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Ex-jogador de Ary Vidal, Cruxen relembra lições do treinador, falecido há dois dias

Fábio Balassiano

30/01/2013 00h36

Você leu ontem uma história que contei sobre o já saudoso Ary Vidal e o jogador Cruxen, ala de Corinthians, de Santa Cruz do Sul (RS), certo? Se não, relembre aqui . Pois foi com enorme surpresa que recebi uma mensagem do próprio Cruxen, que fez um depoimento emocionado a mim sobre a morte de Ary, seu grande mestre. Vamos lá:

"Estava jogando basquete no Torneio de Masters de Caiobá (PR) quando ao voltar para o hotel nos chegou a triste notícia da tragédia de Santa Maria. Foi um domingo triste, com a inclusão de um garoto de 20 anos, basqueteiro de Santa Cruz, entre a vida e a morte em um hospital de Porto Alegre devido à intoxicação respiratória. Na segunda-feira, a notícia foi da perda do mestre Ary Vidal.

Minha vida no basquete se mescla com a presença do Ary Vidal. Conheci o mestre em meados de 1978, em uma clínica de basquete no Recreio da Juventude, onde, como técnico, ele veio passar sua experiência aos técnicos, alunos, atletas de Caxias do Sul. Lembro-me que, em determinada situação, Ary necessitava um atleta "sofrer" uma falta de ataque e ele me escolheu. Ao cair de costas e encenando a penalidade, escutei do mestre que poderia ser "ator". Meu segundo contato com o Ary foi em uma Seleção Brasileira de Novos (1985), onde a "nata" do basquete de nossa categoria (1961-62 e 63) estava reunida. Depois foram 5 anos seguidos como meu técnico e uma temporada como Diretor Técnico na equipe de Uberlândia, meu último ano como atleta profissional.

No decorrer dos anos, fomos notando que sua aptidão em comandar as equipes em jogos era completamente diferente dos treinos. Como "bon vivant", Ary sabia muito bem distinguir treinos de TREINOS. Quando ele entrava de camisa preta, calça preta e sapato preto no ginásio às 09h30 da manhã, sabíamos (os mais experientes) que teríamos no treino somente arremessos. Em compensação quando entrava de abrigo e tênis com o treino desenhado em um papel, o bicho comia.

Ary sempre foi um gentleman, inteligentíssimo, boas "conexões" e sempre se relacionando com quem deveria, multiplicando, assim, sua forma de pensar e de agir. Não foi diferente em Santa Cruz, quando dirigiu o Corinthians local, em um dos episódios que bateu de frente com um atleta (um ídolo da torcida). Ary acabou se desligando do projeto em "prol" da equipe para não prejudicar o basquete em nossa comunidade. Na mesma noite, Prefeito, Deputados, Vereadores e Diretoria (acredito que até a hierarquia eclesiástica foi convocada) pediram e Ary voltou ao comando da equipe – e o atleta foi desligado. Ali, ele comprovava sua força como líder. Mas havia momentos engraçados também. Em uma época, resolvemos levar para as viagens um jogo chamado Masters (de perguntas e respostas). O grande lance é que tínhamos que jogar e fazer as perguntas baixinhos, pois se o Ary jogasse, respondia a todas perguntas e ganhava fácil.

Certa vez, na 2ª temporada sendo comandado pelo Ary, ouvia meu nome direto nas suas correções. Ele me comparava a uma vaca holandesa, que tirava todo o leite e quando estava quase lotada batia com o rabo e derrubava o conteúdo. Isto me incomodava até o dia que, estando por último no vestiário, o mestre entrou e novamente se dirigiu a minha pessoa. Imediatamente retruquei e disse que ele só tinha o nome Cruxen em sua boca. Ele respirou, me olhou e em tom tranqüilo me respondeu: "Quando eu começar a deixar de falar seu nome, Cruxen, você pode começar a se preocupar, isso sim".

Mesmo nas diferenças, e como elas existem entre técnicos e atletas, Ary sempre foi um estrategista. Em determinado momento de um Brasileiro, estava tomando "chá de pinho" (40 min no banco). Mas em um jogo contra o Flamengo no Rio de Janeiro o Ary me colocou e em 20 min de partida anotei 25 pts. O problema foi que acabei tomando falta técnica e sendo punido com 5 faltas (nossa equipe já estava minimizada por lesões). Foi uma explosão do Ary, que partiu em minha direção num ataque de fúria, sendo contido pelo colega norte-americano Marvin – tudo isto ao vivo pela SpotTv. Foi uma semana difícil de trabalho, muitas pessoas tomaram partidos diferentes e precisávamos jogar a última partida do turno contra Joinville na casa dele. Ary, por ter perdido alguns jogadores por lesão, acabou me escalando como titular.

Nunca tive tanta diarreia e nervosismo antes de uma partida, mas acabamos ganhando lá dentro, terminando o 1º turno em 1º lugar e Ary, numa das cruzadas dentro do vestiário, me disse que "existem jogadores que na hora do funil acabam caindo para fora, outros fazem questão de entrar e demonstram quem são". Jamais irei esquecer estas palavras do mestre.

Na histórica final do título nacional do nosso Corinthians em 94, uma falta técnica foi marcada para nossa equipe e um dos diretores imediatamente indagou o Ary: "Quem vai bater?". E Ary respondeu: "Bate você, que é o diretor do time". Era engraçado, também, quando, em entrevistas, chamavam-no de treinador. Ele dizia que treinador era de cavalo. Que ele, Ary Vidal, era técnico.

Ary ressuscitou o exército brancaleone, fazendo com que cada atleta encarnasse um dos 12 condenados para a absolvição. Ary era psicólogo, Ary era estrategista, Ary era cômico, Ary era o próprio basquete. Depois de 3 dias que atingimos a maior façanha do basquete brasileiro (vencer aquele Nacional de 1994), conversando com ele, comparei as condições do jeito que fomos para a final, jogadores machucados, cansados, revertendo um plalyoff de 0-2 e tudo mais. Ele respirou, me olhou e disse: "Cruxen, a história não conta como foi, mas sim quem foi".

Que Ary descanse em paz, que sua estrela continue a brilhar sempre forte e que, de onde ele estiver, tenha certeza que ele influenciou a vida de muitos atletas – inclusive a minha. Obrigado, Ary!".

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