'Sabíamos da importância de um para o outro', diz Cláudio Mortari, técnico preferido de Oscar
Fábio Balassiano
13/02/2017 13h20
Técnico venerado pelo cestinha, reconhecido por Oscar nos grandes momentos de sua carreira (discurso de entrada no Hall da Fama, por exemplo), Mortari conheceu Oscar aos 15 anos quando era técnico do Palmeiras. Colocou o menino para jogar nos profissionais e não se arrependeu: "Ele sempre foi especial. Treinava como um maluco".
Conversei com o treinador, um dos maiores vencedores da história do basquete brasileiro e paradoxalmente fora do NBB desde a sua saída do Pinheiros na temporada passada, sobre Oscar Schmidt e muito mais.
CLÁUDIO MORTARI: Olha, é uma grande oportunidade, um reconhecimento imenso vindo de onde vem, da NBA, então é um motivo de orgulho pra ele. Vai ser importante, vai ser lindo, disso não tenho dúvida. Sobre o Jogo das Celebridades, se eu bem conheço ele, se jogar bem ele falará que fui seu técnico. Se não meter bola, dirá que não treinou o suficiente (risos).
BNC: Nem sempre a relação de técnico-jogador é lembrada quando o atleta se aposenta. O Oscar, a todo momento, no entanto, fala em seu nome, te coloca no topo dos treinadores que teve. É bacana ter esse reconhecimento dele, não?
MORTARI: Ah, são várias. Mas eu tenho minha ética profissional e essas coisas de vestiário eu não gosto de abrir muito. Essas particularidades eu deixo pros grupos que passamos. O que marca é o reconhecimento, essa progressão dele, de acreditar aquilo que sempre trocamos de conceitos, de ideias. Conheci o Oscar quando ele tinha 15 anos lá no Palmeiras. E ele já jogava no adulto, no profissional. Tive uma calma muito grande de saber que entrariam outras pessoas na história. Amigos, empresários, imprensa, todo mundo. Tive esse entendimento muito cedo e mesmo com tudo isso não nos distanciamos. Pelo contrário. Uma vez falamos sobre isso inclusive. No nosso relacionamento sempre houve um respeito de um para com o outro. Eu sabia da história e da importância dele para meus times e ele sabia da minha importância para o desenvolvimento da carreira dele. Nunca ultrapassamos essa linha. Sempre houve um respeito mútuo muito grande.
MORTARI: Claro que sinto. Vejo basquete todos os dias da minha vida. Estou nisso desde os 11 anos, sou técnico desde os anos 70. Não estou dentro da quadra como técnico, mas sou professor da cadeira de basquete da Faculdade FMU. Dou aulas diariamente. Isso me mantém ativo, atualizado das coisas e na expectativa de voltar ao basquete. Estou com 67 ainda e me considero capaz para retornar. Adoro dar treino, preparar o time, desenvolver os atletas. Tenho essa vontade de voltar, sim. Não vou fugir do meio agora, né? Não sei como seria a minha vida sem o basquete. Basquete foi e é importante pra minha vida. Devo tudo a ele.
MORTARI: Bala, não me sinto colocado de lado. Estou bem, trabalhando, vendo jogos, estudando. Faz falta o dia a dia na quadra? Clar que faz. Para quem não vivencia o dia a dia, gosto de dizer que no esporte não há dia igual ao outro e que isso é maravilhoso. Não estar trabalhando hoje em dia é muito mais circunstancial do que outra coisa. São situações até engraçadas que acontecem no basquete. No Sírio eu tive 28 títulos com a equipe. Fui mandado embora. No Pinheiros, Liga das Américas, vice-campeonato mundial, paulistas. O clube, em mais de 100 anos, nunca havia ganho tanto. Fui mandado embora. Isso é inerente a nossa profissão. Só acho que somando prós e contras, tenho mais coisas boas a meu favor. Mas pode escrever aí: tenho lenha pra queimar ainda. Em toda a minha carreira só passei por um clube que não conquistei título. Foi na Telesp.
