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Ícone da superação, Tamika Catchings quer 4º ouro olímpico no Rio-2016

Fábio Balassiano

26/02/2016 00h15

Quem olha o passado recente pensa que a vida sempre foi um mar de rosas para Tamika Catchings. Dona de três medalhas de ouro olímpicas (2004, 2008 e 2012), dois Mundiais (2002 e 2010), um título da WNBA pelo Indiana Fever em 2012 e uma das melhores jogadoras de todos os tempos, a ala nascida em New Jersey teve uma infância pra lá de difícil.

Detectada com um problema de audição, sofreu nas mãos dos colegas de escola por usar um aparelho auditivo. Encontrou no esporte a maneira adequada de responder às provocações das crianças que cismavam em infernizar a sua vida com algo tão grave. "Na quadra nunca houve problema. Era cada uma por si. E treinar muito nunca foi o problema para mim", afirma Tamika com exclusividade ao blog.

Com um talento descomunal para alguém de 1,85m, Tamika Catchings passou a ser respeitada pelos colegas de seu colégio e depois da Universidade do Tennessee. Apesar dos problemas de audição, decidiu jogar fora o aparelho aos 12 anos (quando entrou na equipe colegial) e tratar de ouvir o quanto podia – e o que queria. Tornou-se uma especialista em leitura labial, uma pessoa de personalidade forte e, atualmente, uma das atletas mais engajadas com a comunidade local de Indianápolis, onde joga desde 2002, do esporte norte-americano (em 2010 e 2013 recebeu o Prêmio da WNBA por sua conduta ética fora das quadras).

Aos 36 anos (completa 37 exatos 14 dias antes do Rio-2016 começar) e com aposentadoria marcada para depois das Olimpíadas do Rio de Janeiro, a jogadora, que lança na próxima semana a sua aguardada autobiografia ("Catch a Star", ainda sem tradução para o português mas já à venda online para quem quiser comprar por aqui) e é filha do ex-jogador da NBA Harvey Catchings, treinou com a seleção dos Estados Unidos esta semana em Connecticut e conversou com o blog por telefone sobre sua história de vida, a premiada carreira, a amizade com Kobe Bryant, cujos pais jogaram juntos na Itália na temporada 1985-1986, e sua vida depois das quadras.

BALA NA CESTA: Você tem inúmeras conquistas, mas o começo da sua vida foi bem difícil. Como o problema de audição impactou a sua infância?
TAMIKA CATCHINGS: Quando era criança tinha esse problema e hoje não tenho vergonha alguma de falar a respeito. Foi por causa dele, aliás, que o esporte apareceu e mudou a minha vida. Na sala de aula ou no pátio do meu colégio, eu sofria muito por usar um aparelho auditivo que depois acabei jogando pela janela de tanta raiva que ficava por ser sacaneada pelos meus colegas de classe. Quando o esporte apareceu, era minha chance de mostrar que eu pertencia ao mesmo universo daquela galera. Era eu ser a melhor e pronto. Foi assim que tudo começou, não só em termos esportivos mas em termos de um convívio harmonioso com meus amigos. Passei a ser aceita, a ser vista como uma atleta de alto nível e a receber carinho no meu colégio.

BNC: Você lembra exatamente de quando o basquete foi o responsável por esta mudança?
TAMIKA: Na sétima série mais ou menos. Tinha voltado da Itália com meu pai anos antes, foi detectado meu problema de audição e usei o aparelho por quase dois anos. Ali pelos 12, 13 anos é que o basquete entrou na minha vida para sempre. Jogar em um esporte coletivo, fazer parte de um grupo de atletas, era muito especial. Me ajudou muito em todos os sentidos e sou muito grato por tudo o que ele, o basquete, me proporcionou como pessoa e como atleta. Hoje, quando olho pra trás vejo os obstáculos que passei, sou muito grata às pessoas que me apoiaram naquela fase inicial.

