No Pinheiros, Marcel de Souza fala sobre sua volta ao basquete
Fábio Balassiano
15/07/2014 01h43
Conversei com ele sobre tudo isso e muito mais nesta entrevista exclusiva e bastante aberta e sincera da parte dele. Marcel, inclusive, faz um mea-culpa sobre um assunto polêmico de seu passado, o Funk do Basketeiro (melodia criativa feita por ele para criticar o estilo de jogo da seleção brasileira à época)
BALA NA CESTA: Você estava afastado do basquete há quase uma década e recebeu o convite do Esporte Club Pinheiros. Como foi ter ficado este período afastado e o que está esperando neste seu regresso à beira das quadras?
MARCEL DE SOUZA: Há dez anos, a minha vida tomou um rumo muito complicado e eu tive que passar por um processo pessoal de análise e reconstrução de valores que para mim eram importantes – mas que na verdade não tinham significado prático algum. Isso levou tempo e me foi muito dolorido e custoso. Nesse aspecto a medicina (nota do Editor: Marcel é formado em Medicina e exerce a função há anos), no sentido de cuidar de problemas de quem realmente precisa ser cuidado, me ajudou muito. Hoje, já mais abalizado e centrado, vejo que posso retomar meus sonhos e objetivos na vida. O basquete, sem dúvida, é um deles.
MARCEL: Quando o diretor (João Fernando) Rossi assumiu o basquete do Esporte Clube Pinheiros (ECP) há alguns anos o clube estava arrendado a uma agremiação do ABC paulista. Rossi, com ajuda de Cláudio Mortari, reconstruiu e renovou o basquete e o esporte do clube. Na época, era eu a primeira opção para técnico, mas não pude aceitar o convite pelos motivos expostos na primeira pergunta. Eu estava em "reconstrução" pessoal e financeira, pagando dívidas nesses dois aspectos e trabalhando mais de 12 horas por dia com plantões noturnos 6 dias na semana. Infelizmente não pude participar do projeto naquela ocasião. Com o tempo e o sucesso do ECP percebi que poderia ter lugar ali e fiz algumas gestões no sentido de tomar parte no processo. Convém frisar que não vi outro lugar que pudesse retomar minhas atividades, pois tanto o Rossi como o Mortari (agora Coordenador Técnico) são excelentes no que fazem e tiveram que romper grandes e dificultosas barreiras para me acomodar na equipe. No final, tudo se ajeitou e pude exercer a minha parte de ser apenas o treinador da equipe, o que para mim é excelente.
MARCEL: A estrutura que me foi oferecida no ECP é de primeiro mundo, fruto de uma gestão antenada e ativa da política esportiva do clube, que é um dos grandes centros formadores em 17 esportes olímpicos no Brasil. Tenho a oportunidade de desenvolver meu trabalho em quadra sem me preocupar com aspectos divergentes, o que já é uma grande vantagem. Não me sinto preso e sim livre para ousar e experimentar coisas novas.
BNC: Você sempre foi um dos grandes críticos da maneira como nossos times, e seleção também, atuam. Já parou pra pensar que esta é a chance que muitos críticos agora têm para dizer, caso você não tenha sucesso, que a sua teoria, na prática, foi outra?
MARCEL: Eu não tenho teoria alguma, apenas tenho a opinião de que deveríamos nos espelhar no basquete internacional, principalmente o praticado nas grandes ligas. Tudo é uma questão de resultados. Se não os conseguir não é porque o que rezo é necessariamente errado.
MARCEL: Como já dizia aquela música , o treinamento apropriado "é fácil de entender e difícil de explicar". Estudo o basquete de maneira intensa e regular, e a cada dia vejo que a busca pela excelência é resultado direto do esforço individual do jogador. Saber motivá-lo com orientações técnicas precisas e adaptadas ao seu melhor desempenho é o segredo. Não tenho fórmula mágica, nem lhes ensino coisas diferentes do que eles já conheçam. A minha interpretação sobre essas é que fazem funcionar um mecanismo interno no atleta em treinamento. Posso lhe assegurar que não é fácil derrubar crenças e construir novos conceitos, principalmente em jogadores que obtiveram sucesso em suas carreiras, mas isso só me serve de estímulo.
