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Na vexatória derrota pro Canadá, as mazelas do feminino foram expostas

Fábio Balassiano

20/07/2015 00h04

Não há muito o que se possa falar quando o placar aponta o passeio que se viu em Toronto neste domingo à noite. Os 91-63 a favor da canadenses na semifinal do Pan-Americano mostram não só como foi o jogo, mas principalmente a quantas anda o basquete feminino brasileiro atualmente.

Poderia, ou até deveria, fazer uma análise tática da partida que teve apenas a armadora Tainá (a camisa 8 da foto) indo bem (apesar dos sete desperdícios de bola ela saiu-se com 14 pontos e muita coragem para enfrentar as canadenses), mas o que se viu foi, em termos técnicos e estratégicos, uma surra, um baile canadense. Uma seleção que não está entre as melhores do mundo, mas que é razoavelmente bem treinada e que faz o básico do basquete moderno: pressão na bola em todos os momentos defensivos, transição defensiva eficiente, troca de passes incessante no ataque e movimentação constante das atletas sem a bola.

Isso é o que qualquer equipe que quer brigar por coisas grandes no basquete faz – seja no masculino ou no feminino. O que fez o Brasil em todo Pan-Americano? Ataque estático, defesa passiva, transições deficientes, nenhuma troca de passe no setor ofensivo e fundamentos bizarramente mal lapidados (é cada erro de bandeja que a gente se pergunta o que diabos está acontecendo na quadra a cada segundo). Como um time brasileiro se apresenta para uma competição internacional assim? Realmente não compreendo e não posso aceitar isso como algo "normal". Isso tudo com 30 dias de treino (60 práticas, portanto).

Os erros bizarros do Pan, infelizmente, não "seduziram" a famosa "grande imprensa" a tratar do assunto como ele deve ser tratado – com profundidade, não com piada ou preconceitos bobos. A seleção contou, como de costume, com muita complacência de quem prefere dourar a pílula com elogios estéreis ao invés de tocar realmente na ferida (há, também, aqueles "queridos" que preferem fingir não ver para não ter que, caramba, criticar – como se isso fosse pecado). A situação deprimente da modalidade tende a se perpetuar enquanto as "análises" continuarem a ser feitas assim na maior parte das discussões.

E quem acompanha este espaço há algum tempo sabe: culpar as atletas é o mais fácil, porém o menos recomendado. As atletas têm culpa, sim, mas não pelo que jogaram no Pan e pelo que tem jogado nos últimos anos de resultados catastróficos para a modalidade. As meninas que decidem o bronze logo mais contra Cuba (17h) deveriam sem dúvida alguma treinar MUITO mais (na parte física, mental, técnica e tática – nem que fosse por conta própria), mas deveriam sobretudo exigir condições mínimas de trabalho e calendário satisfatório de dirigentes da CBB que simplesmente andam (ou outro termo menos educado) pra elas. Com raríssimas exceções as atletas são passivas, conformadas e participam pouco do processo que deveria ser mais democrático. Será que todas elas estão satisfeitas com os títulos da LBF, com competições nacionais com oito times e quatro meses de duração, e colocações ridículas em Mundiais ou Olimpíadas? É o que parece.

A verdade é que mesmo com este cenário desolador as jogadoras parecem pouco inclinadas a realmente agir, a demandar ações eficazes, diretas e organizadas de uma Confederação que não lhes dá apoio para absolutamente nada. E aí temos a "união perfeita" para afundar um esporte: dirigentes ruins que são pouco cobrados por atletas conformados, patrocinadores fugindo e técnicos cada vez mais acomodados (há sempre uma desculpa para um resultado adverso, já repararam?). A bizarrice é tão grande que hoje em dia, mesmo com tudo tão milimetricamente estudado no basquete, quem faz as estatísticas dos jogos da seleção feminina é o preparador físico com uma caneta e um bloco. Tem como dar certo isso? Não tem.

A LBF tenta se levantar, mas ainda é tenebrosa. Os times de base vão sumindo pouco a pouco. As meninas altas que surgem preferem sacar, cortar e bloquear a arremessar de três pontos. O plano de carreira do vôlei é, obviamente, mais atraente que o do basquete. São títulos internacionais que refletem em melhores contratos, em salários médios mais altos, mais popularidade e mais chance de viver do esporte de maneira razoável. É só dar uma olhada em times nacionais de basquete com meninas cada vez mais baixas e nos de vôlei – vôlei que é capaz de jogar Grand Prix e Pan-Americano com duas equipes competitivas e recheadas de atletas com potencial físico absurdo – fora a técnica bem trabalhada.

Enquanto o ciclo vicioso da modalidade não for alterado não haverá melhoria. Isso qualquer ser humano que vive a modalidade com senso crítico enxerga. Somente os lunáticos ou os que acompanham o basquete em Pan-Americanos e Olimpíadas se espantam como se do nada a bela nave tivesse se transformado em uma abóbora. Não é surpresa. E muito menos aconteceu de um dia pro outro, não. O que vemos hoje nada mais é do que a soma (ou subtração) de anos de péssimos trabalhos no basquete feminino. Atualmente não há mais Paulas, Hortências, Janeths, Martas, Helens e Alessandras pra livrar, na quadra, a pele de mandatários tão ruins. Uma hora a conta ia chegar, né? Pois é. Ela chegou. E com juros.

Os times que o Brasil têm levado para competições internacionais dão vexames atrás de vexame e são reflexo do que é feito por aqui no dia a dia (ou do que não fazemos…). A tendência, e falo isso com dor no coração, é só piorar, pois este parece ser o panorama no mínimo pelos próximos cinco, dez anos. Quer ver um exemplo? O Pré-Olímpico Feminino que vem aí será justamente no Canadá. Canadá que derrotou a seleção de Zanon por quase 30 pontos ontem.

O que mais falta para o basquete feminino brasileiro ser repensado? Ou alguém acha que de verdade está tudo bem? Porque, na real, não há absolutamente nada de bom na estrutura do esporte por aqui.

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