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Paco Garcia muda Mogi de patamar e fala sobre seu lado disciplinador

Fábio Balassiano

31/03/2015 01h51

Chato, ranzinza, cabeça-dura. Mesmo parecendo impossível, é assim que o técnico Paco Garcia é definido por alguns que acompanham o seu belo trabalho em Mogi há três temporadas. Pouca gente, no entanto, enxerga que por trás do nível máximo de exigência simpático deste espanhol de Valladolid há alguém obcecado por melhorar a equipe e por fazer do time mogiano um dos mais competitivos do país há dois anos.

Aos 47 anos, é só baixar a guarda e deixar o simplismo de lado para facilmente ver as suas qualidades também. Disciplinador, ele conseguiu implantar uma filosofia vencedora que levou a modesta equipe da temporada passada às semifinais do NBB praticando um basquete moderno, agressivo, intenso e ao mesmo tempo "emocional", ligado a torcida de forma poucas vezes vista por aqui. Nesta, em 2014/2015, o vice-campeonato da Liga Sul-Americana e a quarta colocação praticamente garantida na fase de classificação do NBB já chegaram.

Há muito mais por trás de Paco Garcia do que aquele técnico que fica nervoso no banco de reservas cobrando seus atletas durante as partidas. Confira a entrevista exclusiva que fiz com este espanhol de Valladolid.

BALA NA CESTA: Antes de falar da temporada, queria que você falasse do projeto de basquete de Mogi que você encontrou três temporadas atrás e que hoje cresceu tanto…
PACO GARCIA: Dá para ficar orgulhoso deste projeto, né? Por tudo o que aconteceu, mas, de verdade, eu sou apenas uma peça desta engrenagem que foi formada na cidade de Mogi. Quando cheguei no Brasil há três anos o objetivo era simplesmente manter o time na primeira divisão e isso conseguimos. Depois, ano passado, quisemos melhorar o time em termos físicos. Foi uma liga dura, pesada, em que perdemos oito jogos na última bola. Mas isso nos ajudou a crescer e a chegar muito fortes nos playoffs, com o time entrosado, marcando muito, disciplinado e muito em contato com a torcida. Isso fez com que chegássemos muito bem ao mata-mata e lá chegássemos até as semifinais. Mais do que uma experiência esportiva, foi uma experiência de vida incrível o que passmaos na temporada passada. Sempre falo que guardarei o que aconteceu ano passado na minha memória. E digo isso do lado pessoal mesmo, no âmbito pessoal. Mais do que perder e ganhar partidas. Já ganhei e perdi muito. Aí quando acabou a temporada passada, com o monte de coisas que vivemos, com uma vaga para a Sul-Americana no ombro, você precisa parar, pensar e repensar o projeto, os investimentos, tudo. Era natural que o elenco mudasse por isso. Alguns jogadores que se destacaram receberiam ofertas melhores. Outros teriam que chegar. E assim foi feito. Tivemos que reconstruir.

BNC: Como avalia a temporada 2014/2015 de Mogi?
PACO: Até agora é um campeonato com muitas dificuldades. Principalmente de lesões. Paulão passou por cirurgia. Gustavo ficou quatro meses fora do time. Depois Alemão saiu. Elinho teve problemas. Chegaram o Alexandre e o Wagner. Acabou que a cada semana a gente tinha que começar do zero, do início. Depois deste Jogo das Estrelas é que teremos o time completo, com boas chances de crescermos. Mas tem sido uma temporada muito difícil devido a isso. O momento mais importante do ano está chegando (os playoffs) e nossa melhor forma está chegando. Isso é bom e nos enche de esperança.

