Eu sei, na verdade, que vocês entraram no texto passado pra ler o que penso da situação de Cristiano Felício, né? Decidi fazer um artigo somente sobre o ala do Chicago Bulls porque sei que o tema rende horrores. Não tanto pra mim, mas sim pra vocês que amam opinar quando este tipo de dispensa acontece. Pra quem está chegando agora: o pivô do Chicago Bulls pediu dispensa para treinar com a franquia visando a próxima temporada da NBA.
Na verdade, pra mim é tudo muito, muito normal. Neste tipo de caso eu sempre gosto de me colocar no lugar da pessoa e me perguntar como eu agiria. Falo do que faria mais adiante. Antes cabe uma reflexão. Desde já digo que a decisão de Felício é passível, sim, de contestação, mas todos precisam analisar o cenário é compreender algo que a CBB não aprendeu a lidar até hoje: se antes a prioridade número 0 do atleta era jogar na seleção brasileira, hoje as carreiras dos atletas são pautadas por jogar na NBA. O eixo da figura mudou.
Não existe certo ou errado, mas sim um cenário diferente de 30 anos atrás. Como a Confederação age em relação a isso? Expõe os atletas ao ridículo nas convocações, insufla a opinião pública contra o seu maior ativo (os atletas) e não tenta encontrar o meio do caminho entre o que o lhe seria bom e o que é aceitável para o jogador. É um cabo de guerra às cegas disputado pelos dirigentes míopes de uma entidade máxima cada vez mais à deriva. No final das contas, creiam, todos saem perdendo.
Sobre o caso de Felício, vamos lá. Alguns fatores precisam ser realçados:
1) Felício tem contrato NÃO garantido com o Chicago. Ou seja: a franquia pode cortá-lo quando quiser. Já imaginaram o que os Bulls pensariam caso o brasileiro largasse a Liga de Verão e os treinamentos por lá? Seria bem recebida a decisão pela diretoria da franquia de Illinois?
2) Que fique claro: ele não é Pau Gasol, Dirk Nowitzki ou Manu Ginobili, atletas que têm anos de estrada e que podem bater o pé para fazerem o que bem entenderem, contando com a anuência de seus times. Felício está chegando à liga. Não foi draftado, pegou uma Liga de Verão ano passado e logo em seguida um contrato não garantido. Treinou como um louco antes do campeonato e qualquer mínimo espaço que teve na temporada passada foi aproveitado. O Bulls não se classificou ao playoff, mas seu final de certame teve atuações muito boas e que fizeram a comissão técnica olhá-lo com bastante carinho para o futuro. Não é por outra razão que o Chicago, que passará por renovação de elenco, está apostando as fichas nele. Pode não dar em nada (pode ser inclusive que ele seja cortado antes do campeonato de 2016/2017 – é improvável, mas pode rolar…), mas o Bulls quer ver exatamente qual o limite que Felício pode entregar. Fazer beiço e dizer um "não" seria um recado PÉSSIMO do brasileiro para a franquia.
3) Mais: e se Felício se machucasse com a seleção brasileira? Perderia o contrato com a NBA na hora, no ato. Mais de um milhão de dólares. Não é pouca coisa, né? Por mais que seja o seu sonho jogar uma Olimpíada em casa, você jogaria tudo para o alto mesmo, dando de ombros para seu empregador? Pense que Cristiano vem de uma família bem humilde antes de responder a essa pergunta.
4) Vamos parar de bobeira em um ponto também. O caso de Felício é completamente diferente dos apresentados anteriormente por Nenê, Leandrinho e Faverani, por exemplo. Cada história é uma história e merece ser analisada e dissecada individualmente. A de Felício é exatamente como eu contei acima.
5) Vamos parar de bobeira, Parte II. Felício era reserva do Flamengo por duas temporadas antes de ir para a NBA. Não era estrela nem no basquete brasileiro. Ou seja: sempre teve que batalhar pelo seu espaço mesmo contra todos os prognósticos. Pouca gente lembra, mas ele saiu do Minas para jogar na Universidade de Oregon. Não rolou, ele voltou para o Flamengo e teve que treinar horrores para enfim ter uma chance na Liga de Verão pelo Chicago em 2015. Não foi de repente, não veio do nada. Quando assinou contrato de 3 anos ouviu todo tipo de piada. Quando ficou no elenco, idem.
6) Vamos parar de bobeira, Parte III. Felício mal era convocado para as seleções que treinavam para torneios Classe A – Mundial ou Olimpíada. Nunca esteve no núcleo que Magnano vem trabalhando desde que por aqui chegou. Me estranhou muito o rumo que a coisa tomou na semana passada quando aparentemente ele se tornou figura indispensável para o esquema de Ruben Magnano.
7) Resumindo: o pivô ainda é um atleta em construção, deve ser tratado como tal e, pensando na própria seleção brasileira, é melhor que ele se mate de trabalhar / treinar na melhor estrutura do planeta (a NBA), para que isso depois seja revertido para a equipe nacional, do que fique no banco de reservas jogando 3 ou 5 minutos em uma Olimpíada cujo garrafão brasileiro é a parte mais recheada do elenco.
8) Resumindo do resumindo: embora seja ótimo jogador, Felício, de 23 anos, NÃO seria um fator crítico para o sucesso da seleção no Rio-2016. Nem positivo caso jogasse bem (como são Leandrinho, Varejão, Huertas, Raulzinho e Nenê, por exemplo), nem negativo se não atuasse dentro do esperado. Insisto nisso: ele ainda é um jogador em formação e pensando de maneira altruísta (e não egotista) o melhor para atleta, seleção e Chicago mesmo é que o Bulls trate de fazer de Cristiano um atleta melhor. Daqui a 5, 10 anos poderemos olhar pra trás e vermos que foi razoável perder uma Olimpíada pra ficar um tempo longo na melhor liga de basquete do mundo, não?
9) E falando em Magnano pra fechar: mais uma vez ele expôs um atleta publicamente. Era só o treinador dizer um singelo "boa sorte na NBA e as portas estão abertas nas próximas convocações" no dia da convocação e tudo passaria tranquilo. O argentino, ao contrário, agiu como um bombeiro às avessas, jogando álcool na casa pegando fogo. Além de criticar a decisão do atleta, disse que a CBB desde sempre investe em Cristiano (investe? Como? É sério isso?) e que, embora respeitasse, não aceitava a decisão do rapaz. Desnecessário, vocês vão me desculpar. Não é a toa que entre os próprios atletas este tipo de atitude é pessimamente vista, embora ninguém se insurja contra o chefe que tem carta-branca pra falar e fazer o que pensa.
Minha conclusão: talvez tenha faltado habilidade para tentar encontrar um meio termo entre os desejos do seu time na NBA e a seleção brasileira por parte de atleta e seus agentes. Eu (e falo por mim) tentaria acomodar todas as partes para jogar pela seleção brasileira no Rio de Janeiro, mas não tiro a razão dele, não. Seleção não é obrigação. É vontade e estar com a cabeça para isso. Tão simples de entender pra mim que por causa desta objetividade em tratar um caso simples me choco quando leio palavras como "patriotismo" e "amor à camisa" em 2016.
Não há certo ou errado nesta história. Felício, na verdade, agiu como 99% dos profissionais do planeta nesta situação e merece ser respeitado, e não maltratado ou jogado às feras, por isso. Sua vida na seleção ainda será bastante longa.