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Herrmann supera drama familiar e quer título Mundial com o Flamengo

Fábio Balassiano

23/09/2014 01h00

Grande reforço do Flamengo para a temporada 2014/2015, o argentino Walter Herrmann (Crédito das fotos com a camisa do Flamengo: Comunicação Flamengo) tem uma dessas trajetórias no esporte que fazem a gente duvidar que o cara tenha forças para continuar atuando. Nascido em Venado Tuerto em 1979, começou jogando pelo time da cidade e chamou a atenção de todos. Não era normal ver um ala de 2,06m com chute de fora, habilidade para jogar dentro do garrafão e com um potencial físico assustador.

Seu começo de carreira foi sensacional. Eleito o calouro do ano em 1998 pelo Venado Tuerto, em 2000 foi contratado pelo Atenas, de Córdoba, onde se tornou campeão nacional e MVP das finais da Liga Argentina em 2002. Adquirido pelo espanhol Fuenlabrada no mesmo ano, anotou 22,6 pontos e 9,6 rebotes em sua temporada de estreia (2002/2003) e deixou a todos de boca aberta na Europa. O também espanhol Málaga não teve dúvida, abriu o cofre e fisgou o argentino para ser a principal estrela da equipe.

Mas sua vida mudaria no dia 18 de julho de 2003. Em um acidente de carro (foto à esquerda do La Voz del Interior) na cidade de Córdoba (Argentina), Herrmann perderia as três mulheres mais importantes de sua vida de uma só vez: a irmã Barbara, a mãe Cristina e a namorada Yanina. Treinando com a seleção em Buenos Aires, ele recebeu a triste notícia, viajou para acompanhar o funeral e ficou longe do basquete por alguns meses.

Retornou ao Málaga, fez uma boa temporada (média de 10 pontos) e enfim estreou na seleção argentina adulta. Foi no Sul-Americano de 2004 em Campos, Rio de Janeiro. No torneio, ele teve as médias de 22,5 pontos e 5,3 rebotes, levando a Argentina ao título contra o Brasil. Na decisão, Herrmann despejou incríveis 37 pontos e 11 rebotes naquele 18 de julho de 2004, exatamente um ano depois da morte da namorada, irmã e mãe. Quando ligou para dar a notícia da conquista, foi avisado que seu pai falecera devido a um ataque cardíaco fulminante. Aos 25 anos, ele estava sozinho. Seu mundo literalmente caiu.

No período de 12 meses, o ala perderia a família completa mas, sabe-se lá como, decidiu continuar atuando. Foi às Olimpíadas de Atenas, conquistou o ouro olímpico com os argentinos diante dos italianos, mas demorou a engrenar no seu retorno a Málaga. Teve duas chances na NBA, jogou no Detroit e no Charlotte, mas algo estava fora do lugar. Sua filha nasceu em 2009 (o nome Barbara é uma homenagem à irmã falecida), ele ainda tentou um retorno à Espanha, no Baskonia, mas ao final da temporada 2009/2010 decidiu, aos 30 anos, se aposentar do basquete.

À época, disse que precisava se conhecer melhor, resolver pendências pessoais. Só que o amor ao basquete falou mais alto. Três anos depois, em 2013, voltou a treinar no primeiro clube, o Venado Tuerto. Disse que era apenas por amor ao jogo e que estava ali para se divertir. No mês seguinte recebeu uma proposta do Atenas. Era uma volta às origens. Herrmann aceitou. Fez 22,4 pontos, 7,1 rebotes e foi eleito o MVP da Liga Argentina.

Então Julio Lamas, técnico da seleção, não teve dúvida. Selecionou o ala para o Mundial da Espanha e, dez anos depois do ouro olímpico, viu o cabeludo ser uma peça fundamental na equipe com 9 pontos e 4,7 rebotes. Recém-contratado pelo Flamengo, ele vive sua primeira experiência profissional no Brasil e terá algumas missões pelo clube rubro-negro. As principais são logo no começo de sua trajetória: o Mundial de Clubes contra o Maccabi Tel-Aviv e os três amistosos na NBA em outubro.

Nada que assuste quem já passou por tanta coisa. Conversei com ele na Gávea, no sábado a respeito de sua carreira.

BALA NA CESTA: Como está sendo o começo de sua vida no Flamengo? Sua adaptação à cidade, ao clube, à equipe…
WALTER HERRMANN: Olha, a verdade é que me sinto muito cômodo com tudo o que está acontecendo por aqui. Dirigentes, comissão técnica e companheiros fazem de tudo para que eu tenha o máximo de tranquilidade na cidade, no time, com tudo. Obviamente que no começo tem as questões de mudança de habitação e isso não é fácil. Estava morando em Copacabana, mas hoje (sábado) vim para meu apartamento no Leblon e estou muito feliz. Todos me receberam muito bem.

