Campeão da NBA, venezuelano Carl Herrera diz: 'Jogar Olimpíada foi minha maior glória'
Fábio Balassiano
26/07/2016 01h00
Com carreira de sucesso também na Europa (jogou no Real Madrid) e empolgado com a seleção venezuelana que virá ao Rio de Janeiro para a segunda participação olímpica da história do basquete do país, Carl, ala de 2,06m e dono de uma defesa espetacular tanto no perímetro quanto perto da cesta, relembra os principais momentos de sua carreira nessa entrevista. Os títulos da NBA, sua infância difícil, o duelo contra Magic Johnson, seu ídolo, e a emoção de ter levado a sua nação pela primeira vez aos Jogos Olímpicos em Barcelona, 1992. Confira porque o papo ficou legal.
CARL HERRERA: Não dá pra prever muita coisa porque o nosso grupo é duríssimo, com EUA, França, Austrália, China e Sérvia. São adversários fenomenais. Mas temos uma seleção que tem muito potencial. Em pouco tempo este time aprendeu como se joga o verdadeiro basquete, o basquete que se joga em conjunto. Nosso grupo mantém as características, mas conseguiu mesclar com um jogo mais, digamos, europeu. Diferente do que fazíamos até pouco tempo atrás. Não temos muita altura, mas temos muita velocidade e no momento confiança também, o que é importante. É difícil passar de fase? É! Mas nada é impossível. A bola é redonda, né? Chegamos com muita confiança e jogamos como deve ser. Uma coisa que tenho dito é que obrigatoriamente temos que subir a intensidade. Em uma Olimpíada são os 12 melhores times do mundo, e não os melhores do continente. Esta questão de ser intenso os 40 minutos do jogo é muito fundamental para a nossa equipe fazer um bom papel. Devo ir ao Rio de Janeiro como convidado da delegação.
HERRERA: Che é um fenômeno. E não há muito mais o que possa dizer sobre ele (risos). Todos temos muito respeito pelo que ele tem feito por aqui. Os resultados falam por si só, mas não é nem isso. Ele é um ser humano respeitoso, que entende as dificuldades da Venezuela e faz de tudo para melhorar o basquete. Dá treino até altas horas da noite, é incansável para corrigir os seus atletas e mostra a todos como se joga o verdadeiro basquete. Já é considerado um Venezuelano. É um cara que tem um coração imenso. Amamos ele, e os jogadores amam ele também. Soube entender a filosofia nossa e adaptar ao que ele acredita.
HERRERA: O que eu lembro? Que apanhávamos muito. E muito é muito mesmo (risos). Era uma geração maravilhosa a do seu país com Oscar, Marcel, Pipoka e o técnico Ary Vidal, maravilhoso com seu jeito explosivo. Nossa, nem gosto de lembrar, Fábio. Nos matavam muito. Nos ganhavam com muita diferença de pontos. Lembro perfeitamente que começávamos bem, jogávamos bem, mas quando perdíamos a concentração por dois ou três minutos choviam arremessos nas nossas cestas e aí a partida ia pro ralo.
HERRERA: Não há palavras para descrever o que foi jogar contra aquele time fenomenal. Foi a maior seleção que se juntou para jogar basquete – e que ainda se deu ao luxo de deixar um Isiah Thomas de fora devido a briga que ele tinha com o Michael Jordan. Lembro que entramos um pouco relaxados na final porque já tínhamos nos classificado para a Olimpíada, a primeira da história do nosso país, mas mesmo que estivéssemos concentrados o resultado final não iria mudar muito, não (risos). Perdemos por quase 50 pontos (127-80).
HERRERA: Tem um episódio engraçado. Meu ídolo quando jogava na Venezuela era o Magic Johnson. Queria jogar como ele. Era meu modelo de atleta. Aí em 1991 fui para o Houston e só pensava em enfrentá-lo. Lembro que entramos em avião para jogar contra o Lakers em Los Angeles. Quando chego ao aeroporto, todos com cara fúnebre, triste, de fim de mundo. Perguntei para um companheiro, e ele me informou que havia acabado a coletiva em que o Magic anunciou que havia contraído o vírus da AIDS. Quando anunciaram que ele ia se aposentar, eu chorei. Não só por causa da aposentadoria, mas chorei porque não poderia jogar contra o meu maior ídolo. Depois ele voltou e aí sim nos enfrentamos no Pré-Olímpico de Portland. Tem um momento maravilhoso da final contra os EUA que dou um toco nele em uma bandeja. Como ele era meu ídolo, eu cheguei a ir para perto dele para pedir desculpas, mas recuei (risos). Uma vez, quando estava trabalhando em Los Angeles, psn, falei com ele sobre essa passagem e demos boas risadas.