BNC: Ainda falta um pouco, eu sei, mas é inevitável perguntar, já que a sua aposentadoria será depois da Olimpíada e da temporada 2016 da WNBA: você já consegue dizer como será a sua vida fora das quadras?
TAMIKA: Olha, é difícil visualizar isso neste momento. Em primeiro lugar, meu marido (o ex-jogador Parnell Smith) e eu sairemos de lua de mel, né? Nos casamos recentemente e precisamos comemorar como um casal normal faz. Depois disso pararei para pensar realmente no que quero fazer. Sei que adoro trabalhar com crianças e tenho minha Fundação para tocar também. Essa são as minhas paixões. Quem sabe não continuo com isso de forma mais intensa. Além disso, exerço um trabalho muito forte com a comunidade de Indiana e tento sempre devolver um pouco do que me foi dado ao longo da vida. Isso de retribuir é algo muito forte no nosso país, e o que eu puder fazer para ajudar a desenvolver a comunidade, a cidade, eu também farei.

BNC: Sobre seu casamento, desculpe perguntar, mas eu vi no Instagram uma foto (ao lado) de vocês dois dentro de uma quadra de basquete. Se não me engano é a do Indiana Fever mesmo. E vocês estavam vestidos como noivo e noiva. Vocês fizeram a festa lá na quadra mesmo?
TAMIKA: (Risos) Não, não. Foi parte do ensaio com a nossa fotógrafa apenas. É engraçado que muita gente me pergunta isso, porque minha paixão pelo jogo é tão grande que meus amigos não duvidavam que eu de fato fosse casar na quadra do Indiana Fever (Nota do Editor: o Fever é o time da na WNBA desde 2002)

BNC: O que você está esperando da Olimpíada e do Rio de Janeiro de uma maneira mais ampla? O tema do Zika Vírus lhe preocupa?
TAMIKA: A expectativa é grande, mas teremos outro camp da seleção em julho. Ainda não estou entre as 12 e não dá pra falar como se já fosse uma atleta olímpica em 2016. Há muitas meninas boas aqui e precisamos estar focadas nesta missão. Será a minha primeira vez no Rio de Janeiro, sei que a cidade é muito bonita, mas pra gente é muito difícil sair do circuito, digamos, esportivo. O que sei é que, como fanática por esportes que sou, vou querer ver o máximo de modalidades que conseguir. A respeito do tema do Zika, sei da gravidade, mas estaremos preparados pra isso. Nunca passamos por isso, mas sei que teremos muitas ações preventivas. Isso não me assusta.

BNC: Vi um documentário recente sobre a sua relação com o Kobe Bryant na Itália. Vocês foram educados por um ano praticamente juntos, e por uma dessas coincidências ambos tiveram uma carreira genial que chega ao fim agora em 2016. Você chegou a falar com ele depois do anúncio de sua aposentadoria? Acha que Kobe pode mudar de ideia?
TAMIKA: Kobe mudar de ideia? Acho impossível. Quando ele coloca algo na cabeça dele… Ainda não conversamos depois do anúncio da aposentadoria que ele fez. Você está acompanhando no que isso (a aposentadoria dele) se tornou. É um ícone do esporte mundial e tenho muito orgulho de ser próxima a ele. Teremos muito tempo livre para conversarmos a partir de setembro (depois das Olimpíadas e da WNBA), né?

BNC: Desculpe te lembrar disso, mas a sua única derrota com a seleção adulta norte-americana aconteceu em solo brasileiro. Foi na semifinal do Mundial de 2006, em São Paulo, para a Rússia por 75-68. O que você lembra daquele jogo (2 pontos, 1/5 nos arremessos e 3 desperdícios de bola), e qual o sentimento para regressar ao país que viu seu único revés com a camisa do seu país?
TAMIKA: Uau. Sério? Eu não me recordava mais disso. Uau. Céus. Fábio, por favor, não me lembre disso novamente, pelo amor de D's (Risos). Estou animada para voltar e tentar reverter esse quadro. Aquele dia da semifinal foi muito traumático, mexeu muito conosco. O que eu lembro daquele campeonato? Que foi frustrante. Fomos bronze, né?

