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Técnico do Chicago Bulls, Tom Thibodeau abre o jogo em entrevista exclusiva

Fábio Balassiano

31/10/2013 00h25

Como vocês devem saber, o Chicago Bulls, que perdeu na estreia da NBA para o Miami Heat e hoje enfrenta o Knicks às 22h (Space exibe), esteve no Rio de Janeiro para enfrentar o Washington Wizards na primeira partida da história da liga norte-americana no Brasil. Para muita gente, era a oportunidade de conversar e ouvir Derrick Rose, que voltava de uma grave lesão no joelho. Mas quando percebi que Rose não falava muita coisa de diferente decidi mudar o foco. Entrevistei, por quatro dias seguidos, a Tom Thibodeau, verborrágico, agitado e explosivo técnico do Chicago. Ficou um papo longo, extenso, mas acredito que todos gostarão. Extremamente simpático, bem diferente do treinador que nos acostumamos a ver gritando e berrando na beira da quadra durante os jogos do Bulls, Thibs, como é chamado, me atendeu com paciência e abordou uma série de assuntos: Rose, seus tempos em Boston, Leste mais forte, método de trabalho, basquete brasileiro, seus tempos em Harvard e uma passagem com Kobe Bryant. Tentei fazer perguntas ao técnico de 55 anos menos sobre os jogos em si, e mais sobre sua carreira, sobre sua forma de ver basquete. Confiram o papo (embora em alguns momentos não estivesse sozinho, separei apenas as perguntas que eu fiz a ele). Espero sinceramente que gostem.

BALA NA CESTA: Primeira vez que você vem ao Brasil, imagino. Algo te chamou a atenção em especial?
TOM THIBODEAU: Sim, sim. Primeira vez no Brasil. Muito animado com tudo o que vi por aqui. Desde os lugares, praias, tudo muito bonito. Chamou-me a atenção a comida também. Tudo com muito tempero, tudo muito gostoso. Comi alguns peixes que nunca tinha ouvido falar na vida. Não me pergunte os nomes porque não vou saber dizer, mas jantei peixe todos os dias e estou me sentindo muito mais saudável. O ginásio que treinamos (o do Flamengo, na Gávea), me lembra também aqueles mais antigos (Old-School, foi o termo utilizado), aqueles que anos atrás alguns de nós começamos.

BNC: Desculpe te dizer isso, mas aqui no Rio de Janeiro você não parece o Tom Thibodeau que estamos acostumados a ver pela televisão durantes as partidas. Você está sorridente, aparentemente calmo…
THIBODEAU: (me cortando) Mas eu sou sempre muito calmo, você não acha? (Risos)

BNC: (Risos) Na verdade acho que ninguém pensa que você é calmo, né…
THIBODEAU: Claro, foi uma brincadeira. A verdade é que você tem que ser na quadra o que você é fora dela. Eu sou assim, é meu jeito. Sou explosivo, sou agitado mesmo. Sempre fui assim, sempre foi minha maneira de enxergar as coisas. Sou inquieto, sou realmente assim e quem convive comigo há tempos sabe que é assim no basquete ou não. Não poderia ser técnico da maneira como qualquer outro treinador dirige a sua equipe. Treino minha equipe da maneira como eu sou. Não é muito bonito para quem vê de fora, eu sei. Ver um cara como eu se esgoelando na beira da quadra não é bacana, mas é a maneira que tenho de participar do jogo, de sentir o jogo, de auxiliar meus atletas. É a minha personalidade, e meu trabalho eu vejo como o de um professor, o de desenvolvedor de talentos.

BNC: Inevitável falar em Derrick Rose nessa volta ao Chicago, né. Como você tem sentido todo esse processo de retorno dele?
THIBODEAU: Tento não pressioná-lo. Em momentos você pode reparar que não falo com ele, deixo-o mais solto, na dele. Foi tanta coisa que ele passou que prefiro manejar a situação assim. Ele é um grande jogador, seu talento fala por si, e sua capacidade de colocar os companheiros em boa posição de ataque também é incrível. É o nosso jogador mais importante, entende o seu papel e vamos, obviamente, ganhar muito com ele dentro de quadra. Seus companheiros também gostam muito dele, entendem tudo o que ele passou. Somos um time forte e iremos brigar forte nesta temporada inteira, podem esperar.

