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Personagens do Basquete Brasileiro: Marquinhos

Fábio Balassiano

01/04/2015 01h37

Nascido no Rio de Janeiro, criado em São Paulo, Marquinhos começou a carreira no Monte Líbano e hoje brilha por Flamengo e seleção. Campeão Paulista pelo Pinheiros, Nacional por Bauru e do NBB, Liga das Américas e Mundial pelo rubro-negro, ele é um "Personagem do Basquete Brasileiro".

BALA NA CESTA: Já se recuperaram do trauma que foi ter perdido a Liga das Américas, ou ainda está difícil de esquecer?
MARQUINHOS: Agora zera tudo para as finais do NBB. Vamos ter essa pausa antes do começo dos playoffs e isso será muito importante para nós. Foi uma tristeza ter perdido a Liga das Américas em casa, mas passou e temos o título do NBB pela frente. É o que vamos buscar. Acho que de dois anos pra cá, e principalmente com a chegada do técnico Rubén Magnano a seleção, meu basquete cresceu muito. Jogando e treinando diariamente no Flamengo, com grandes jogadores e uma comissão técnica fantástica, ajudou muito a desenvolver meu jogo também. Atuar pelo Flamengo é aquilo que você sabe. Uma torcida incrível, com os caras sempre nos apoiando. Você joga em lugar legal, viaja e fica em lugar legal. Isso ajuda muito.

BNC: Agora, sim, entrando um pouco na sua carreira de forma mais ampla. Você está com 30 anos e queria saber como você começou com o basquete.
MARQUINHOS: Sou natural do Rio de Janeiro, mas com 9 anos eu me mudei com a família para São Paulo pois meu pai foi transferido do emprego. Comecei na escola mesmo a me destacar e foi indo. Fui jogar um torneio no Centro Olímpico de São Paulo, que era do outro lado da rua onde era meu colégio, e me destaquei. Lá eu fui meio que descoberto pelo Andre Germano, que hoje está em Bauru mas que na época era do Monte Líbano. Ele me convidou para um teste, comecei a jogar, mas logo depois o clube terminou as suas atividades. Fui para o Corinthians ainda na base, fiz um bom ano e logo em seguida me convidaram para jogar em Bauru. Eu estava começando e já era daquele time que foi campeão nacional. Era uma equipe que tinha Vanderlei, Leandrinho e eu iniciando a carreira em 2002. Logo depois eu fui chamado para a seleção brasileira para um torneio na Venezuela, me destaquei muito naquela equipe que tinha o Alberto Bial como técnico e fui chamado por muitas faculdades dos EUA para jogar na NCAA. Não tinha 20 anos e muitas coisas já começavam a acontecer para mim.

BNC: E mesmo assim você preferiu não ir para a NCAA?
MARQUINHOS: Tive convites de muitas faculdades dos EUA, mas preferi ir para a Europa. Em 2005 fui para o Pesaro, trilhei meu caminho lá, fiz um contrato de quatro anos, tinha uma projeção de seguir por muito tempo lá, mas não poderia jogar logo de cara pois havia três estrangeiros no elenco já. A ideia era de me usarem no segundo ano, mas logo que começou a temporada mudou toda a diretoria e a forma de gerenciar a equipe. Foram contratadas estrelas da Europa na época e falaram que o objetivo não era investir na molecada. Fui para a segunda divisão emprestado, fiz um campeonato muito bom pelo Montegranaro e me destaquei bastante. Foi ali que a NBA começou a me olhar…

BNC: Então foi por causa da segunda divisão da Itália que você foi parar no New Orleans (NBA), é isso?
MARQUINHOS: Foi na Itália que estava jogando muito bem e os olheiros começaram a prestar atenção em mim. Fiz aqueles treinamentos na NBA (work-outs), fui selecionado pelo Hornets, atuei lá dois anos, mas fui trocado pelo time no final da temporada 2007-2008. Voltei para o Pinheiros e joguei um restinho de SuperCopa que havia na época. Atuei no primeiro NBB pelo clube e logo em seguida eu voltei para a Europa. Tive um bom ano no Montegranaro, mas meus três meses finais foram de salários atrasados devido a crise na Europa. Deixei dinheiro pra trás lá inclusive. Quando eu vi que o NBB estava começando a bombar decidi voltar e desde 2010, quando o Pinheiros me trouxe de volta, estou aqui.

