Causou comoção a morte do brasileiro Fab Melo. Aos 26 anos, o pivô faleceu na sua Juiz de Fora (MG) natal com causas ainda desconhecidas. Recebeu uma série de mensagens carinhosas nas redes sociais e foram feitas inúmeras matérias sobre ele (o UOL fez reportagens excelentes e você pode ler aqui). Pensei em alguns fatos pouco conhecidos da sua história. Vamos lá:
1) Fabricio, seu nome até se mudar para os Estados Unidos, onde passou a ser chamado apenas por Fab, começou a jogar basquete tarde. Apenas aos 14 anos teve seu primeiro contato com a modalidade. Foi através do Projeto Basquetebol do Futuro, em Juiz de Fora, que ele se destacou a chamou a atenção. Mudou-se para a capital, Belo Horizonte, onde atuou pelo Olympico. Lá foi visto por olheiros do basquete universitário norte-americano. Fab ganhou uma bolsa de estudos na Sagemont School e cursou o segundo grau na Flórida em 2008. Até então nunca tinha falado uma palavra de inglês em sua vida.
2) Se formou no segundo grau em 2010, já era bastante conhecido no circuito universitário norte-americano e acabou recebendo uma bolsa de estudos integral da tradicional Universidade de Syracuse que tem como um dos principais ídolos o agora atleta do Knicks, da NBA, Carmelo Anthony. Carmelo, cujo apelido é Melo, sobrenome de Fabricio. Sempre que os dois se encontravam brincavam sobre isso inclusive. Sob o comando do reconhecido treinador Jim Boeheim Fab cresceu como atleta. Cresceu tanto como atleta, mas acabou se perdendo na sala de aula. E nos EUA a regra é clara: se você tem notas baixas, não pode jogar na NCAA. Na temporada 2011/2012 Fab era simplesmente o melhor defensor de seu time, que tinha a campanha de 20-0 e impressionava a todos. No sistema de jogo de Boeheim, cabia ao brasileiro proteger o garrafão e distribuir uma série de tocos. Ele estava indo muitíssimo bem, sendo reconhecido por seus técnicos, companheiros, torcedores e imprensa. Um sucesso imenso. Só que os problemas na sala de aula acabaram minando os próximos passos de sua vida. Apesar das respeitáveis médias de 7,8 pontos, 5,8 rebotes e 2,9 tocos, Fab foi suspenso por três jogos pela primeira vez no começo de 2012 e logo depois não pode jogar o Torneio Nacional, o famoso March Madness. Sem pivôs reservas à altura, desfalcou o time e foi um dos responsáveis pela precoce eliminação dos laranjas na NCAA (mais aqui e aqui ). Mesmo assim foi eleito o defensor do ano na Big East, conferência de Syracuse.
3) Pouca gente sabe, mas o histórico escolar de Fab foi responsável por uma abertura de sindicância gigante por parte da NCAA na faculdade de Syracuse. A responsável pelos campeonatos universitários dos Estados Unidos queria entender o que estava acontecendo na Universidade e como um garoto que tinha notas tão baixas podia estar jogando há tempo tempo sem que nada tivesse sido feito. Teria, a comissão técnica de Syracuse, acobertado o garoto pensando apenas em seus resultados esportivos? Temendo uma punição ainda mais pesada, Syracuse se "auto-puniu", ficando fora do March Madness de 2015. Confissão de culpa total.
4) Estava claro que, com notas baixas e sem clima no vestiário por ter (mesmo sem querer) prejudicado o seu time, Fab Melo, que depois alegou que não conseguia boas notas porque não tinha um inglês fluente (algo totalmente compreensível!), não tinha mais clima para continuar no basquete universitário. Optou pela inscrição no Draft mesmo sem estar completamente formado (em termos esportivos). Na época seu jogo se baseava bastante na defesa, mas seus fundamentos precisavam ser lapidados. A escolha dele, porém, foi bastante coerente. Na NCAA e cada vez mais vigiado em relação às notas, seria difícil para ele ficar. Veio o Draft e na vigésima-segunda colocação de 2012 ele foi escolhido pelo tradicional Boston Celtics, campeão quatro anos antes, vice-campeão em 2009 e ainda com Paul Pierce, Kevin Garnett, Rajon Rondo e o técnico Doc Rivers no elenco. Na coletiva de imprensa para os calouros selecionados no Draft um momento engraçado. Ele sentou-se em uma cadeira e… caiu. Fab, com seus 2,13m, quebrou a cadeira, para gargalhada de seus companheiros novatos.
4) Fab Melo sempre foi um garoto simples, totalmente na dele, mas bastante sonhador e com objetivos bem claros em sua vida. Lembro que em 2012, quando o conheci, trocávamos vários e-mails. Felicitei Fab pela escolha no Draft pelo Boston, brinquei que a torcida era exigente, que o time tinha muita história e que se ele tivesse um pouco de sorte poderia ser o pivô brasileiro na Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro. Na resposta do e-mail, ele veio com o seguinte: "Quem sabe já não jogo pelo nosso Brasa na Olimpíada de Londres, Bala". Não rolou.
