Líder do time, Davi Rossetto analisa campanha do Basquete Cearense
Fábio Balassiano
07/04/2016 06h00
DAVI ROSSETTO: Tudo começou na formação do elenco. O Bial foi muito feliz na montagem dessa galera. Você conhece o cara, e esse time é literalmente a cara dele, está nos moldes que ele gosta de trabalhar. Aqui não tem estrelismo, mas sim um punhado de caras batalhadores, sem frescura e que colocam o trabalho em primeiro lugar. Eu posso te citar o exemplo do Felipe Ribeiro. Ele era ídolo do Basquete Cearense, saiu para o Pinheiros, voltou e nem sempre começa ou termina os jogos. Entretanto, está sempre dando força, vibrando do banco e passando a sua experiência para a galera. Isso fica marcado como um dos símbolos dessa equipe. Além disso, gosto de citar uma coisa importante que você irá entender o porquê de estarmos indo tão bem. Por Fortaleza ser uma cidade turística, muitos amigos e famílias acabam vindo nos encontrar. E todos que vêm aos treinos se assustam com a intensidade de todos nas sessões do Bial. As duas equipes, de titulares e reservas, são muito equilibradas e gostam muito de treinar. A evolução vem deste combate diário também. Este choque pesado de todos os treinos faz com que subamos, todos, o nível do dia anterior.
DAVI: Tivemos um início ruim, o que é normal para um grupo novo e que não atua em um Estadual de alto nível, mas depois conseguimos uma arrancada de 17 vitórias em 20 jogos. Isso só foi possível porque seguimos unidos, treinando muito e acreditando no que havíamos nos proposto desde o primeiro dia da pré-temporada. Se tivéssemos começado bem poderíamos almejar até a primeira posição. Essa equipe tem a maturidade de ver que o que passou, passou. Além disso, tem um fator importante: a torcida se identifica com a equipe. É óbvio que torcedor gosta de vitória, de times que estão indo bem, mas o basquete aqui em Fortaleza está trazendo os "órfãos" do futsal, que tinha uma equipe aqui. Hoje o pessoal já conhece a gente nas ruas, e isso é muito bacana. Antes era o time do irmão do Pedro Bial. Hoje já há mais reconhecimento. E tem uma coisa que precisa ser ressaltada: como o Bial sempre gosta de dizer, o projeto aqui não está interessado apenas em ganhar jogo. O Basquete Cearense existe também para ganhar os jogos, mas a equipe ajuda na massificação do esporte, ao proporcionar lazer para um estado tão pobre e na parte social com a comunidade.
DAVI: Pra te responder isso é importante voltar realmente ao começo da minha trajetória no Basquete Cearense. O início foi praticamente a transição da base pro adulto. E é sempre complicado isso, você sabe bem. Hoje, olhando pra trás, consigo perceber que ainda era um jogador cru quando saí do Pinheiros, onde fui formado. Tinha treinado muito, tinha desenvolvido as partes tática, técnica e física, mas não sabia o que fazer em algumas oportunidades. Não por falha do clube, mas sim porque isso tudo muitas vezes a quadra, o tempo de jogo, é que te ensina. Por isso não tinha muito tempo de quadra na primeira temporada no Basquete Cearense. Não rendi. Aí veio a importância da LDB pra mim. Entre o primeiro e o segundo ano em Fortaleza consegui jogar como titular em quatro fases da LBD, ganhando confiança, minutos e atuando para um técnico, o Espiga, que foi armador, ou seja, tem olhar crítico e conhece a posição. Foi na LDB que eu comecei a aprimorar, por exemplo, algo tão essencial para um atleta da minha posição, que é a tomada de decisão. Na segunda temporada por aqui tudo foi evoluindo. Foi processo gradual. A verdadeira mudança aconteceu nesta época.
DAVI: Neste primeiro momento, com a primeira LDB no Basquete Cearense, percebi que conseguiria jogar profissionalmente, passando a acreditar mais em mim. Aí entrou o Alberto Bial. Parece demagogia falar isso de um cara que é seu técnico, mas é verdade mesmo. Li a entrevista do Fúlvio com você no blog e ele disse algo muito interessante sobre o que um treinador falou a ele uma vez: "Vai lá, pode errar". Essa foi a chance que ele me deu. Ninguém coloca um atleta em quadra esperando que ele erre, mas o Bial me passou a confiança de deixar que eu tentasse. Isso literalmente não tem preço, e ele foi o cara que apostou em mim. O Bial permitiu não que eu jogasse como ele queria, mas sim que eu tivesse a minha visão do jogo, adaptando ao que ele pensa sobre basquete. São coisas diferentes. A quadra é um grande laboratório, né, Bala. Você só traz o melhor produto depois de testar várias combinações. Comigo foi exatamente isso: juntei quadra, experiência, ótimos companheiros, muito treino e um grande técnico para me tornar um atleta melhor.