BNC: Tem uma história outra bacana que é a seguinte. O Marcel de Souza me contou que nas semifinais estavam Brasil x Venezuela de um lado e EUA x Porto Rico do outro. E só se falava na reedição da final entre Brasil x EUA, já que o Brasil havia vencido os EUA no Pan-Americano de 1987. Só que vocês venceram o Brasil e jogaram a final contra os Estados Unidos. O que você lembra disso exatamente?
HERRERA: Foi muito emocionante, Fábio. Muito emocionante mesmo. Lembro que quando conquistamos a vaga olímpica eu saltava, chorava, gritava, não sabia direito o que fazia. Quando voltamos ao nosso país, havia mais de 30 mil pessoas nos esperando no aeroporto. O basquete sempre foi popular na Venezuela, e aquela conquista era uma conquista de todos. Tivemos que sair escoltados do aeroporto para nos encontrar com o presidente venezuelano, que queria conversar e nos dar os parabéns. Nos sentimos os Beatles. Sabe o que é engraçado? Até hoje em dia me param na rua para dizer como foi maravilhoso dormir de madrugada naquele ano de 1992 para nos acompanhar no Pré-Olímpico de Portland. O fuso horário deixou os torcedores com sono, mas eles não deixaram de nos acompanhar.
HERRERA: Não, não mesmo. Vou lhe dizer uma coisa: os títulos da NBA são a maior glória da minha carreira, mas se você pensar bem é mais fácil jogar na NBA do que levar uma seleção não muito tradicional a uma Olimpíada. Na NBA eu era um jogador de composição de elenco. Tinha participação, mas era uma peça apenas. Na seleção muitos dependiam de mim, do Ivan Olivares e do Gabriel Garcia. Éramos nós os líderes responsáveis por tentar fazer algo impossível (se classificar às Olimpíadas) acontecer. Pode parecer piegas, clichê, mas te digo com toda sinceridade do mundo: jogar uma olimpíada pela Venezuela com meus companheiros de toda vida pra mim foi mais grandioso que ganhar um anel da NBA com os Rockets. Ir a uma Olimpíada, levar a Venezuela pela primeira vez a uma Olimpíada, foi magnífico. Lembro de todos os dias, todos os momentos, tudo o que vivemos juntos naquele período em Barcelona.
HERRERA: Eram outros tempos, mas de fato as coisas aconteceram para mim mesmo. Aprendi muito com a NBA e em todos os lugares que passei deixei uma mensagem importante que os jogadores do nosso continente também entendem e respeitam a modalidade. Tem uma coisa que acho engraçada. Muita gente fala do Manu Ginóbili ser o primeiro latino-americano a ganhar um título da NBA, mas se esquecem que na década de 90 eu já estava lá. E ajudei o Houston Rockets a ganhar duas vezes, em 1994 e 1995. É um orgulho muito grande para mim ter sido o primeiro. Sobre ser um desbravador, é o que muita gente me diz. Eu não posso te dizer isso, pois seria arrogante. Mas acho que abri portas importantes. Hoje você vê um monte de latinos na NBA. Antes era difícil. São outros tempos, com tudo muito mais aberto, o que é ótimo.
HERRERA: Sempre tento ser positivo para as crianças. Falo para que sempre treinem muito e que estudem. Que nunca se rendam. Eu tive que passar por muitas coisas para chegar até o patamar que cheguei. Minha infância não teve nada de fácil, nada mesmo. Nasci em Trindad e Tobago, vim para a Venezuela muito cedo, meus pais trabalharam muito para educar a mim e a meus irmãos da maneira mais apropriada e tive que me agarrar às chances que apareciam. Estudar na Universidade de Houston, por exemplo, foi uma das tábuas de salvação que eu tive. As coisas foram muito difíceis, e sempre tive o apoio dos meus pais para que não desistisse. A oportunidade me foi dada, e eu tive a perseverança de seguir treinando, de não desistir.
