O gaúcho Vitor Faverani, de 25 anos, deu uma guinada em sua vida nos últimos seis meses. Depois de quase uma década na Espanha, onde atuou em Málaga, Zaragoza, San Sebastián, Murcia e Valencia, o gaúcho criado em Paulínia (SP) foi contratado pelo Boston Celtics para realizar o sonho de atuar na NBA e disputar a melhor liga de basquete do mundo. E para concretizar seu sonho ele mudou quase tudo. Vivendo sozinho nos Estados Unidos, passou a ler livros com mais frequência (devorou "La Prueba del Cielo", história de um cirurgião que ficou dias em coma antes de voltar à vida, e "La La sonrisa etrusca", que conta a vida de um cidadão rural italiano que vai morar na metrópole), focou em sua carreira como nunca, treinou como um "cavalo", como ele mesmo diz, e mantém a concentração em nível altíssimo. E seu começo é surpreendente. Com as médias de 9,5 pontos, 7,3 rebotes e 27,8 minutos após quatro jogos, o camisa 38 dos verdes conversou com o blog ontem ao telefone depois de voltar de Memphis, onde seu time perdeu pela quarta vez consecutiva na temporada. No papo Vitor falou sobre seu começo na NBA, pressão, reconstrução dos Celtics e, claro, seleção brasileira.

BALA NA CESTA: Você está em sua temporada de estreia na NBA, em um dos times mais tradicionais do basquete mundial, conseguiu se tornar titular e já recebe muitos elogios por este começo. Está sendo melhor do que você mesmo esperava?
VITOR FAVERANI: Olha, eu não costumo ler e ouvir muito do que falam sobre mim. Nem internet, jornal, televisão, nada. Os elogios são sempre muito lindos, mas a pressão que as pessoas acabam colocando sobre você é muito grande e quando algo não acontece as críticas são muito pesadas. Por isso prefiro não olhar muito. A verdade é que cheguei aqui dois meses antes para me preparar muito bem, muito bem para começar com o pé direito a minha vida na NBA. São dois meses ralando, ralando, ralando como um maluco. Você não tem ideia das horas que treinei desde que pisei em Boston. É uma coisa realmente insana o que se treina por aqui. E os resultados estão sendo vistos em quadra. Tenho jogado bem, com confiança, isso é o mais importante. Para ser sincero, meu desempenho tem sido surpreendente pra mim também. Estou chegando agora, me acostumando à NBA ainda e tenho tido sorte de ser titular e com bom tempo de quadra. É bem legal isso.

BNC: Você falou sobre sua carga de treinos aí, que é insana, posso imaginar. Como é seu dia a dia desde que você se tornou jogador do Boston Celtics?
FAVERANI: Não fiquei um dia sem treinar desde que cheguei aqui. Na segunda-feira jogamos em Memphis, na terça-feira desembarcamos aqui em Boston e fomos direto pro ginásio. Ficamos lá, os novatos, com os assistentes-técnicos arremessando por uma, duas horas e voltamos pra casa. Em dias sem jogos chegamos cedo ao ginásio, tomamos café, faço academia, treino físico, parte técnica, arremesso, mais academia, tratamento e vídeo. Dura, como você deve imaginar, o dia inteiro. Não é nada traumático, porém. É como você aí no seu trabalho, imagino. Tem uma carga horária para cumprir, coisas pra entregar, coisas para desenvolver. É como nós fazemos aqui também. Em dias de jogos os calouros chegam três horas antes, para praticar arremessos e movimentações com a equipe do técnico.

BNC: Imagino que o ritmo seja bem diferente do da Europa, onde você passou os últimos nove, dez anos. Pesa muito a parte física?
FAVERANI: Olha, essa semana eu estava em Detroit e falei com meu agente que mal estava sentindo as minhas pernas, de tão cansado que estava. E perguntei a ele qual era o segredo para os atletas que vieram da Europa para cá, nos Estados Unidos, se darem bem. Ele foi bem claro: "Mantenha a cabeça no lugar. O segredo aí é a força mental". É o que tenho tentado fazer. Manter a cabeça no lugar, descansar, fazer tudo o que o time me pede e levar cada partida como se fosse uma final de NBA. Se os outros conseguiram, por que eu não vou conseguir? Eu acredito, eu posso, vou chegar lá. E tem mais: sempre foi meu sonho jogar aqui, sempre foi meu sonho jogar na NBA. Na hora que eu chego não posso reclamar. O lance é ficar pronto mentalmente para que meu sonho seja realizado da melhor maneira possível.

BNC: A primeira cesta do Boston na temporada foi sua, contra o Toronto lá no Canadá. Neste jogo eu percebi você, digamos, abusado, buscando a cesta a cada ataque, como que querendo dar uma carta de boas-vindas. Foi isso mesmo?
FAVERANI: Olha, cara, não sou abusado. Faço apenas o meu trabalho. Neste jogo o técnico tinha desenhado algumas jogadas para mim e pediu para eu sempre olhar a cesta, atacando-a quando eu julgasse pertinente, necessário. Foi o que fiz, e deu muito certo no primeiro tempo principalmente. Gosto de ajudar com os corta-luzes, com passe, com defesa, mas quando tiver a bola para atacar eu preciso estar pronto também.

