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Uma justa homenagem a um gênio do esporte brasileiro chamado Ary Ventura Vidal

Fábio Balassiano

29/01/2013 00h01

Como você deve saber, Ary Ventura Vidal faleceu na madrugada desta segunda-feira (por uma dessas coincidências da vida, ele nos deixou no dia em que duas de suas ex-equipes, Flamengo e Uberlândia, se enfrentariam pelo NBB). Aos 77 anos, um dos maiores técnicos brasileiros de todos os tempos deixa um legado, uma história, um currículo não só de resultados (ele foi o técnico das duas grandes últimas conquistas da modalidade masculina – o ouro no Pan-1987 e o bronze no Mundial das Filipinas em 1978), mas de sabedoria e de valores que não se vê muito por aí hoje em dia.

Não vou escrever sobre basquete, sobre o jogo que Ary tanto defendia (releia um pouco aqui), simplesmente porque acredito ser desnecessário falar sobre uma biografia tão rica, tão linda de maneira tão ruim, em frangalhos, como estou agora (não sei se escrevi um texto tão triste quanto este, sinceramente), então vou aproveitar para contar algumas histórias que eu vi ou ouvi Vidal me contar em uma de nossas voltas dos ginásios aqui do Rio de Janeiro (como disse no twitter ontem, quando voltava com ele de carro torcia para os sinais estarem fechados, para estar trânsito no RJ, para que as aulas durassem mais tempo). Posso garantir que o lado humano, o do cara cuja integridadade era inabalável, era tão bom ou melhor que o Ary técnico – se é que isso é possível.

O ESPORRO EM CRUXEN
Ary Vidal dirigiu o Corinthians, de Santa Cruz do Sul (RS), por muitas temporadas, sagrando-se campeão Nacional em 1994. Em um jogo aqui no Rio de Janeiro, no ginásio do Grajaú, se não me engano contra o Flamengo, Ary se irritou bizarramente com o ala Cruxen. Em um tempo, não se dirigiu aos seus 11 atletas, mas apenas a Cruxen. Gritou, esperneou, literalmente sacudiu o rapaz, que, impassível, só abaixou a cabeça e sentou no banco. Depois do banho, vi Cruxen voltando abraçado a Ary. Sem entender nada, alguém gritou da arquibancada: "Tá maluco, rapaz, esse cara te deu uma bronca daquelas e você sai abraçado a ele?". Antes de Cruxen, Ary soltou: "Eu amo ele e posso gritar. Se eu não amasse, teria mandado embora pra casa. Mas, ao contrário, tentei ensinar como realmente queria que tivesse feito", afirmou, dando um beijo em Cruxen na frente de todo mundo. Foi aplaudido por quem ainda estava no ginásio.

MINHA REPORTAGEM NA REVISTA DA ESPN
Em junho do ano passado, publiquei uma reportagem sobre a pífia situação financeira da Confederação Brasileira (relembre aqui). Na época de recolher depoimentos, liguei pra um, pra outro e acabei lembrando do Ary. Quando tocou o telefone em sua casa, percebi que havia cometido um engano. Já falando com dificuldade, ele não se negou a falar (pelo contrário, foi sincero pacas, soltando algumas verdades que eu, você e meio mundo sabemos mas não podemos escrever por aí), mas vi que ele não estava em suas perfeitas condições. Decidi, obviamente, não publicar suas palavras. Quando o encontrei em um jogo depois de a matéria ser divulgada, ele me puxou e disse: "Comprei a Revista por sua causa, rapaz", disse-me, e antes de eu poder pensar que levaria uma bronca digna de Cruxen por não tê-lo colocado no material ele emendou: "Ficou excelente, excelente. Se você colocasse qualquer palavra minha, estragava o material", afirmou gargalhando.

O PIVÔ QUE CHUTAVA DE TRÊS SEM PARAR
Ary Vidal voltou ao Flamengo no NBB1 não como técnico, mas sim como Coordenador (função que seu amigo João Henrique Areias o colocou). Em um dos jogos no Maracanãzinho, sentei ao seu lado. Vimos o jogo, conversamos muito, bebemos um ótimo matte gelado (ele era dos meus) e assistíamos a tudo – reclamando, claro. No meio do segundo tempo, com o Flamengo vencendo facilmente, o pivô do time (em atividade, por isso prefiro ocultar o nome) arrisca uma de três. Bico. Um minuto depois, outra vez de longe – nem aro deu. Terceiro ataque seguido, e o cincão perde a linha: atira de longe, e erra de novo. Seu técnico não fez nada, mas Ary, visivelmente incomodado, só balançava a cabeça. Provoquei o mestre perguntando: "O que você faria se fosse jogador seu, hein?". Ele virou, enfurecido, e berrou: "EU MATAVA ELE". E rimos muito.

O LIVRO DE ARY VIDAL
Fino, inteligente, dono de cultura invejável (apreciava música brasileira e conhecia pacas do assunto), Ary Vidal escreveu um livro chamado "Basquetebol para Vencedores". Um dia levei a obra (procure e compre em um Sebo, vai valer a pena, eu garanto) para um autógrafo. Disse, claro, que gostei muito do livro, pois não tinha visto, ao vivo, a conquista do Pan-Americano de 1987 e nem sabia de toda a sua históri. Ary me olhou, e disse rindo: "Quem lê isso tudo até acredita que fui bom técnico, né", disse-me dando uma de suas conhecidas piscadas de olho.

O SUMIÇO DO MASCOTE NO PERU
Pouca gente sabe, mas Ary Ventura Vidal é ídolo no Peru. Foi lá que em 1977 ele aceitou dirigir a seleção feminina no Sul-Americano que seria realizado em Lima, capital do país. Treinou as meninas por quatro, cinco meses, realizou excursões ao interior de São Paulo para ganhar experiência e garantiu ao dirigente da Confederação Peruana que chegaria no mínimo à final da competição. Para isso, teria que vencer a Argentina na semifinal em um duelo bem difícil. Mas não eram as hermanas que preocupavam suas atletas, mas sim o mascote argentino que ficava atrás da cesta. Era um coelho gordo, azul, que incomodava suas atletas. Antes do jogo, Ary viu que suas atletas suavam frio. Ele não teve dúvidas: pegou o mascote, trancou no vestiário e ordenou às suas atletas: "Agora me vençam o jogo, porque posso ser preso". Elas ganharam a semifinal da Argentina, a final do Brasil (86-81), Ary Vidal não foi preso e virou ídolo no Peru.

Ao lado de Ary eu via felicidade, alegria, intensidade, prazer ao falar, ver e sentir o basquete. Vai deixar saudade, muita saudade. Grande Mestre. De ensinamentos imensos, de palavras duras e carinhosas, dos mais belos sorrisos de reprovação que o basquete já viu. Descanse, Mestre. Sua missão foi cumprida.

Não era nada de Ary (parente, amigo, nada). Só gostava pra cacete dele. Sentiremos sua falta.

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