20 anos do Mundial de 1994: Entrevista com a genial Hortência
Fábio Balassiano
13/06/2014 10h00
BALA NA CESTA: Vinte anos depois, qual é a sensação que fica quando você olha pra trás e vê que foi campeã do mundo com a seleção feminina em 1994 na Austrália?
HORTÊNCIA: Olha, é um alívio muito grande. Sinto-me, hoje, muito aliviada. Esta é a sensação. Mais do que felicidade, foi um alívio, pois era a nossa última chance de ser campeã do mundo, de marcar uma geração. Não tínhamos ganhado quase nada até aquele momento, só um Pan-Americano (de Havana, em 1991). No Mundial da Austrália começamos a jogar e vimos que poderíamos ir adiante, ir longe, chegar realmente no patamar que todas nós queríamos.
HORTÊNCIA: Quem é boa de lembrar as coisas todas é a Paula, você sabe, né. Tem vezes que em enrolo com os detalhes. Mas a recordação que eu tenho é que saímos do Brasil e só se falava em futebol, da Copa do Mundo de futebol. O que é natural para o país que somos. Chegamos na Austrália, ficamos lá na Tasmânia na primeira fase. Ninguém conhecia ou falava da gente. De repente os olhares de quem acompanhava o Mundial se voltaram pro Brasil quando fomos para Sidney para a fase final. Ali vimos que tínhamos alguma chance, que poderia ser a nossa chance. Lembro pouco dos jogos, essas coisas, mas lembro bem do vestiário contra a China, antes da final, que a Paula disse: "Moçada, já que chegamos até a decisão é pra ganhar, né". Tínhamos perdido para a China na fase de classificação, mas na final era outro jogo, outro momento. Estávamos bem confiantes e chegamos ao título.
HORTÊNCIA: Não muito. Até hoje o Brasil é o país do futebol. Já estávamos acostumadas com isso. E, é bom lembrar, que até aquele momento nunca havíamos ganho nada. E só aparece, em TV ou em qualquer meio de comunicação quem ganha, quem vai pra medalha. É natural. Faz parte. É negócio. Não tinha internet, celular, TV a cabo pra potencializar nossa conquista. Não é algo que me deixe triste, não.
BNC: Talvez seja difícil falar disso hoje, com o título na mão, mas como seria para você, talentosa pra caramba e reconhecida por todos, ter uma carreira sem um título tão relevante como foi aquele Mundial?
HORTÊNCIA: Olha, difícil. Porque era ruim, ruim demais. Tinha a Paula e eu sendo cestinhas, destaques, reconhecidas por todos, mas não íamos longe, os resultados não chegavam. Acabava que, mesmo sem querer, nós duas transmitíamos uma mensagem individualista para as pessoas. O questionamento era claro: "Ótimo, vocês jogam muito, mas cadê os títulos?". A entrada da Janeth, da Alessandra, da Leila, da Ruth fez com que o nosso jogo de garrafão ficasse mais forte, que ganhássemos força física perto da cesta. Antes tudo ficava muito concentrado em mim e na Paula. Quando nosso jogo interno melhorou, dividiu nossa responsabilidade e as coisas fluíram mais. Individualmente eu acho que eu me sentiria realizada pelas conquistas individuais que tive, mas coletivamente você só marca uma geração quando sobe no pódio. Aí você pode dizer "eu fui campeã do mundo" e isso te complementa, te completa, passa a dar sentido às suas conquistas individuais.
HORTÊNCIA: As pessoas falam muito da vitória da gente contra os Estados Unidos no Mundial de 1994, mas já tínhamos vencido o time delas no Pan-Americano. Naquele Mundial tivemos a sensação que, enfim, tinha chegado o nosso momento. Era uma fase de maturidade e de muita confiança também. Tem uma frase que diz; "Ganha o jogo não a melhor equipe, mas sim quem joga melhor naquele momento". Aquele time dos EUA podia até ser melhor que o nosso no papel, mas naquele momento, naquela fase da competição não foi. Ainda bem.
BNC: Você falou deste jogo dos Estados Unidos, e naquela partida a Teresa Edwards, uma das melhores jogadoras de todos os tempos, anotou 5/25, na pior atuação dela no Mundial. Você que marcou a Teresa durante muito tempo…
HORTÊNCIA: Olha, eu procurava ser em boa em todas as áreas do jogo. Queria chutar bem de 3, de 2, lance-livre, queria ser tudo. Tinha essa coisa de guerreira, de me matar em quadra. Não aceitava perder e não correr atrás de algo melhor. Quando via que podia marcar uma determinada jogadora mais forte para ajudar o time, fazia. Eu queria ser importante na defesa também. Independente dos meus pontos, que eram muito importantes, eu queria também ajudar na marcação. Não me importava com desgaste. Eu me cobrava muito e queria muito vencer. Só isso.
HORTÊNCIA: (Risos) Acho que foi isso mesmo. Não lembro muito os detalhes, mas eu dizia: "Se eu não vou dormir depois de perder você também não vai. Perdemos juntas". Ficava me culpando, remoendo mesmo. Não ficava nervosa, mas sim ansiosa. Jogo muito importante eu não conseguia dormir nada. Na véspera da final contra a China eu me lembro que peguei no sono lá pelas 4h da manhã.
HORTÊNCIA: Ah, eles não me viram jogar, né. E eu não gosto de ficar falando de mim para eles. Tem os DVD's aqui em casa, e apenas uma vez pegamos para assistir. O pai (o empresário José Victor Oliva) fica falando de mim pra eles. É melhor, né. Santo de casa não faz milagre, você sabe como é. Meus filhos não me enxergam como ídolo, mas sim como mãe, embora saibam quem eu fui como atleta. Não fico falando muito com eles. Isso é papel do pai, né. Ele fala tudo, conta as histórias. Ainda mais para adolescente, você sabe como é. Adolescentes têm uma rejeição grande em ouvir.
BNC: Teve algum momento que você pensou "Caramba, vamos ser campeãs do mundo"?
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