Feliz no Maranhão, Iziane se diz arrependida e não descarta seleção: 'Se quiserem, me ligam'
Fábio Balassiano
28/01/2013 00h20
BALA NA CESTA: Vocês estrearam neste domingo contra o Sport-PE, mas queria que você falasse sobre a competição de uma maneira mais abrangente. O que está esperando dessa edição da LBF? Dá pra pensar no título?
IZIANE: Nós entramos muito confiantes, muito mesmo. Tivemos pouco tempo pra treinar, cerca de 20 dias, estamos sem ritmo de jogo, mas aos poucos vamos pegando e evoluindo. Há grandes times, como Americana e o próprio Sport-PE, mas tenho confiança que o Maranhão Basquete pode ir longe. O time é diferente do da temporada passada, mais forte, mais experiente e sabemos do nosso valor. Tem a Chuca, a Bethânia, a Damiris, a Kelly, só menina boa. Vou ficar menos sobrecarregada.
BNC: Sobre a LBF, você não acha que o torneio é curto demais? Imagino que quando você começou a situação era bem diferente, não?
IZIANE: Ah, sim, com certeza. Eu treinava com a Paula, pra você ter uma ideia, no Osasco. Agora esse espelho é diferente, sem dúvida alguma. E o número de jogos é bem baixo também. Mas, com exceção do futebol e do vôlei, é um problema crônico do esporte brasileiro este. Quase ninguém investe em esporte por aqui. Sobre a LBF especificamente, não é o ideal, claro, mas é o que há hoje em dia. As meninas mais novas precisam aproveitar pra jogar, pra mostrar seu talento, colocar todo o talento pra fora o mais rápido possível. O nível técnico está mais alto, mas a competição está mais curta, né. Já foi um avanço termos um campeonato organizado pelos clubes, isso sem dúvida. Mas o problema do basquete brasileiro é achar que as coisas estão boas. Não estão. É preciso melhorar muito. Se acomodar só porque temos uma competição com sete clubes seria um erro. Tem que haver mais apoio, mais patrocínio à modalidade.
IZIANE: Isso sem dúvida alguma. Já vi gente falando isso, e eu concordo muito com isso. São Paulo manteve os clubes trabalhando, o que é ótimo, mas o Brasil é muito maior que São Paulo, né. O Maranhão Basquete é um fenômeno, cara. Todo jogo aqui tem festa, tem atrações pro público, são seis, sete mil pessoas no Castelinho. Em qual Estado você vê isso em jogo de basquete feminino? Nenhum, né. Todo mundo aqui quer ver o jogo, quer fazer parte da festa. Como o povo aqui é muito carente em termos de espetáculo, em termos de entretenimento, qualquer atividade nova que tenha é provável que encha o ginásio. E isso tem se refletido nas ruas. Meus amigos, que começaram jogando comigo e hoje são professores de Educação Física, dizem que a procura pelo basquete aumentou muito nas escolinhas desde que o time abriu as portas ano passado. Isso é gratificante demais pra mim, você não tem ideia de como. Ninguém joga só pra fazer ponto, mas sim para a felicidade do público. E entrar em quadra com cinco, seis mil pessoas te aplaudindo, te apoiando, gritando seu nome é uma das sensações mais incríveis que se pode ter. É lógico que é esporte, é uma competição, mas eu posso te dizer que jogando em ginásio cheio é uma diversão grande também. Ontem mesmo, além da partida, teve show com um grupo carnavalesco tradicional de São Luís, o "Os Foliões". Ou seja: não é só basquete, esporte. É esporte com show, espetáculo. E com famílias frequentando, hein. Não tem confusão, nada. É pai levando filho, mãe levando marido e filhos. Você tem que vir pra cá conhecer, pô.
IZIANE: Poxa, e muito. Quando estava na seleção ficamos sabendo que o time dela, o Ros Casares, da Espanha, estava fechando as portas. Na mesma hora eu peguei o telefone e liguei pros dirigentes aqui do Maranhão Basquete pra sugerir a contratação dela. Mas para não repetirmos os erros da temporada passada, quando tivemos que contratar jogadoras que estavam disponíveis no mercado a menos de um mês do torneio, dessa vez decidimos fechar tudo antes, bem antes. Com isso, nosso elenco já estava fechado três meses antes da LBF e quando aconteceu a situação da Érika não havia mais espaço para uma contratação do nível da Érika, que é uma jogadora de primeira linha e tem o valor que ela merece. Mas dentro de quadra é guerra, cada uma por si. Fora somos muito amigas, nos falamos sempre.
