Dirigente dos EUA diz: 'Precisávamos respeitar para voltarmos a ser respeitados'
Fábio Balassiano
10/08/2016 01h10
JERRY COLANGELO: Bom, primeiramente quero dizer que todos estão muito animados de estar aqui no Brasil. É uma oportunidade única, a primeira Olimpíada na América do Sul, uma chance dos atletas verem um ambiente diferente e viverem experiências incríveis em suas vidas. Além do lado profissional, que é fundamental para eles, acredito que seja uma janela muito importante que se abre para eles, quase todos muito jovens, amadurecerem com o que viverão no Rio de Janeiro. Dentro de quadra eu sei que todos esperam isso mesmo da gente (ganhar o ouro), mas não levamos nada como garantido e sabemos que não podemos vacilar um só minuto para ficar com a medalha de ouro. Nos preparamos para isso da melhor maneira possível e sentimos que temos uma forte, profunda e unida equipe para alcançar o objetivo maior. Todos os times vão querer nos vencer e temos que ter muita força mental para nos defendermos disso. Um desses times é o Brasil. Estive antes da cerimônia de abertura com o Barbosa (Leandrinho), e ele me deu um grande abraço. Foi um rapaz que escolhemos no Draft em Phoenix e que tenho um orgulho danado de vê-lo atuar em alto nível até hoje. Mas temos um grupo forte e uma comissão comandada pelo Coach K.
COLANGELO: Sinceramente não. Estou nesse negócio há muito tempo, você deve perceber pela minha idade (risos). E sei bem como as coisas funcionam. Quando se tem experiência, você se ajusta às diferentes situações da vida. E sabe por que eu me mantive confiante o tempo inteiro? Porque eu sabia que tínhamos construído um programa forte, sólido. Apesar das ausências que você citou, ainda tínhamos disponíveis no elenco atletas de altíssimo nível. Além disso, é importante citar que a maioria dos atletas não vieram devido a lesões. E quanto a isso você, como dirigente, não pode fazer nada. Blake Griffin, machucado. Chris Paul, machucado. Steph Curry, machucado. Steph mesmo me ligou quase chorando pelo fato de não poder jogar. LeBron James, esgotado física e mentalmente. Anthony Davis, mesma coisa e duas cirurgias em menos de um ano. Então não foi algo em relação ao nosso programa da USA Basketball, mas sim situações que acontecem no dia a dia do esporte. Por sorte, somos abençoados de termos um elenco tão forte assim mesmo com tantas lesões que nos acometeram.
COLANGELO: Bem, a minha experiência de vida desde sempre no esporte profissional sempre foi de construir coisas praticamente do zero. Eu assumi o Chicago Bulls no Draft de expansão da equipe na década de 60. Anos depois, fiz o mesmo em Phoenix. No Baseball, a mesma coisa com o Diamondbacks. Isso é o que sou. Sou um construtor. Em todos os segmentos da minha vida eu sou assim. Quando me deram a oportunidade de assumir a USA Basketball, era um projeto novo. Uma reconstrução. Então era algo que estava acostumado e sabia como lidar, o que fazer, por onde ir. Tinha que começar a fazer algo praticamente do zero, mas não exatamente do zero. E eu amo desafios. Em toda a minha vida sempre foi assim.
COLANGELO: Não, não mesmo. O que primeiro detectei foi que precisávamos respeitar o mundo do basquete para sermos respeitados. Foi exatamente por isso que não havíamos conseguido os melhores resultados nos anos anteriores à minha chegada. Não se constrói nada da vida apenas com talento. A gente constrói coisas legais na vida através de alicerces sólidos que te levam a planejar, operacionalizar e criar com mais tranquilidade. Foi exatamente assim que fiz. Cheguei na USA Basketball e vi que o mundo do basquete precisava nos respeitar novamente. Antes, porém, eu precisava mostrar ao mundo que, sim, os Estados Unidos da América admirava e compreendia o trabalho maravilhoso feito por outros países. Como você é respeitado? Você mostra respeito em primeiro lugar. Ponto. Em qualquer segmento das nossas vidas precisamos sempre usar essa máxima, não concorda comigo?