HERRERA: Olha, ao analisar o jogo de hoje é preciso entender o contexto todo do basquete. Não é algo tão simples de resumir mas vou tentar. A NBA, como você disse bem, mudou muito. Antes os caras que queriam entrar na liga tinham que ficar três, quatro anos treinando nas faculdades. E para os melhores técnicos. Você fala de Michael Jordan, Isiah Thomas, Charles Barkley, todos esses gênios ai ficaram no mínimo três anos na faculdade treinando como loucos, duas, três vezes por dia para treinadores muito exigentes e que demandavam não só na parte técnica mas também na comportamental. Assim, o atleta não chegava preparado apenas tecnicamente à NBA, mas sobretudo mentalmente. Chegava maduro, chega como um adulto.
HERRERA: Sem dúvida alguma. Rudy é um ser humano fantástico. Vou te contar uma história sobre ele. Quando cheguei à NBA para a temporada 1991-1992, vinha de uma temporada ótima pelo Real Madrid. E aí você chega confiante. A diretoria me disse que seria importante, mas joguei muito pouco para o técnico Don Chaney (13 minutos por jogo). Aquilo me incomodou muito, sabe? Estava bem, sabia que tinha nível, mas não jogava, não conseguia desempenhar bem o meu papel. Era estranho. No campeonato seguinte chegou o Rudy. Lembro que na pré-temporada ele um dia me chamou, colocou um vídeo e me disse: "Carl, este jogador aí, o armador Kenny Smith, é o piloto da equipe. Está vendo aquele ali? É o Vernon Maxwell, e é o co-piloto. Robert Horry, calouro, tem que jogar, é o futuro da equipe. Temos também o Otis Thorpe, excelente perto da cesta. E o Hakeem Olajuwon, o líder do grupo e o motivo pelo qual os torcedores pagam para nos assistir. E sabe por que eu lhe chamei aqui? Porque jogar defesa como você ninguém pode fazer neste grupo. Só você. Não tem ninguém que faça isso como você no perímetro. Otis Thorpe é bom, mas não consegue marcar fora. Hakeem é um fenômeno, mas não pode sair de perto da cesta. Aí é você, de sexto homem, e podendo defender tanto no perímetro quanto perto da cesta. Seus minutos estarão aí, de 20 a 25 minutos, eu lhe prometo isso. Você topa ser meu sexto homem, o responsável pela defesa?". E ali eu entendi o que ele queria de mim. Eu jogava, tinha minhas funções, o time vencia e eu gostava. Algumas vezes metia 15, 20 pontos e era espetacular. Outros, marcava a Karl Malone, a Charles Barkley, a Dan Majerle. E fazia 5 pontos. O time ganhava. Foi por isso que mesmo não sendo brilhante joguei por 8 anos na NBA. E numa NBA de nível altíssimo, digo.
HERRERA: O jogo mudou muito. Muito, mas sobretudo para isso que se chama de marketing. Mudou para se tornar atrativo, para se tornar atraente. Muitos não conhecem a história do basquete. Hoje em dia é a cultura de YouTube, de moda. Com todo respeito ao Warriors, já ganharam muita coisa, mas se você fala com bons jogadores de basquete do passado, este jogo de hoje em dia é chatíssimo. Parece um jogo das estrelas durante da temporada. Isso de 160-157. Como assim? Onde estão as defesas? Onde estão os jogos de interior? Onde estão as variações entre jogo interno e externo? O basquete precisa de um colorido diferente. Hoje em dia os pivôs não ficam mais perto da cesta. Realmente, para mim, hoje em dia não tenho muito interesse pelo que eles fazem. Eu gostava mais do que acontecia antes. Pode parecer saudosista, mas para mim é real: muito poucos de hoje seriam estrelas na época em que joguei. Aquele Detroit Pistons, por exemplo, era um time duro, forte, massacrante. Hoje em dia os 10 atletas do elenco seriam eliminados com seis faltas no primeiro tempo. Havia alguns times excelentes e que quase nunca chegavam. Fala-se muito do Chicago, do Lakers, do Boston, do Pistons, que venceram, mas se você pegar os elencos do Portland, do próprio Cleveland, eram muito bons, recheados de atletas de alto nível. O Atlanta tinha um craque de bola chamado Dominique Wilkins. Essa galera da antiga tinha talento de sobra e conhecia o basquete. Hoje em dia os atletas conhecem muito de pontuar, de fazer pontos, mas praticamente só isso. E o jogo não é só isso.
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