BNC: Quando você começou a jogar, quem eram seus ídolos?
MARQUINHOS: Oscar, era o Oscar mesmo. Comecei a me apaixonar mesmo por basquete sabe como? Na escola a gente teve uma palestra com o Oscar, ele desceu de helicóptero e ali fiquei vidrado no cara, nas coisas que ele dizia. Ele era o Michael Jordan do Brasil. Acabou incentivando muito a minha carreira e é um dos motivos que eu uso a 14 na seleção brasileira até hoje. Era apaixonado pelo estilo de jogo dele, pelo amor dele a seleção e certamente ele é um dos motivos pelos quais eu me apaixonei pelo basquete.

BNC: Na seleção está claro que você joga com a 14 por causa do Oscar. E no clube, por que o 11?
MARQUINHOS: A camisa 11 é por causa do Romário. Sou muito fã do Romário. Na Copa de 1994 ele era o cara do time, o melhor jogador. Por causa dele que comecei a adotar o número. Gosto muito dele e da personalidade que ele sempre teve.

BNC: Eu lembro bem da sua primeira passagem pelo Pinheiros em 2009 e hoje você é um cara completamente diferente. Na época você não era fácil, né?
MARQUINHOS: Não, não era mesmo. Peguei uma fase meio Bad-Boy. Hoje eu aprendi a controlar isso, falava tudo o que vinha na cabeça e pagava por isso. Hoje, não. Se eu via que não estava funcionando alguma coisa, falava mesmo. Eu amadureci muito depois que fui aos Estados Unidos e Europa. Ser também mexeu muito comigo, me criou mais responsabilidade. Essa fase de ser mais protagonista, mais líder dos times, fez com que eu crescesse muito também não só na quadra, mas fora dela principalmente.

BNC: Teve alguém que te serviu como segundo pai, digamos assim?
MARQUINHOS: Ah, sim, com certeza. Vou te contar uma coisa aqui. Teve uma época que eu estava meio mal, pra baixo mesmo. E um dos caras que fez com que eu não desistisse do basquete se chama João Fernando Rossi (foto à direita), diretor do Pinheiros e atualmente também Vice-Presidente da Liga Nacional. É um dos caras que tenho uma relação muito forte até hoje. Me dá conselhos até os dias de hoje, é um cara que toda vez que fala eu paro para escutar, tento sempre ouvir e aprender muito. Quando vim da NBA para o Brasil em 2008, 2009, eu voltei muito desmotivado, derrubado mesmo. E ele me ajudou muito a me redescobrir, a acreditar em mim. Sou grato a ele até hoje, e ele sabe disso.

BNC: Você, hoje mais velho, consegue detectar o que houve para não ter dado certo na NBA?
MARQUINHOS: Achava que indo para a NBA teria uma carreira longa por lá, que teria algumas chances de mostrar meu jogo. Tanto que as oportunidades que tive eu fui bem. Mas NBA, você sabe, é aquilo – além de você ser bom tem que ter sorte de estar no time certo, no momento certo, essas coisas. Infelizmente quando fui escolhido no Draft de 2006 eles contrataram o Peja Stojakovic, que acabou pegando todos os meus minutos. Não jogava, mas aprendi muito com ele. Em relação a arremesso, trabalho de fundamento, preparação para os jogos, como jogar bem todas as noites. Acabou não acontecendo na NBA da maneira que eu sonhava.