BNC: Agora perguntas um pouco duras. Vamos lá. O que está acontecendo com o Paulão? Considero ele uma ótima pessoa, mas fisicamente ele está abaixo do que deveria há alguns anos. Como recuperá-lo em definitivo?
PACO: Ele poderia jogar mais tempo, mais minutos, mas possivelmente não na exigência, na intensidade, que eu peço a meus atletas. Mas tudo vai chegar, tenho certeza. Ele chegou ao time em uma forma ruim e com problemas no joelho. Aí decidimos em conjunto que o melhor a fazer era operá-lo para limpar todos os problemas em seu joelho de modo que ele começasse do zero. O retorno não foi fácil, e aí ele caiu. E, vou lhe dizer, a melhor coisa que às vezes um técnico pode fazer é permitir que seu atleta caia, que ele toque fundo. Pois aí a única coisa que ele pode fazer é subir. E agora ele está bem, melhorando fisicamente, já está mais fino. Os últimos jogos já está melhorando e tem uma projeção para que ele chegue aos playoffs como achamos que ele pode chegar. Paulão é fundamental em nosso esquema, é um pivô que faz a diferença no Brasil, mas não deve ficar em quadra simplesmente porque se chama Paulão, mas sim devido a seu talento e a sua boa forma física. O técnico tem a responsabilidade de manter os melhores em quadra de modo a levar a equipe às vitórias.

BNC: Muita gente comenta que você é muito chato devido a sua exigência. Eu não considero isso exatamente um defeito, porque é o seu trabalho, e eu sou assim também no meu, mas aqui no Brasil existe uma linha muito fina entre o técnico tentar disciplinar os seus atletas e ser boicotado pelos mesmos, quase sempre mimados por dirigentes desde a infância. Como você tem encarado isso?
PACO: Bom, eu sou um cara absolutamente normal. Gosto de festa, gosto de cerveja. Sou espanhol, então gosto mesmo de festa. Mas dentro das quatro linhas, dentro do meu trabalho, não aceito piadas, não aceito sorrisos. Trabalho é trabalho, e se estou aqui no Brasil, a 10 mil quilômetros da minha família e dos meus amigos, é para desempenhar um trabalho sério. Não é para fazer amigos ou para conseguir uma risada a cada dia. Então eu não consigo levar o meu trabalho sem a máxima exigência em cada treino, em cada dia, em cada prática. E se eu não consigo, eu não calo a boca, não fico na minha. Eu falo o que tem que ser falado mesmo. Alguns não gostam, é verdade, mas o momento que eu não conseguir desempenhar da maneira que eu acho a mais correta não preciso mais ficar aqui. Há jogadores que preferem sair. Mas sem disciplina não se conquista nada. É a primeira coisa que você precisa deixar clara dentro de um grupo de 15, 20 jogadores. Se não há disciplina não há nada, acabou. Muitos destes jogadores que reclamam saem, depois voltam e dizem: "Você tinha razão".

BNC: Agora uma pergunta técnica. Na final da Liga Sul-Americana na minha concepção você cometeu dois erros muito grandes. Primeiro quando você colocou três jogadores (Thomas, Gustavo e Filipin) de titulares como que para homenageá-los. Para mim, era uma decisão e não se deve fazer reverência em uma partida tão importante. E depois quando decidiu marcar um time que tem atiradores de elite por zona. É por aí ou estou falando muita besteira?
PACO: Olhando o placar final daquele jogo (79-53) é possível dizer isso, é possível dizer que você está com a razão. Mas já tínhamos jogado com Bauru antes tanto em NBB, quanto na própria Sul-Americana e no Paulista. Nas três ocasiões marcamos de todas as maneiras possíveis – por zona, mesclada e individual. E nada deu certo. Você busca fazer algo diferente. Foi o que pensei. Quanto aos titulares, eu não considero que seja um prêmio. Considero um reconhecimento. Tanto o Gustavo, quanto o Thomas e o Filipin estavam no elenco de Mogi desde o primeiro momento. Eles foram, pessoalmente para mim, pessoas de muita ajuda, de muito valor, de muito caráter. A forma que encontrei para reconhecer o trabalho deles foi aquela. Conversei com os jogadores que deixariam de ser titular para a entrada deles e todos concordaram e aprovaram a minha atitude. Elinho, por exemplo, me disse: "Parabéns pela sua decisão. Gostaria que alguém me reconhecesse assim algum dia". Foi um reconhecimento para jogadores que estão em Mogi há muito tempo na partida mais importante da história do clube. Queria que eles ficassem na foto do começo do jogo. Naquele momento, contra o melhor Bauru da temporada, não dava nada. Zona, individual, nada.

