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Uma reflexão sobre a continuidade de trabalho no basquete

Fábio Balassiano

12/08/2014 01h03

Em 1999, no Mundial Sub19 disputado em Portugal a Espanha se sagraria campeã da categoria ao bater os Estados Unidos por 94-87. Naquele time estavam Juan Carlos Navarro (18,6 pontos), Pau Gasol (ambos na foto) e Felipe Reyes, nomes de imenso destaque no basquete espanhol desde então (um pelo Barcelona, outro na NBA e outro pelo Real Madrid). O trio fez parte das três maiores conquistas do país (título mundial em 2006 e medalhas olímpicas de prata em 2008 e 2012) e está convocado para jogar, em 2014, a Copa do Mundo em casa naquela que será a grande coroação de uma modalidade que tem dado certo no país desde 1984, quando Juan Epifanio (18,6 pontos) e Fernando Martin (16,8) chocaram os Jogos Olímpicos de Los Angeles ao ficar com o vice-campeonato (derrota na final para os EUA treinados por Bob Knight e liderados por Michael Jordan por 96-85).

Quatro anos mais tarde, em 2003, houve o Mundial Feminino Sub-21 em Sibenik, Croácia. Os Estados Unidos ganharam com uma geração que tinha Seimone Augustus, Lindsay Whalen e Cappie Pondexter, meninas que brilham na WNBA e na seleção até hoje. Na semifinal, as norte-americanas bateriam a França por 58-47. O tempo passou para as francesas também, frustrações como as não classificações olímpicas em 2004 e 2008 vieram, mas o trabalho não parou. Pelo contrário. A Federação local considerou que a geração era boa, intensificou os treinamentos e deu confiança a um grupo que (para ela, Federação) era talentoso. E deu certo.

A equipe foi campeã européia em 2009, bronze em 2011 e prata em 2013, dominando o continente sem deixar muita dúvida. O auge, porém, veio um ano antes, na Olimpíada de Londres. O time ficou com a medalha de prata perdendo para as americanas na decisão com cinco atletas (quase a metade do elenco portanto!) que estiveram no Mundial Sub-21 de 2003. Elodie Godin, Emilie Gomis, Celine Dumerc, Emmeline Ndongue e Florence Lepron fizeram parte de TODO processo de mudança do basquete local, que hoje tem 14 clubes na liga profissional feminina (a LFB) e que conseguiu ver o Bourges, o mais forte deles, chegando ao Final Four da Euroliga nos dois últimos anos mesmo com orçamento bem menor em relação aos milionários times russos.

Daquele campeonato de 2003, sabem quem se sagrou vice-campeão mundial Sub21? O Brasil (derrota na decisão por 71-55). Comandado por Paulo Bassul (hoje Gerente-Técnico da masculina Liga Nacional de Basquete), o elenco fez uma competição brilhante e parecia ser o presente e o futuro do basquete feminino. Alguns anos se passaram, e na Olimpíada de 2012 apenas a pivô Érika de Souza (foto à direita) e a ala Silvia Gustavo estavam jogando pela seleção. Pior: a maioria daquele elenco de 11 anos atrás já PAROU DE JOGAR, prova que a modalidade anda de mal a pior por aqui.

Há outro exemplo interessante. No Mundial masculino Sub19 de 2007 na Sérvia, o Brasil conseguiu a quarta colocação, a melhor do país em competições de base para rapazes desde o bronze em 1983 na Espanha. Daquele time comandado por José Neto alguns nomes chamavam a atenção. Paulão (foto à esquerda), autor de 23 pontos e 14,7 rebotes, era o maior deles. Betinho, Thomas, Cauê e Rafael Mineiro, em menor escala, também. Destes, NENHUM está no grupo de Rubén Magnano que jogará a Copa do Mundo da Espanha. No Sul-Americano da Venezuela, apenas Rafael Mineiro fez parte do elenco. Alguns já PARARAM DE JOGAR. Outros seguem atuando por aqui. Nenhum teve brilho internacional por longo período de tempo.

Ora bolas, por que diabos eu falo disso tudo agora? Simplesmente porque em um momento de ebulição após as duas Copa Américas Sub-18 (na feminina, vaga no Mundial de 2015 e preocupante quarta colocação; na masculina, vexatória sexta posição e eliminação do Mundial do próximo ano) é preciso pensar no que o basquete do país está fazendo certo e errado há anos para pensar em uma necessária mudança de rumo.

Por que os rapazes e meninas que surgem muito bem nas categorias de base não conseguem se destacar no adulto (nem internamente)? O que aconteceu com a geração vice-campeã Mundial Sub-21 Feminina? Por que a maioria dessas atletas já não figura mais nas quadras nacionais? Que tipo de acompanhamento foi feito com os jogadores do Mundial Sub-19 masculino de 2007? Os técnicos que temos estão realmente preparados para lançar os jovens no competitivo mercado mundial da modalidade? Por que esta transição base/adulto é tão difícil por aqui? Até quando viveremos de talentos esporádicos (Caboclo, Damiris etc.) e não de uma consistente e abrangente formação de atletas?

Uma boa alternativa para ajudar nisso seria colocar grupos fixos de desenvolvimento, algo que a Austrália, através do seu maravilhoso Instituto de Esporte (mais aqui), faz há tempos. Por que não incluir no NBB ou na LBF um time Sub-18 ou Sub-19 que irá disputar um Mundial (ou Copa América) na temporada seguinte? Outra ideia seria colocar Rubén Magnano, técnico da seleção masculina, e Zanon, treinador da feminina, para fazer clínicas para jovens durante a temporada (e no final dela fazer um grande "acampamento", colocando também jogadores que já atuam no exterior). Uma terceira, esta mais viável ainda, seria contratar técnicos para monitorar e descobrir os talentos que há no país. Se existem atletas talentosos (e sabemos que há), por que não acompanhá-los bem de perto, para dar confiança, subsídios, treinamento e desenvolvimento de carreira a eles? Outra seria capacitar cada vez mais os técnicos (principalmente os da base), que incentivarão e ensinarão estes jovens a aprender os fundamentos do jogo.

São reflexões que precisam ser feitas por uma modalidade que supostamente quer voltar a ser grande no Brasil. Que há mão de obra de sobra por aqui ninguém tem dúvida. O que falta, sem dúvida alguma, é continuidade, acompanhamento, desenvolvimento de jovens, monitoramento das grandes revelações do país. Fornadas excelentes surgem a todo instante (o terceiro lugar no Mundial Feminino Sub-19 e nomes como Lucas Dias, Deryk, Augusto Lima, Cristiano Felício e companhia estão aí). Basta trabalhá-las minuciosamente, com competência e insistência.

Os exemplos da Espanha e da França, expoentes europeus e mundiais de pouco tempo pra cá, mostram os caminhos (dos Estados Unidos eu não preciso nem falar). Não é preciso copiá-los. Basta estudar, olhar com atenção, extrair o melhor e adaptar para o cenário brasileiro.

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