BNC: E sobre o Antonio Carlos Barbosa, contratado para auxiliar o Betinho aí no Maranhão, o que você tem a dizer? Quantos dos cabelos brancos dele têm o nome de 'Iziane'?
IZIANE: (Risos) Olha, alguns, hein, mas não muitos. Eu com ele sempre fui muito calma, tranquila, porque o Barbosa sempre me deu muita liberdade pra jogar e me conhece desde muito nova. Sabe como gosto de trabalhar, e eu sei como ele gosta também. Ele gosta de um estilo mais solto, fluído, no ataque, e é exatamente assim que eu gosto de jogar também. É um cara experiente pra caramba, e vem pra cá ajudar ao time e ao Betinho, que não tem tanta vivencia assim no basquete adulto e em competições de alto nível como é a LBF. Ele nos passa muita tranquilidade e certamente isso vai ajudar.
IZIANE: Sinto ela mais empolgada em jogar o seu primeiro nacional adulto do que ansiosa, pra te ser sincera. A Damiris é uma menina sensacional, técnica, muita disposição pra jogar e treinar e certamente está sendo preparada para assumir funções mais importantes na seleção também. Converso muito com ela sobre a WNBA também, já que ela foi escolhida pelo Minnesota Lynx e em breve pode partir pra jogar nos EUA. Emprestei livros de inglês pra ela ir estudando, e sempre faço questão de falar pra ela, quando for, tentar se impor, porque por mais que a WNBA seja uma liga internacional, a gente é sempre tratada como estrangeira por lá, não tem muito jeito.
BNC: Sobre a WNBA, você teve uma temporada complicada, demorando muito pra acertar com um clube e chegando ao Washington Mystics no meio do campeonato. Você retorna pra franquia para a próxima temporada?
IZIANE: Olha, tenho contrato de mais dois anos, mas como entrou novo técnico agora (o norte-americano Mike Thibault assumiu) eu não sei o que vai acontecer. Minha intenção é ficar por lá, mas se não rolar, tenho chance de voltar a Seattle ou ir para o Los Angeles Sparks, que agora é dirigido pela Carol Ross, que foi assistente-técnica do Atlanta enquanto eu jogava por lá. Mantivemos sempre uma ótima relação.
BNC: Pra fechar essa entrevista, queria falar sobre seleção. Você não jogou a Olimpíada de Londres porque foi cortada a menos de 10 dias da estreia, e quero saber se você ainda pensa em jogar pela seleção, principalmente na Olimpíada de 2016, que será no Rio de Janeiro.
IZIANE: Olha, eu não penso muito. Eu vivo o hoje, o presente e só analiso as coisas concretas. O fato é que eu fui cortada da seleção e não sei se ainda serei querida por eles lá. Mas é óbvio que gostaria de jogar uma Olimpíada em casa. Todo atleta sonha em jogar uma Olimpíada. Quem não gostaria de jogar uma, e em casa ainda por cima A probabilidade disso acontecer, ou seja, jogar uma Olimpíada em seu país de origem, é pequena e é lógico que eu adoraria fazer parte do time. Mas hoje não depende só de mim, né.
IZIANE: Claro que me arrependo, mas acho que houve um exagero muito grande nisso tudo. Não era pra tanto, não. Mas, claro, respeito a decisão da comissão técnica. Só me restou acatar. Não tive escolha. Paciência.
BNC: Você chegou a ligar pra Diretora Hortência ou pro técnico Luiz Claudio Tarallo depois do ocorrido, até mesmo para falar sobre uma possível volta para a seleção?