5) Sua vida na NBA não foi nada fácil, porém. O Boston, que tinha o também brasileiro Leandrinho no elenco, depositava muita confiança em Fab para ser o substituto de Kendrick Perkins, pivô titular campeão em 2008. Seu estilo de jogo, duro e defensivo ao extremo, até lembrava o de Perkins, mas a sua performance, não. No primeiro ano foram apenas seis jogos, com média de 6 minutos por jogo e 1,2 pontos e muita preocupação por parte dos Celtics. Aparentemente o garoto de 22 anos não conseguia alcançar o que a franquia esperava dele. Há vários vídeos dos jogadores verdes treinando com Fab, mostrando a ele o caminho das coisas e tentando ajudá-lo da melhor maneira. O de Paul Pierce tentando ensinar a ele como se joga no um-contra-um que você abaixo é um dos exemplos.
6) Em vários momentos da temporada Fab foi mandado para a franquia de desenvolvimento do Boston, o Maine Red Claws. E no dia 22 de dezembro de 2012 Fab conseguiu o primeiro, e até então único, triplo-duplo (mais de 10 10 em três fundamentos diferentes) da história da D-League com TOCOS. Foram 15 pontos, 16 rebotes e 14 tocos na derrota do seu time contra o Erie Bayhawks por 85-78. Na D-League, aliás, ele não foi mal em 2012/2013 com 9,8 pontos e 6 rebotes de média em 26 minutos por jogo.
7) O problema maior de Fab, de 2,13m, não estava exatamente na quadra, mas sim em seu comportamento desconcentrado. Doc Rivers, o técnico, ficava desesperado com o jeito pouco comum de lidar com um negócio tão exigente como é a NBA. Em 3 de janeiro de 2013 ele apareceu no vestiário do Boston com a cabeça inchada. Foi examinado pelos médicos do Celtics. Na hora do diagnóstico, a surpresa maior com o ocorrido. Não havia sido um choque contra um companheiro em um jogo ou treino, mas sim uma batida acidental provocada por Fab Melo em uma porta. Quando a imprensa perguntou o que tinha acontecido, Fab respondeu de maneira tranquila e risonha: "Bati com a cabeça no porta do meu hotel e sofri uma concussão. Se algum de vocês tem mais de 2m de altura sabe que isso pode acontecer com nós gigantes". O desleixo não seria bem encarado pelos Celtics. No canto de sua entrevista, Doc Rivers balançava a cabeça e dizia a Danny Ainge, o gerente-geral da equipe, não acreditar que aquilo seria possível com um atleta profissional. Pegou mal.
8) A paciência de Ainge e Rivers durou exatamente uma temporada. O brasileiro não teria uma segunda chance com os Celtics. Fab foi trocado pelo Boston ao Memphis no dia 15 de agosto de 2013, pouco antes da temporada 2013/2014 portanto. Foi dispensado 15 dias depois pelo Grizzlies, assinou com o Dallas em 10 de setembro, mas não passou muito tempo com o Mavs. No dia 22 de outubro terminava a sua história na NBA.
9) Se sua história não teve tanto sucesso na quadra, fora da quadra ele foi bem recompensado. Ter sido escolhido na primeira rodada fez ele ganhar, mesmo jogando efetivamente uma temporada, o salário de seu primeiro contrato até 2014/2015. Ao todo, de acordo com o Basketball Reference, Fab recebeu US$ 3,8 milhões (mais de R$ 10 milhões na conversão atual da moeda) na NBA.
10) Fab ainda tentou manter a sua carreira nos trilhos, vivia dizendo aos amigos que sonhava em voltar à NBA, mas aparentemente o bonde da história já estava passando e seu corpo demonstrava sinais de cansaço com seguidas lesões. No Brasil tentou a sorte no Paulistano (SP), mas acabou dispensado antes da temporada 2014/2015. Até hoje as causas de sua saída são controversas, mas muita gente do clube conta que o motivo foi extra-quadra. O brasileiro, então, foi para Porto Rico, voltou, jogou em 2015/2016 pela Liga Sorocabana no NBB (média de 11,3 pontos e 5,5 rebotes) e nesta tentou a sorte em Brasília, de onde foi dispensado devido a seguidas contusões. Nos últimos meses fazia tratamento em Juiz de Fora para tentar retornar às quadras.
Aos 26 anos, Fab Melo faleceu deixando saudade em todos os companheiros com quem conviveu. Sempre foi visto como alguém alegre, brincalhão, muito humilde e bastante genuíno. Sua história no basquete tinha tudo para ser brilhante, longa na NBA, mas acabou não acontecendo. Que ele descanse em paz e que neste momento a família tenha muita força para este momento difícil.