BNC: Seu primeiro compromisso com o Flamengo será justamente o Mundial contra o Maccabi Tel-Aviv na próxima semana. Você jogou muito tempo na Europa. O que esperar do torneio e como fazer para ganhar do time israelense?
HERRMANN: É uma oportunidade única. Todos aqui temos que ter isso na cabeça. É uma oportunidade única e não devemos desperdiçá-la. Cada um que está aqui pode marcar seu nome eternamente na história do Flamengo. E isso é muita coisa. Vai ser complicado ganhar, mas vamos tentar trabalhar bem essa semana para chegar na melhor forma possível até sexta-feira, dia do primeiro jogo. Ter atuado na Europa ajuda muito a saber como os europeus gostam de jogar. É um estilo  que se defende muito, a cadência é muito mais travada, mas isso todos que estão aqui já sabem. Marquinhos, Marcelinho, o Nicolas Laprovittola e toda comissão técnica conhecem bem o estilo europeu de atuar. Vamos ter que fazer um plano de jogo muito inteligente, correr apenas se puder e tentar jogar da maneira mais pensada possível. Só assim será possível ganhar de um rival tão duro.

BNC: Imagino que falar desse assunto não seja muito fácil para você, mas gostaria de saber como você conseguiu tirar forças para continuar e depois voltar a jogar basquete após tantos problemas familiares pelos quais você passou.
HERRMANN: A verdade é que eu aprendi a não olhar para o passado. Nem no ouro olímpico de 2004 eu penso muito. Justamente para não ficar lembrando das coisas. Há algumas marcas, há algumas cicatrizes, mas treino minha cabeça para seguir vivendo, seguir conquistando as coisas, seguir plantando coisas boas. Não penso muito na trajetória, no passado. Nunca fico com o que passou, mas sim com o que está pela frente. É melhor assim, é melhor para mim assim. E o que se apresenta agora é o Mundial, depois os amistosos da NBA, NBB e Liga das Américas. Meus focos estão nisso agora.

BNC: Depois do Mundial, o Flamengo irá fazer três amistosos na NBA, onde você jogou por Detroit e Charlotte. Você falou em "experiência única" para descrever os duelos contra o Maccabi. O mesmo se passará jogando nos Estados Unidos contra Phoenix, Orlando e Memphis, certo?
HERRMANN: Sim, é por aí também. Vai ser algo lindo, uma experiência muito interessante e que sabemos não ocorrer todos os dias. É algo inédito, pelo que fiquei sabendo. Então temos que aproveitar da melhor maneira possível. Os jogadores da NBA estão preparados para jogar outro tipo de basquete. É tudo muito rápido, as defesas são um pouco mais abertas por causa da questão dos três segundos da zona (não permitido) e há muito mais espaço. Vai ser algo lindo. Sinceramente é impressionante. Depois de jogar uma final do Mundial, ir à NBA é incrível. Tomara que aproveitemos essa oportunidade da melhor maneira possível.

BNC: Uma de suas melhores partidas foi justamente contra o Brasil, em 2004, naquele Sul-Americano de Campos (foto à esquerda). Você fez 37 pontos na final e a Argentina foi campeã. Agora, no Mundial, novamente os dois países se enfrentaram e você estava lá. Como é enfrentar o Brasil, por toda a rivalidade que cerca esse duelo?
HERRMANN: Ah, tem uma rivalidade maior, isso é óbvio. Mas, para mim, tento fazer como faço contra qualquer equipe. Tento dar o meu melhor para a camisa que defendo, seja a de um clube, seja a da seleção do meu país. Só que entre Brasil e Argentina há uma questão grande de rivalidade esportiva de um modo geral, negar isso seria mentira. São partidas como outras, mas quase sempre que joguei contra o Brasil eu tive sorte de ir bem. Sendo bem sincero: não fico pensando no Brasil alucinadamente quando vou enfrentá-lo, mas sim que do outro lado há 12 jogadores e que preciso fazer o melhor possível.

BNC: Você falou do Laprovittola, o outro argentino do elenco. Ele tem sido seu guia turístico aqui no Rio de Janeiro, é isso?
HERRMANN: (Risos) Quase isso. Ele também se mudou recentemente, agora moraremos perto, aqui no Leblon. Ele está me ajudando muito, me ensinando algumas palavras e daqui a pouco vou entendendo tudo se as pessoas falarem devagar.

BNC: Pra fechar: você ouviu a torcida do Flamengo cantando uma música com a mesma melodia que a Argentina canta para sua seleção naquele "Decime que se siente"? O que achou?
HERRMANN: Olha, ouvi. No domingo passado, contra o Corinthians, fui ao Maracanã e lá escutei (foto à direita). É estranho, viu. Por tudo o que a canção argentina diz, tudo o que se passa. Agora tenho é que aprender essa nova letra.

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