BNC: Você falou do Guilherme Filipin, e eu converso muito com ele. Filipin me disse que seu grau de exigência é muito alto, mas que você tem passado muitas coisas a eles sobre mudanças e evolução fora de quadra também. Poderia falar um pouco disso?
PACO: Guilherme será um dos bons técnicos do Brasil em pouco tempo, pode anotar isso aí. Mas, bem, sobre a evolução de NBB foi imensa em todos os sentidos. Mas não adianta eu ter ideias se não há pessoas para realizar. Há pessoas incríveis como o Everton e o Nilo Guimarães, diretores do time. Eles são os que mais me ouvem e também os que mais demandam, os que mais perguntam sobre como podemos melhorar. Por isso melhoramos. O vestiário melhorou, o escritório dos técnicos melhorou, a quadra também, a sala de fisioterapia a mesma coisa.

BNC: O que falam do basquete brasileiro fora daqui, mais especificamente na Espanha?
PACO: A Espanha tem muito respeito pelo basquete brasileiro. Muito mesmo. Primeiro porque inúmeros jogadores passaram e ainda estão por lá. Até pouco tempo atrás havia quase 40 jogadores entre primeira e segunda divisões. Assim que é por isso que temos um grande respeito e admiração desde sempre pelo basquete brasileiro. Brasil é o segundo maior país com jogadores na NBA depois da Espanha. Então algo tem por aqui. Não é só físico, mas também na formação dos atletas. Não fosse uma boa formação e a melhor liga de basquete do planeta não viria escolher atletas aqui. Para mim foi um impacto muito grande quando cheguei aqui. Mas aí aprendi que um técnico não pode impor um basquete para todas as situações. Um treinador deve usar a sua filosofia e adaptá-la a realidade local e do time que tem nas mãos.

BNC: Você começou muito cedo, né? Para quem está começando na profissão, daria algum conselho?
PACO: Muito cedo mesmo. Comecei a treinar equipes masculinas e de meninas quando tinha 15 anos, veja você. Aí pouco a pouco eu fui crescendo e tive muita sorte quando eu tive meu nome cogitado para ser assistente-técnico da Liga ACB. Isso eu tinha 18 anos. Em 1988, para você ter uma ideia, eu fui auxiliar do lendário Ary Vidal (foto à direita) em Murcia. Ele havia acabado de conquistar o Pan-Americano e foi um impacto cultural enorme não só para mim, mas para o basquete da cidade também. Tinha 21 anos nessa época. Aprendi muito, muito mesmo. Ele era totalmente diferente de tudo o que eu havia visto na vida. Ary era um treinador de ataque, de contra-ataque, de velocidade. Alguns falavam que ele estava louco. E aí você vê hoje, olha como ele tinha razão. Pergunta a Bauru como termina um contra-ataque. Fico orgulhoso que essa escola foi parte da minha vida. Assim como foi com o americano Brown, de quem fui assistente em Vitória.

Outro que não poderia deixar de citar é o Manel Comas (mais aqui), que faleceu recentemente… (Neste momento Paco se emociona e para a entrevista) Bem, para mim ele é um dos grandes mestres. Manel forma parte da minha vida pessoal. É como um pai. Falo hoje para os técnicos que assistam treinos, que vejam jogos, que sempre vejam como podem aprender coisas. As escadas você precisa subir os degraus um por um. Treinar categorias de base é fundamental também. Converso muito sobre isso com Danilo Padovani, meu assistente em Mogi.

BNC: Pra fechar: do que você sente mais falta do seu país?
PACO: Da família, da família sem dúvida alguma. Dos amigos, da comida também sinto falta. A vida espanhola não difere muito da do Brasil, mas da cidade. Minha cidade (Valladolid) jogou Oscar Schmidt por dois anos, sabia? E ele é um ícone da cidade até hoje. Há fotos dele no ginásio até hoje. Essa cultura de esporte lá sinto muita falta também. Há times de futebol, de rugby, de basquete. Mas tive a sorte. Mogi é uma cidade perfeita para eu viver. Tranquila, com qualidade de vida, perto da praia e de São Paulo.

BNC: Culinária espanhola ou a brasileira?
PACO: A riqueza da cozinha espanhola é melhor, viu… A culinária brasileira é muito rica, mas quem conhece a Espanha sabe do que estou falando.

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