DAVI: Também foi isso, mas não tudo. O título da LDB foi uma coisa a parte. E te explico. Tínhamos, Bala, um grupo fantástico, muito bom mesmo. Além de treinar muito, éramos uma equipe experiente e pronta pra jogar. Muito se falou de mim, mas foi um dos grupos mais homogêneos de LDB que apareceram. Se fossemos fazer uma analogia com a NCAA, eram todos Seniors, ou seja, estourando a idade da base naquele ano. O trunfo daquela equipe eram a defesa e a fome de vitória. Não importava muito como, mas encontrávamos uma forma de vencer. Naquele momento, durante aquela campanha vitoriosa com todo o elenco e o Espiga de técnico, eu vi que dava pra almejar coisas maiores, sim. Mais do que jogar profissionalmente. Tanto foi assim que ano passado ganhei o prêmio da maior evolução do NBB.
DAVI: Não vou te enganar. O início beirou o assustador. O local pra treinar não era o ideal, por exemplo. Então logo que chegamos vimos algo que não estávamos acostumados. Só que tem uma grande diferença entre não estar tão bom e continuar ruim – é a forma como você lida com isso. Todos fizeram um esforço absurdo pra que conquistássemos as coisas aos poucos. Seja em centro de treinamento, ginásio para jogo, apoio dos patrocinadores, convívio com a torcida, ações sociais para promover o esporte, essas coisas. Cada um que está aqui se mexeu em alguma parte. Você tem razão quando cita a minha mudança para cá como um choque grande mesmo. Saí de São Paulo, de um clube como o Pinheiros, e ali tina tudo de mão beijada pra gente. E quando as coisas vêm assim a gente não se dá muito valor, né? Eu falo muito em "a gente" porque nós desbravamos isso tudo aqui. Bial, Espiga (assistente técnico do adulto e técnico da LDB), Daniel Russo (assistente técnico). Hoje é mais confortável para os que chegam. Tudo melhorou. Fazer basquete no Braisl não é assim. Em um local que não conhecia nada da modalidade, ainda mais. Tudo o que a gente propunha era meio novo, meio diferente, mas que acabou servindo para, hoje, darmos muito valor. Está longe de ser um clube europeu, mas ao mesmo tempo creio que não devamos nada para ninguém aqui no brasil.
DAVI: Da Liga Nacional posso falar, e é espetacular o que ela faz. Desde a LDB tive a oportunidade de conviver com a galera dos bastidores e é impressionante a paixão deles. Não sei exatamente como esses patrocínios vão entrar no dia a dia da entidade, mas sou muito confiante no poder de gerenciamento que a Liga tem. Cada vez tem uma coisa nova, evoluindo pro jogador, clubes e torcedores. Dentro de quadra as coisas também vêm melhorando. É só ver os técnicos novos aí, que estudam e trazem conceitos novos. Isso é bacana de ver e faz com que o nível do campeonato cresça. Isso fica evidente até pelos jogadores que saem daqui pra jogar em grandes ligas e pelos que voltam para atuar aqui. Está crescendo pra voltar a ser tão popular quanto o basquete merece.
DAVI: Vou ser muito sincero. Sou um cara que me apego muito ao que posso fazer hoje. Foi assim que fui conquistando as coisas na minha carreira. Quem poderia dizer um ano atrás que em 2016 estaria no Jogo das Estrelas? Eu mesmo dizia que não (poderia estar no Jogo das Estrelas). Olha o tanto de armador bom que temos no campeonato hoje. Mas estando em uma equipe vitoriosa, conquistando resultados e me aprimorando sei que posso pensar, sim, em chegar lá (seleção). Olimpíada é difícil, outros caras já foram testados, e mesmo com a lesão do Ricardo Fischer acho complicado. Não descarto, mas sei que não é fácil. Depois disso quem sabe. Me motivo pra chegar no nível desses caras que hoje estão lá. Meu lance primordial hoje é detectar meus pontos fracos e melhorá-los. Seleção brasileira precisa vir naturalmente.
DAVI: A leitura de jogo de um armador nunca está tão boa quanto deveria ser. Ter jogadores bons do meu lado ajuda muito a isso. Ainda não tinha tido quatro pontuadores do meu lado ao mesmo tempo e essa parte de tomar decisões é importante. No calor do jogo a gente acaba jogando em um ritmo só. Dá pra conciliar e preciso medir isso. Acredito que meu arremesso pode melhorar muito também. Essa questão de como criar meu próprio arremesso é possível melhorar. Mas principalmente a área de melhoria fica na defesa mesmo. Posso ser mais efetivo anulando mais o meu marcador.
DAVI: Já fui mais maníaco por basquete. Antes de começar a namorar era mais vidrado. Hoje consigo distribuir melhor as coisas. Gosto muito de estar reunido com amigos, e vou muito às praias aqui Fortaleza. Sou espírita kardecista, e sempre me apeguei muito aos livros de moral, filosofia de vida, de maneira de se comportar. Isso me ajudou muito. Isso de procurar ser uma pessoa, não apenas um jogador melhor é fundamental e minha noiva me ajudou muito nisso também. A Michelle, de 21 anos, é incrível e nossa ideia é casar ano que vem. Ela pegou a transição, o meu amadurecimento. Ela é a pessoa certa.
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