BNC: Sim. Ganharam do Brasil por 99-59 no jogo do bronze.
TAMIKA: Sim, verdade. O que lembro daquele Mundial é que não fizemos bem o que tínhamos que fazer. Não fomos bem na maneira de fazer. Mas sabe o que me lembro bem? Do carinho dos brasileiros. Foram, todos, muito legais, carinhosos e animados conosco. Espero que tenhamos o mesmo clima no Rio de Janeiro. E que dessa vez eu volte do Brasil com um ouro na bagagem…

BNC: Tudo leva a crer que sim, mas já que você não quer garantir nada eu vou colocar assim. Caso você venha de fato ao Rio de Janeiro a chance de você se aposentar com quatro medalhas de ouro olímpicas são imensas. Qual é o sentimento que fica quando você está a menos de seis meses de igualar, junto com Diana Taurasi e Sue Bird (as três na foto), um recorde que hoje pertence a Lisa Leslie e Teresa Edwards (quatro ouros pelos EUA)?
TAMIKA: A expectativa é grande para isso que você cita (o recorde). Mas isso não pode mudar a rotina, a minha forma de ver o jogo e muito menos a maneira como a gente, como grupo, lida com a competição. Temos que continuar a fazer o que sempre fizemos. Sou a mais velha do time e tenho que trazer o que sempre trouxe à seleção: liderança, comprometimento, intensidade e sentimento altruísta. Assim todas chegaremos ao objetivo maior que é a conquista do ouro olímpico.

BNC: Você falou sobre comprometimento, este lado do trabalho, e em todas as matérias que leio sobre você é claro que trata-se de uma atleta de outro nível de profissionalismo. É muito difícil quando você vê que nem todas as suas companheiras têm o mesmo nível de dedicação que você tem?
TAMIKA: Fábio, na minha vida desde o primeiro dia que eu me lembro até hoje, sempre usei a máxima: 'Ou você treina ou você desiste'. Não existe um meio termo em relação a isso. Eu treino muito porque amo o que faço e porque sei que não existe outra maneira de evoluir neste esporte. Não conheço ninguém que teve uma carreira de sucesso sem se dedicar 110% todos os dias de sua vida esportiva. Não há muito mais o que possa ser feito em uma modalidade cuja exigência física, técnica, tática e mental é assustadora. Se não treina muito, você está morto, ultrapassado, pronto para ser destruído pelo seu rival. É a máxima de todos os esportes aliás. Simples assim. Basquete é o que eu mais amo neste mundo, e gosto quando as jogadoras que estão ao meu lado seguem isso. Os melhores times que joguei não foram os que tinham as jogadoras mais bem dotadas em termos técnicos, mas sim as que mais treinaram. Significa algo, não?

BNC: Você lança a sua autobiografia ("Catch a Star") na próxima semana nos Estados Unidos e pelo que li está muito ansiosa em relação a isso também. O que você está esperando que esse livro traga para as pessoas?
TAMIKA: Estou muito animada realmente. Queria fazer isso há muito tempo e agora saiu. As pessoas sempre me ouvem falar em adversidade, em tudo o que eu passei na vida. Foi só colocar no papel. Quero, com este livro, compartilhar essa experiência desde que eu era criança. Não tenho problema em falar dos problemas que passei. Mas falo de coisas boas também, como o título da WNBA, as Olimpíadas, meu trabalho social. Espero que inspire as pessoas.

BNC: Por fim, como você gostaria que o mundo lembrasse de você?
TAMIKA: Difícil essa. Pelo que fiz nas quadras, sem dúvida pela minha paixão pelo jogo e por todo o esforço que eu coloquei na minha carreira. Fora de quadra por tudo o que passei e o que eu vivi para chegar a ser uma atleta deste nível. Se possível, quero ser lembrada pelo meu comprometimento, por toda ajuda a comunidade de Indiana, por estar sempre pronta para fazer a diferença na vida das pessoas.

BNC: A gente vai ficando mais velho e normalmente fica mais emotivo. Você, vendo o final da sua carreira se aproximar, sente-se assim, mais à flor da pele, também?
TAMIKA: (Risos) É difícil dizer se estou mais emotiva porque estou vivendo isso intensamente esse final de carreira, esses dias de treinamento aqui com as meninas, o lançamento do meu livro. Ainda não coloquei a cabeça no travesseiro para refletir que a partir de setembro serei uma ex-atleta. Sei que a USA Basketball fará algumas festas de despedida para mim, talvez lá eu sinta alguma coisa, mas até agora nada mudou para mim, não. No final da Olimpíada você me faz essa mesma pergunta e aí falamos, ok?

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