BNC: Como foi para você, o técnico do time, comandar todo o furor que tinha sobre a volta ou não volta do Rose? Como foi controlar os outros jogadores?
THIBODEAU: Olha, essa foi a parte mais simples. Todos no elenco sabiam que ele não jogaria a temporada passada. Esta foi a mensagem dada a eles desde o começo do campeonato. Se, por uma acaso, ele tivesse bem, em condições, e voltasse seria melhor, lucro, mas não era isso que todos esperávamos, não. Que isso fique claro. O que acabou sendo bom, vendo pelo lado positivo, é que o time cresceu muito com esta situação toda. Mentalmente foi um grande aprendizado para todos nós. Fomos longe, tivemos ótimas vitórias e saímos orgulhosos do que conquistamos na temporada passada. Isso é o mais importante e o que ficou do campeonato.

BNC: É possível bater o Miami nesta temporada? (Perguntei isso antes do jogo de estreia…)
THIBODEAU: Olha, temos que dar todo crédito aos caras. São os atuais bicampeões da NBA, e isso já é muita coisa. Mas até que alguém os vença sempre parecerá impossível. A questão é que todos estarão com o Miami na alça de mira, procurando vencê-lo noite após noite. Não é uma situação confortável. Tem uma coisa importante também: a conferência Leste ficou muito, muito mais forte, o que tornará o trabalho do próprio Miami muito mais complicado desde o começo do campeonato. Nessa liga, no atual estágio em que estamos, não se pode dar mole, descansar uma noite sequer. Indiana, Knicks, Nets são franquias incrivelmente fortes, mas há o Detroit, que se reforçou, o Washington, time talentoso, Bucks, Atlanta. Vai ser um dos campeonatos mais duros dos últimos anos. É isso que passo aos meus atletas dia após dia. O que estamos tentando fazer é, neste começo de jornada, criarmos a nossa identidade, nossa força mental, nossa fortaleza para, lá no final, estarmos aptos a brigar por algo grande. Para ser campeão é preciso ir passo a passo, e sem pular nenhuma etapa. A grande armadilha é querer esquecer uma etapa, e isso não faremos. Não é da noite para o dia que se monta um time campeão, todos aqui estão conscientes disso. Temos um ótimo grupo de jogadores, força coletiva e cabeça boa, e vamos nos doar ao máximo para atingir o objetivo máximo do campeonato.

BNC: Você falou sobre a Conferência Leste, que de fato ficou muito mais forte. Nets se reforçou muito, Knicks manteve uma base forte, o Indiana trouxe Scola e terá o Granger de volta. Já é a melhor conferência da NBA?
THIBODEAU: Quanto a isso, não sei, mas será muito mais disputada. Isso sem dúvida alguma. O Miami é o atual campeão. Nets, Knicks, Indiana, todos melhoraram. Temos que estar preparados para todos. Poucos citam o Cleveland, mas eles têm um grupo incrivelmente talentoso também.

BNC: Sobre o Nets, como será pra você, que foi assistente-técnico do Boston campeão da NBA de cinco anos atrás, ver Paul Pierce e Kevin Garnett em um uniforme que não aquele verde? Além disso, Doc Rivers não estará mais com os Celtics, mas sim com os Clippers.
THIBODEAU: Tem uma coisa importante: quando você ganha um título a sua vida fica conectada para sempre com todos que participaram do feito. Independente do que aconteça, sendo técnico ou jogador, essa é uma verdade absoluta. Então, aconteça o que acontecer, faremos sempre parte do time do Boston que foi campeão da NBA depois de duas décadas e isso nos encherá de orgulho para o resto de nossas vidas. E isso é especial. Mas, bem, preciso responder o que você me perguntou. Para ser sincero, eu jamais imaginei que este dia de vê-los sem vestir o verde de Boston ia chegar – principalmente o Paul Pierce, que sempre jogou na franquia e tem uma biografia linda por lá. Mas essa é a NBA, profissional ao extremo. Sobre o Doc Rivers, ele é um grande técnico, um grande amigo com quem mantenho contato até hoje e com quem conversei muito durante as negociações todas que culminaram com a saída dele de Boston.

BNC: Algum deles falou com você antes, durante ou depois das negociações?
THIBODEAU: Sim, com Doc sim. Não foi um momento simples e tranquilo para ele decidir sair de Boston, que isso fique claro. Disse a ele, no curso daquele turbilhão de emoções, que eu o apoiaria em qualquer decisão que ele tomasse. E foi o que fiz, ficando ao lado do meu amigo na sua ida para o Clippers. Com os atletas falei depois, e tampouco foi fácil pra eles. Foram anos muito bons com Doc, Paul e Garnett em Boston, e estou feliz que eles terão grandes times para treinar e jogar. Que eles sejam felizes. É o mais importante.