BNC: Você chegou mesmo a pensar em desistir do basquete?
MARQUINHOS: Ah, sim, com certeza eu pensei em parar de jogar. Foi frustrante demais ter ido para a NBA e não ter rolado da maneira que eu imaginava. Aquele sonho acaba se tornando um pesadelo. Para você ter uma ideia, estava em casa com minha esposa jantando, vi na televisão o meu nome e meu agente logo me ligou avisando que tinha sido trocado (Nota do Editor: em 21 de fevereiro de 2008, Marquinhos foi enviado para o Memphis Grizzlies, onde acabou não atuando). Foi frustrante demais para mim. Foi um golpe muito duro.

BNC: Nessa época você deu uma declaração naquele Pré-Olímpico de 2007 afirmando algumas coisas sobre o grupo que não foram muito bem recebidas, lembra?
MARQUINHOS: O que houve ali realmente aconteceu…

BNC: E o que aconteceu, conte aí…
MARQUINHOS: Eu falei que o Lula Ferreira havia perdido o controle, que os jogadores meio que tinham assumido o controle da situação e que o time estava meio perdido. Alguém me perguntou e eu falei a verdade. Só que acabei expondo uma situação interna que deveria ficar entre nós, jogadores e comissão técnica. Ali quebrei um dedo na mão, liguei para o meu time. O New Orleans disse para eu tratar lá, antes de começar a pré-temporada, e foi isso que eu fiz. Fui muito impulsivo, e hoje na seleção eu já pedi desculpas por esse caso para a maioria dos jogadores.

BNC: Chegou a pedir desculpas ao Lula?
MARQUINHOS: Fui pedir desculpas ao Lula muito depois, em um jogo meu. Quando eu falei aquilo não ficou legal nem para mim e nem para ele. E o Lula aceitou tranquilo, a vida seguiu.

BNC: Uma pergunta que é na verdade uma curiosidade. Como funciona entre os jogadores, ali no vestiário, quando alguém acaba expondo uma situação que deveria mesmo ficar apenas entre vocês? Gera um clima ruim?
MARQUINHOS: Na verdade, quem me ajudou muito nessa história toda foi o Leandrinho. Ele, com quem havia jogado em Bauru, me ajudou muito. E ele disse: "O que você falou estava certo, mas o que você disse deveria ter sido mantido dentro do grupo, exposto apenas para nós". Este foi o meu erro mesmo. Fui perguntado por um repórter, e eu disse que estava acontecendo uma situação mesmo. Eu não menti, mas acabei abrindo. Mas isso passa. Depois, quando voltei para a seleção com o Magnano em 2010, os jogadores me receberam muito bem. O que passou, passou.

BNC: Essa sua mudança de temperamento que estamos falando. Você consegue ver exatamente que teria feito diferente anos antes, quando era mais explosivo?
MARQUINHOS: Ah, sim, em várias ocasiões. Hoje acontece alguma jogada, eu respiro fundo e passo adiante. Não xingo, não faço nada. Aprendi a me controlar. Dois, três anos atrás certamente eu poderia falar com árbitro, reclamar até cansar. Você que me conheceu naquela época sabe que estou muito mais calmo hoje em dia mesmo. A vida mesmo te ensina coisas que ficam.

BNC: Você sabe que é um dos melhores jogadores do país, foi sondado pela NBA recentemente e certamente recebe convite da Europa com constância. Tem horas que você assiste às partidas de fora e pensa um "Poxa vida, eu poderia estar lá"?
MARQUINHOS: Eu sou um cara apaixonado por basquete e vejo tudo. Minha esposa até brinca que só tem canal de basquete na nossa casa. Meu estilo de jogo é muito parecido com a NBA, mas não me iludo muito mais, não. Recentemente tive essa sondagem de lá, do próprio New Orleans, e é óbvio que jogar lá é uma honra, um privilégio. Mas hoje deixo acontecer.