MARCEL: A Liga Nacional de Basquete tem muito a ver com oprogresso do nosso basquete. Hoje podemos dizer que dominamos o cenário continental de clubes, contratamos os melhores estrangeiros e crescemos a cada ano como esporte. Falta-nos um sucesso de respeito e renome internacional e espero que isso aconteça no próximo Mundial da Espanha. O basquete brasileiro já deixou o "buraco" em que se encontrava e a LNB tem grande parcela de mérito nisso.
BNC: Em que pese essa melhora recente, o basquete brasileiro de um modo mais amplo ainda, em minha opinião, baseia demais o seu jogo em bolas de três e possui pouca força na marcação. Concorda com isso? Como fazer com que este panorama não aconteça no Pinheiros sob seu comando?
MARCEL: O grande problema é que a pouca intensidade na marcação gera muitos arremessos do perímetro, algo que você cita. Esse cenário não ocorre nas grandes competições internacionais e pagamos o preço de nossas idiossincrasias. A mentalidade defensiva tem que ser implementada não só no basquete, mas em todos os esportes. Temos vários exemplos disso escancarados nesses últimos dias.
MARCEL: Um dos motivos que desejei e persegui o objetivo de ser treinador do ECP foi a estrutura técnico-administrativa do clube. Tenho muito orgulho de falar que já limpei a quadra antes dos treinos, lavei os uniformes após os jogos, exerci o papel de dirigente, médico, roupeiro, enfim fiz tudo o possível pelo que acreditava ser o bom basquete. No ECP sou apenas o técnico da equipe. Chego lá e ministro o treino. Todas as outras tarefas têm o apoio de uma organização impecável, feita por pessoas eficientes e capazes em todos os níveis.
BNC: Recentemente o Pinheiros "perdeu" o Bruno Caboclo para a NBA, e há alguns jovens (como Humberto e Lucas Dias) que são muito elogiados pelo potencial que têm. Ao mesmo tempo, você e o clube precisarão de resultados, pois o investimento existe e o elenco possui jogadores que certamente precisarão de minutos em quadra. Como fazer para conviver com estas duas vertentes – jovens, que normalmente cometem erros, e profissionais experientes, ambos em busca de espaço?
MARCEL: O meu compromisso com os jogadores é fazer com que melhorem sempre e que atinjam o máximo de suas capacidades físicas, técnicas e emocionais. Se conseguir convencê-los que para atingir esses dois princípios é necessário o treinamento apropriado, não terei problema algum e todos terão o seu espaço.
MARCEL: Na verdade eu não estava preparado para fazer críticas "sem matar", muito menos para receber o troco dessas críticas "sem morrer". É preciso saber que mesmo errando a pessoa não faz isso com intenção de errar e que todos têm o seu valor. Estar certo ou errado é sempre uma questão temporal e o que devemos fazer é ajudar os outros com as nossas críticas. Definitivamente isso não era o meu caso, mas felizmente eu não sou mais assim e embora acredite em valores diferentes da maioria não vejo isso como uma afronta, mas sim como uma oportunidade em melhorar os envolvidos. Prefiro acreditar que meus problemas pessoais me afastaram do jogo que amo.
BNC: Uma das grandes críticas que se faz a você, o que eu acho uma bobagem, aliás, é o Funk do Basqueteiro. Se arrepende de algo neste período "sabático" em que esteve longe do basquete?
MARCEL: Errei e peço desculpas. O Funk do Basketero, embora pertinente, foi uma reação exagerada e até certo ponto inconsequente sobre um fato que incomodou muita gente. Eu me arrependo daquilo que não fiz, mas o Funk realmente não ajudou em nada a modificar aquela situação e me colocou numa posição muito desconfortável. Hoje não reagiria assim, mas não posso modificar o passado. Temos que seguir adiante.
MARCEL: Apenas 7% da nossa comunicação é verbal. Por isso realizo um tipo de exercício onde passamos o treino todo sem utilizarmos sons orais de espécie alguma. Normalmente ele acontece quando a equipe já dominou todos os aspectos do treinamento apropriado. Acredito que até o final desse mês esse tipo de treinamento deverá acontecer.
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