BNC: Não sei se você chegou a ouvir, mas Doc Rivers disse que não seria fácil treinar o Clippers pois o time fica na mesma cidade da melhor equipe da história de TODOS os esportes americanos, o Lakers, grande rival do Boston. Você chegou a ouvir isso? Concorda?
THIBODEAU: (Neste momento Tom ri e suspira) Ouvi, claro que ouvi. Mandei algumas mensagens "carinhosas" para ele a respeito destas declarações dele. Bem, cada um tem sua opinião, externa da maneira que convém… Enfim, ele falou, é a opinião dele e preciso respeitar. Boston é uma grande franquia, o Lakers também. Tem espaço pra todo mundo. Prefiro sair da sua pergunta desta maneira (risos).

BNC: Pra fechar o assunto Boston. Você é chamado de mentor daquela defesa espetacular dos Celtics. Defesa que levou a franquia a um título e a uma final dois anos depois. Como foi montar aquela marcação sufocante e como você tenta trazer aquela mentalidade vencedora para este time do Chicago?
THIBODEAU: Você tenta sempre montar um time que possa vencer um campeonato. E você monta um time campeão sendo muito forte nos dois extremos da quadra. É preciso equilíbrio. Mas, para ser sincero, aquela não era a minha defesa. Era a defesa do Boston Celtics. Era a defesa de todos nós. E só conseguimos fazer aquela marcação realmente maravilhosa porque tínhamos elementos para isso – Kevin Garnett, Paul Pierce, Ray Allen, Rajon Rondo, Kendrick Perkins, Leon Powe, PJ Brown, James Posey, Tony Allen. O que eles entenderam de cara é que precisariam jogar como um time na defesa também, jogar uns pelos outros. Isso foi o mais maravilhoso daquele grupo, que se matava em quadra para se ajudar. E esta talvez seja a característica marcante de todos os times campeões da NBA: são todos balanceados nos dois extremos da quadra e sempre com espírito coletivo no ataque e na defesa. Alguns jogadores daquele time se sacrificaram, sacrificaram principalmente seus corpos em jogadas muito físicas, para o bem comum, o crescimento da equipe. Isso é muito bonito, não?

BNC: Para um técnico brasileiro, para um jornalista brasileiro, como é seu dia a dia como treinador de uma franquia da NBA? Te pergunto isso porque já li em livros do Phil Jackson que ele dividia seu time de assistentes para que cada um deles analisasse a temporada inteira de cinco, seis times. Como é a sua rotina de trabalho?
THIBODEAU: Essa é uma boa pergunta, e é algo que realmente gosto de falar. O que mais gosto de fazer é estudar, estudar basquete. Tanto quanto treinar minha equipe, eu amo analisar vídeos, rodar estatísticas, comparar dados que chegam até mim. Fico horas e mais horas no Centro de Treinamento do Chicago. Algumas vezes perco a noção e fico lá a noite toda. Faz parte do trabalho de um técnico da NBA, e não me culpo por isso. É algo que amo, mas ser treinador de uma equipe de ponta faz com que você tenha que estudar um tempo absurdo do seu dia. Por algumas vezes eu fico lá no ginásio em que treinamos para estudar, almoço, janto quase sempre alguma porcaria e vou ficando. Meu físico nada esbelto me denuncia sobre a falta de cuidado com a alimentação, você pode notar. Com meus assistentes eu faço o seguinte: não os separo entre um de defesa, outro de ataque, outro de fundamentos como alguns treinadores fazem. Não. Para mim, eles têm que estar preparados para saber sobre todos os aspectos do jogo. É algo que me cobro e cobro muito deles também. Sobre as análises dos jogos, é mais ou menos assim. Nós sempre trabalhamos dois jogos na frente do nosso calendário de jogos. Ou seja: imagine, em um calendário hipotético, que hoje é terça-feira e jogaremos contra o Miami na quinta-feira e o Lakers no domingo. Pode ter certeza que meus assistentes me enviarão o material do Lakers na terça-feira para que eu possa estudar. O do Miami eles já me enviaram tudo no sábado ou domingo anterior. Tudo é tudo mesmo: estatística do time, dos atletas, jogadas principais, notícias, jogos anteriores do time, nossos jogos anteriores contra aquele adversário. É uma pancada de apostilas, DVD's. Fico empolgadíssimo. Aí formulamos a estratégia de jogo para, no dia anterior à partida, preparar o time para enfrentar aquele adversário. Ou seja: no dia, ou dias anteriores às partidas eu já sei exatamente o que preciso fazer para vencer o meu rival e tento preparar meu time com os dados que recebi da minha equipe de trabalho. É uma rotina dura, mas que rende frutos quando conseguimos encaixar tudo o que planejamos.