BNC: Você fala isso porque para você não adianta só estar lá, mas sim que precisa ir lá para jogar?
MARQUINHOS: Sem dúvida que sim. Acho que eu falei isso com você mesmo na época que eu recebi a sondagem da NBA. Cheguei a um ponto da minha carreira que quero jogar, quero estar em quadra me divertindo e jogando bem. Atuo em um clube maravilhoso, vivo em uma cidade linda, tenho minha família por perto. Não há porque ir pra lá e ser um daqueles caras que vai entrar cinco, dez minutos. Sem desmerecer ninguém, claro. Não me acho uma estrela, mas não me vejo o cara que vou ficar no banco para alguém que considero que sou melhor, entende? É uma visão minha, um jeito meu de pensar.

BNC: Dos técnicos que você teve, quais são suas maiores influências?
MARQUINHOS: Tive três grandes técnicos. O Claudio Mortari, o Magnano na seleção e o José Neto no Flamengo. Ele é um paizão para mim no Flamengo, eu mesmo tentei levá-lo para o Pinheiros. O motivo de eu ter vindo para o Flamengo foi ele mesmo. Entendo a filosofia dele, gosto e consigo passar tudo o que ele quer adiante também. Aprendo diariamente com ele.

BNC: Falando de seleção brasileira agora. Bate um pouco de frustração por você fazer parte de uma geração muito talentosa mas que ainda não conquistou nenhum título grande, nenhuma medalha relevante?
MARQUINHOS: Acho que primeiro a gente tem que entender o momento do basquete brasileiro. Desde que o Magnano assumiu a seleção subiu de nível, subiu de patamar. Principalmente do lado tático. Hoje a gente parece uma seleção europeia. Tem uma esquema ali, a bola roda no ataque, tem muita defesa…

BNC: Pô, até você defende, cara…
MARQUINHOS: (Risos) É verdade! Mas, respondendo a sua pergunta, a maior frustração mesmo foi naquele jogo contra a Sérvia no Mundial de 2014 na Espanha. A gente fez um Mundial excelente, estava sendo apontado como o time que iria brigar com EUA e Espanha e caímos. Basquete é duro por causa disso. Você dá uma bobeada, esquece, perde. Ninguém imaginava que a gente iria perder da Sérvia daquele jeito, daquela maneira. Foi um momento, um lapso e já era. Ganhamos deles muito bem na primeira fase. Mas o esporte te dá chances, te dá oportunidades. Teremos os Jogos Olímpicos em casa e quem sabe poderemos fechar o ciclo dessa geração com uma medalha diante da nossa torcida. Estamos maduros e será um tudo ou nada para nosso time. Não é o meu caso, pois espero seguir jogando pela seleção, mas muita gente sairá da equipe após os Jogos do Rio-2016.

BNC: Foi a maior frustração sua com a camisa da seleção?
MARQUINHOS: Certamente que sim. É bem difícil de engolir. Até porque ganhamos dos caras na primeira fase. Achávamos que seria um jogo duro, mas que teríamos chance de vencer, de ir adiante. Aquelas faltas técnicas ali foram cruciais não para perdermos a cabeça e sairmos do jogo. Nosso plano tático foi errado. Até o próprio Magnano assumiu na época. Fica o aprendizado. O nível mundial é fortíssimo. Do segundo ao décimo é todo mundo muito parecido. Veja a França. Fez um Mundial excelente mesmo toda desfalcada. Nesse nível, deu uma bobeada é difícil de recuperar. Foi uma oportunidade que perdemos.

BNC: Para fechar. Você é um cara reconhecido, e certamente pôde realizar alguns sonhos para sua família. O que te dá mais emoção quando você olha pra trás e vê que conseguiu propiciar para as pessoas que te cercam?
MARQUINHOS: Olha, formar uma família como a que tenho é gratificante, é lindo. Mas poder ter dado uma casa para meu pai e outra para minha mãe é maravilhoso, é lindo mesmo. Lembro muito que meu pai cruzava a cidade de São Paulo para me levar e me apanhar nos treinos. E hoje poder dar um pouco mais de conforto para ele não tem preço. Ele saía do ABC, rodava a cidade inteira, esperava eu acabar os treinos e voltava. Isso por longos meses, um período imenso. É um orgulho para mim ter conseguido proporcionar isso a eles.

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