IZIANE: Não, não liguei, não. Depois daquilo tudo nunca mais falei, nunca mais liguei pra eles. Passou, passou. Não vou procurá-los. Sou muito orgulhosa, Fábio. Se eles quiserem, que me liguem para falar sobre convocação e seleção. Atenderei com maior prazer. Mas precisa saber do interesse deles. Desejo, claro, eu tenho.
BNC: Sua personalidade por vezes te atrapalha?
IZIANE: Olha, Fábio, por incrível que pareça eu hoje sou muito mais tranquila. Quando comecei na carreira eu era pior, bem pior. Mas pensa só comigo. Sou mulher, negra, nordestina, do segundo estado com o pior IDH do país, de um bairro pobre (Liberdade), de família humilde e atleta de uma modalidade sem muito apoio. Se eu não tivesse insistido, confiado muito em mim, será que teria atingido tudo o que consegui na carreira? Sei das minhas qualidades, dos meus defeitos, mas acho que meu caráter e minha perseverança me fizeram chegar onde cheguei. Não foi muito fácil, não, e tinha muita chance de dar errado. Eu precisava mostrar que poderia ser boa, que poderia ser uma jogadora respeitada. Acho que já consegui isso, e hoje não preciso mais provar nada a ninguém. Tenho mais tranquilidade para tomar as decisões, e embora ainda erre muito, aprendi demais com tudo o que já passei, com todos os erros que já cometi. Pode não parecer, para o grande público, mas eu vivo e analiso tudo. Aqui no Maranhão todo mundo me apoia, dizem que sou Cabra da Peste, que sou tinhosa, mas aqui me apoiam bastante. A única que tenta vir falar comigo é a minha mãe, Maines, que sempre que acontecem essas coisas fala: "Minha filha, não é por aí, não é bem assim. Vai com calma". Mas é coisa de mãe, não é bronca, não. Só conselho mesmo.
IZIANE: Sim, sim. Claro. Como jogadora, sem dúvida alguma. É minha referência como atleta. Outro que admiro demais é o Ayrton Senna. Outro dia vi um documentário sobre dele, e além do talento eu gostava muito da brasilidade, do lado patriota que ele sempre representou. Meu pai sempre foi apaixonado por ele, e se pudesse ter piloto mulher é capaz de ele ter me colocado pra guiar ao invés de jogar basquete, hein (risos).
BNC: Duas perguntas pra fechar: você tem algum sonho, alguma meta pra esse ano?
IZIANE: Ah, ganhar a LBF é um sonho. Fiz até promessa! Se ganharmos, vou a Aparecida do Norte cumprir a promessa e tudo. É um sonho que tenho. Já fui campeã do Nacional Feminino por Ourinhos, mas jogar aqui, em casa, no quintal de casa, é bem diferente. É meu povo, meu público, minha galera, né, e quero retribuir todo o carinho que temos recebido no ginásio e nas ruas. Parece demagogia, mas só quem joga pra essa torcida sabe o que é. Não temos futebol de primeira divisão aqui, e o basquete conseguiu unir todo mundo por uma causa, por uma conquista que é possível de acontecer. Esse ano temos um time forte e tomara que consiga realizar mais este sonho. Jogar, no primeiro ano, foi a realização de um sonho. Ser campeã jogando em São Luís seria a concretização de outro sonho. Se ganharmos, fico mais conhecida que a família Sarney aqui, hein.
BNC: Essa é mais delicada, e se você não quiser responder não precisa. O presidente da Federação Maranhense, Manoel Cid Castro, é vice-presidente da Chapa do Grego na eleição da CBB que acontece em março deste ano. Você procura se envolver com isso, ou sua praia é só a quadra e pronto?
IZIANE: Não me meto, não me envolvo com nada disso, mas o Grego esteve a semana toda aqui e viu o nosso jogo. Converso com ele, pois sempre tivemos ótima relação. Não é porque o cara é candidato da Confederação que vou fugir da conversa, né. Sobre a eleição em si, não tenho opinião formada, mas creio que para o Nordeste ter um vice-presidente da Confederação seria muito bom, seria ótimo para a região como um todo. Precisamos de apoio, de alguém que olhe pra cá, e ter uma voz atuante dentro da entidade seria bacana. Mas, como te disse, não me envolvo muito nisso. Quem ganhar ganhou e paciência.
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