equipe vencedora. No futebol, será que um jogador como o Gabigol é mimado e não aceita ficar no banco de reservas aprendendo a jogar pela equipe sem ser protagonista? Será que um Neymar fez a escolha certa ao ir para o PSG em busca de projeção individual? Será que ele realmente pode ser o melhor do mundo jogando em um lugar que ele é maior que a equipe ou apenas fará enormes números pessoas?

Messi seria apenas o melhor do mundo ou "o atleta" do Barcelona ao aparecer muito menos quando o time não precisava dele e inflando números dos companheiros como Neymar e Suarez, agregando e fortalecendo a equipe?

Deixo aqui um desafio para que você, caro leitor: faça uma nova reflexão sobre outro esporte. Ou formule outras perguntas em busca de outras reflexões. Pense, reflita, leia o jogo da vida.

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