MORTARI: Isso sem dúvida alguma. Não sei se a palavra correta é respeito, mas falta que as entidades nos usem mais neste sentido. Você quer ver uma coisa? Você é meio doido por número, deve saber. Sabe há quanto tempo o Brasil, no masculino, não conquista uma medalha em Mundial ou Olimpíada, seja no adulto ou no profissional?
MORTARI: Exatamente. Eu era o técnico. Fui treinador da seleção principal, saí e depois voltei para a seleção juvenil. Não foi uma queda em minha carreira, pelo contrário. Foi um prazer danado preparar uma geração para o basquete brasileiro. O Brasil foi vice-campeão mundial juvenil em 1979. Fomos o único time que perdeu de menos de 20 pontos dos EUA em toda a competição. Quatro anos mais tarde, medalha de bronze no Mundial Juvenil da Espanha. Vencemos os espanhóis no jogo do bronze na casa deles. Foi bem emocionante. Não ser consultado é muito ruim. Temos argumentos suficientes pra contribuir. Eu, Hélio, Edvar, tantos outros. Nós tínhamos que ser mais usados.
BNC: Te preocupa a fase atual da Confederação Brasileira? Sendo suspensa de competições internacionais, impactando os clubes do NBB, dificultando a formação de novos atletas…
MORTARI: A gente lamenta que não tenha havido um acerto entre CBB e FIBA. As coisas precisam fluir normalmente, algo que não está ocorrendo. Essa paralisação é ruim pra todo mundo. Para novos investimentos, divisões menores, brasileiros de base, tudo. Está absolutamente tudo parado. É algo muito grave, mas não surpreendente para quem acompanha isso com afinco. A gente lê as notícias e fica meio chocado. O Brasil não participa de um torneio de base porque não se inscreveu. Depois só vai porque um clube serve de base e empresta metade do time e comissão técnico. Aí você para e pensa. Planejamento, cadê? Se isso ocorre com na divisão de base, que é sustentáculo de tudo, é muito grave. Nunca estivemos em uma situação tão complicada. Felizmente pra nós o surgimento da liga foi um alento total para quem trabalha com o basquete por aqui. Se não fosse o NBB, sabe lá como estaríamos. Como seria hoje se a CBB fosse a única opção? Está aí o basquete feminino pra falar. É um momento preocupante. Na minha opinião o maior problema é a falta de expectativa. Tudo isso tende a aumentar caso não melhore a gestão.
MORTARI: Não quero falar que sou contra o Magnano pessoa física. Não é isso e que quero deixar isso bem claro. O que eu acho é que o resultado da Olimpíada foi esperado. Sim, esperado. O Brasil só se classificou porque era sede. Disputou o Mundial de 2014 porque pagou pra disputar. A verdade é que o treinador não ganhou nada esportivamente a não ser o pré-olímpico de 2011. É só pegar aí. Foram participações horríveis em Copa América, por exemplo. Perdemos até da Jamaica, lembra? Nós não estaríamos na Olimpíada se não fosse o país-sede. Então, se você olhar com calma, é um retrospecto bastante ruim. O problema maior na minha concepção sobre o que aconteceu com o Magnano é que reunimos hoje três escolhas em um grupo de 12 jogadores – NBA, Europa e NBB. Nunca aconteceu isso na história do basquete brasileiro. Caras que ficam 12 meses ou jogando em metodologias completamente diferentes. Aí o que fizeram? Tentaram reunir três escolas diferentes com uma coordenação de trabalho que se diferenciava daquilo que sempre fizemos. Aquilo causava uma interrogação de como deveríamos atuar. Faltou o ponto comum de contato entre as três escolas e o que sempre praticamos. Nossos melhores momentos na Olimpíada foram quando Nenê, Leandrinho e outros foram pro jogo criativo, ativo, diferente. Sempre tivemos a nossa maneira. Desde Wlamir, Paula, Oscar, essa sempre foi a nossa tônica sempre. Faltou um entendimento maior neste sentido em minha concepção. E não falo nem da quadra apenas, mas sim que o trabalho dele deveria ser um pouco mais amplo do que só dirigir seleção brasileira. Ele deveria ter percorrido o país, visto competições, ter um trabalho mais extenso, alongado, mesmo porque fica-se muito tempo ocioso quando só se dirige a seleção brasileira.
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