BNC: Teve algum momento marcante neste curto período de tempo que você está aí em Boston?
FAVERANI: Olha, ter chegado aqui para assinar o contrato foi realmente sensacional, uma emoção indescritível. Eu falava sempre com meus agentes: "Vocês não estão brincando comigo, estão?". E ficava pensando se isso tudo que estava acontecendo comigo era verdade, era real. Desde aquele dia passei a viver, a vivenciar, tudo com muito carinho e paixão. E tem dado tudo certo comigo aqui, isso é bacana. Meu primeiro jogo em casa, com o ginásio lotado, foi incrível também. As luzes, fogos de artificio, dançarinas. É um espetáculo, né. Você não pensa muito, porque é atleta e precisa focar no jogo, mas é impressionante como os caras transformam um jogo em algo tão extraordinário.

BNC: Você fala sobre jogar no Boston, que é uma franquia grande, mas ao mesmo tempo passando por uma reestruturação grande. As estrelas que deram o último título para a equipe saíram, e agora pelo visto é a hora da remontagem do elenco. Como é enfrentar estes dois lados da moeda?
FAVERANI: Olha, são realmente dois lados bem claros, bem claros mesmo. E que fique claro que ninguém aqui desconhece que estamos em reconstrução (Rebuild, como os americanos dizem). O primeiro é que todos terão tempo de quadra, chance de mostrar talento e trabalho ao treinador e margem para errar. O lado ruim disso tudo é que é uma franquia histórica, tradicional, acostumada a vencer e com uma pressão por vitórias absurda. Para o torcedor, esse negócio de "vamos espera três aninhos" não cola e sabemos disso. É um time muito jovem, dificuldades serão enfrentadas, mas todos aqui sabem do seu papel, da sua função, do seu espaço na equipe. Todos querem espaço, óbvio, mas respeitando o outro e fazendo a sua parte. Precisamos de um pouco de tempo para nos adaptarmos uns aos outros, mas vamos chegar lá. O saldo disso tudo? O saldo disso tudo é poder defender essa camisa tão tradicional e fazer parte da NBA. Dá um orgulho danado, uma felicidade bem incrível.

BNC: E seu relacionamento com o técnico Brad Stevens, como é? O cara só te elogia…
FAVERANI: (Risos) Pois é. Eu vim de uma outra escola, com outro estilo. No Valencia meu técnico era sérvio, mais duro, mais fechado. O Brad chega a ser surpreendente. O cara é uma lenda no circuito universitário, muito respeitado por todos, exige pra caramba, tira nosso couro nos treinos. Mas é de uma simpatia incrível, admirável mesmo. Nem parece que é técnico, sabe. Tem uma relação jogador/técnico muito bacana. Com respeito, com limite, mas ele sabe que o time precisa de tranquilidade, e não de pressão, neste momento. Ele quer ganhar, nós também queremos e ele vai nos ajudar a chegar lá.

BNC: Seu estilo de jogo é bem agressivo, mas você destaca algum ponto que precise evoluir mais rapidamente do que outro
FAVERANI: Olha, uma vez li uma entrevista do Kevin Garnett, ex-jogador aqui de Boston, em que ele dizia o seguinte: "O dia em que eu, um jogador de basquete, achar que não preciso melhorar está na hora de eu parar de jogar". É isso, tão simples quanto isso. Jogador de alto nível, principalmente no basquete, precisa evoluir sempre, para sempre, todos os dias. Tenho que melhorar em tudo, cara. Defesa, ataque, arremesso, lance-livre, físico, tudo. Se falasse um aspecto do jogo estaria me enganando. É tudo, tudo mesmo. Tenho qualidades, mas sei que preciso me desenvolver muito ainda para chegar onde o pessoal aqui espera de mim.

BNC: Para fechar, um assunto delicado. Esta convocação você não atendeu, e na última, a de dois anos atrás, houve um caso esquisito em que teoricamente o Rubén Magnano teria ido a Murcia, onde você jogava, para te visitar e você não o atendeu. Qual o seu sentimento sobre seleção, sobre vaias a jogadores que atuam na NBA, sobre a derrota na Copa América?
FAVERANI: Em primeiro lugar é preciso esclarecer uma coisa. Quando jogava em Murcia, o Magnano foi visitar a mim e ao Paulão Prestes, que era meu companheiro na época. No dia em que tinha marcado com ele eu tive um problema pessoal gravíssimo, bem grave mesmo. Não pude comparecer, mas avisei que não poderia. No ano seguinte, ele foi a Valência, o apanhei no aeroporto com minha mãe, tomamos café juntos, conversamos, expliquei a ele o que eu pensava sobre seleção e ele o que esperava de mim. Estava tudo alinhado, certinho, mas aí surgiu o interesse do Boston Celtics, da NBA. Era meu sonho e achei que não poderia deixar passar. Eles me pediram para eu fazer toda preparação aqui, ficar dois meses treinando e assim o fiz. Eu tenho o sonho de jogar pela seleção também, eu amo meu país, quero treinar com o Magnano. Mas Boston me queria aqui e achei que, por ser um calouro e estar começando uma história aqui, que era o momento de treinar com a franquia. O esporte é igual em todo lugar do mundo e aqui nos cobram muito para sermos trabalhadores. O que aconteceu com o Nenê de ser vaiado foi muito triste. Ele não tinha motivos para ser vaiado, tem seus motivos para as ausências. E acho que temos que parar com isso de ficarmos só falando de quem não foi. Estão desvalorizando cada vez mais quem jogou a Copa América, quem foi lá, quem lutou, quem lutou pela seleção. Coloco-me, desde já, a disposição para as futuras convocações. Se a CBB e o Magnano quiserem, é só me chamar que eu vou. Se não estiver machucado, obviamente eu vou.