BNC: Sim, eu concordo inteiramente com o senhor.
COLANGELO: Foi isso o que fizemos, e assim nós mudamos a cultura. Primeira a interna, nos EUA, de fazer os atletas respeitarem o programa e também de sentirem orgulho e desejo de vestir a camisa da seleção da maneira correta. Depois, do mundo ver a gente. Quando você vende isso pros atletas, eles enxergam isso e fica mais fácil de caminharmos juntos.
COLANGELO: Rapaz, como você sabe disso? Mas, bem, é verdade. Lembro bastante bem. Em 1969 eu assumi como gerente-geral o Phoenix Suns. Fomos para o Draft e disputamos o famoso cara ou coroa com o Bucks para saber quem ficaria com a primeira posição daquele ano. E aquele ano era ninguém menos que o Lew Alcindor, o hoje Kareem Abdul-Jabbar, como número um. E você sabe o que é o pior? Quando o comissário da liga jogou a moeda de 50 centavos pra cima, e tínhamos escolhido cara, ele desceu com a cara pra cima. Só que quando ele colocou no braço (e Colangelo mexe o braço), virou a moeda e acabou dando coroa, ou seja, o Bucks. Naquele momento eu fiquei devastado, frustrado, totalmente arrasado. Recordo que saí do evento, dei as entrevistas, falei com a imprensa e fui dar uma volta pela cidade de Phoenix por quase três horas. Fiquei pensando, pensando, pensando no que fazer. Voltei para o escritório e vi que não podia mais ficar me lamentando, mas sim que deveria colocar a mão na massa para melhorar o nível da equipe da maneira que, naquele momento, eu poderia. No ano seguinte saímos de 16 para 39 vitórias, com direito a chegar aos playoffs, depois de algumas mexidas que eu fiz no elenco. Não dava para ficar chorando pra sempre, né? Então contratamos Connie Hawkins, da ABA, trocamos pelo Paul Silas e fechamos com o Neil Walk. Tivemos a melhora mais significativa da NBA à época. Foi duro, mas conseguimos resultados interessantes, chegando inclusive à decisão em 1976.
BNC: Continuando no tema de reconstrução. O senhor agora está com o Philadelphia Sixers
COLANGELO: Como consultor apenas…
COLANGELO: Preciso em primeiro lugar dizer o seguinte: Sam Hinkie foi muito criticado, mas fez um trabalho muito valioso para nós, que estamos chegando, ao trazer peças muito jovens e de ótimo potencial para os próximos anos. Foram anos e anos de Draft que nos dão uma boa possibilidade. Com o Brian, agora, ele tem nas mãos ótimos atletas para ir adiante. Brian já foi o executivo do ano duas vezes na NBA e sabe o que é necessário para colocar todas as peças na mesma página. Ele é o cara certo, no momento certo e o Sixers tem um futuro imenso pela frente.
COLANGELO: Sabe. Vou lhe contar uma coisa: eu vim de uma família muito humilde. Sou de origem italiana, do subúrbio de Chicago, e todos na minha família trabalhavam em campos de coleta de milho para sobreviver. Por sorte eu tinha algumas habilidades físicas e consegui derivar para o lado do esporte trabalhando muito duro e sabendo que ali se abria uma oportunidade diferente na minha vida em relação ao que existia no restante não só da minha família, mas também na localidade em que vivíamos. Desde essa época eu aprendi que trabalhar de forma pesada e com comprometimento são os diferenciais para se ir longe em qualquer etapa da vida. É um lema que carrego comigo desde sempre e que carregarei até o final da minha vida. Foi assim que consegui ir a uma faculdade (Kansas e depois Illinois) e depois ir crescendo na minha vida.
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