BNC: Você tem alguma memória sobre o basquete brasileiro em si? Sobre o Oscar Schmidt talvez?
THIBODEAU: Sim, sim. Todo mundo que ama basquete conhece a história do Oscar, um fenômeno. Estive há meses na cerimônia de entrada dele no Hall da Fama e foi um momento maravilhoso. Ele é uma pessoa muito carismática, realmente foi fantástico aquele discurso dele. Estava lá e me diverti muito. Todos que estudam o jogo sabem quão brilhante foi a sua carreira. Ele é parte integrante do crescimento global do basquete nos últimos 20, 25 anos mesmo sem ter jogado na NBA.

BNC: Tem uma história boa, que não sei se todos conhecem: você foi assistente-técnico do John Lucas no Sixers no meio da década de 90 quando um jovem muito bom do Estado da Filadélfia foi chamado para treinar com o time. Este jovem é hoje conhecido. Ele se chama Kobe Bryant. Como foram aquelas semanas em que ele esteve com o time?
THIBODEAU: (Risos) Você está fazendo com que eu me sinta mais velho (Risos). Esta é realmente uma história incrível. Kobe era muito falado em todo estado, por causa de seu talento, e John, que jogou com o pai do Kobe, decidiu chamá-lo para treinar conosco por uns dois, três dias. Acabou sendo uma situação até engraçada, porque o Kobe é tão alucinado por treinamento que ele não saiu do ginásio em que treinávamos nem por decreto. Ficava lá horas e horas arremessando, treinando fundamentos. Ficou conosco mais de um mês e queria mais. Óbvio que por ter morado na Europa a sua bagagem cultural e sua formação de fundamentos já era um pouco mais consolidada que a de meninos de sua idade, mas sua habilidade era muito incrível. Competia, com seus 16 anos, de igual para igual com alguns dos veteranos da NBA. Houve situações engraçadíssimas, de disputas entre eles, e Kobe, mesmo muito novo, não diminuía o ritmo, não fazia nada diferente do que fazia nos seus jogos de colégio daquela época. Sua vontade, sua determinação e sua vontade de querer evoluir a cada dia nunca mudaram. Olhando lá para aquela época, não é surpresa ver, hoje, que ele conquistou cinco títulos e tem uma carreira memorável, uma das melhores da história do basquete.

BNC: Alguma dúvida que ele voltará dessa lesão no tendão com a mesma gana, com a mesma força de vontade para tentar ganhar seu sexto anel de campeão?
THIBODEAU: Nenhuma dúvida. Uma das grandes vantagens do Kobe sempre foi se adaptar muito rápido, conseguir visualizar e entender as diferentes situações de forma rápida. Nenhuma dúvida que ele voltará ainda melhor, mais preparado fisicamente e mentalmente. Eu, deste canto, jamais vou questionar qualquer coisa que este rapaz pode fazer em uma quadra de basquete. Não é bom desafiá-lo, duvidar de sua capacidade. Isso está provado.

BNC: Minha última pergunta: você foi assistente-técnico de Harvard entre 1985 e 1989, uma faculdade mais conhecida por seus gênios da economia, por exemplo, do que pelos jogadores de basquete (talvez a exceção seja o Jeremy Lin). Como foi esta época?
THIBODEAU: De novo você me chamando de velho (risos). Foi um momento incrível, incrível da minha carreira. Pouca gente sabe, mas existem grandes jogadores por lá e foi maravilhoso fazer parte da Universidade por quatro anos. Fazíamos parte de uma conferência muito dura, com jogos muito difíceis e me fizeram crescer muito como pessoa e profissional. O melhor de tudo, no circuito universitário, é que você enfrenta tantos técnicos de diferentes culturas de basquete que você acaba estudando e aprendendo demais. Sobre ataque, defesa, pressão quadra toda, tudo. Foi um momento decisivo em minha carreira.

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