‘Último romântico’ dos armadores, passador Fúlvio quer liderar São José ao título Paulista
Fábio Balassiano
22/11/2012 00h57
BALA NA CESTA: Como São José chega para esta final? Vocês têm o desfalque do Murilo, mas ao mesmo tempo vêm com confiança após bater Bauru no quinto jogo fora de casa.
FÚLVIO CHIANTIA: Acredito que quando a cabeça está boa, o corpo acompanha. Não estamos no auge da forma física, e isso é até engraçado porque estamos no segundo, terceiro mês de temporada, mas temos confiança que podemos fazer o nosso trabalho da melhor maneira possível. O Pinheiros é experiente, conta com o Paulinho, na minha opinião o melhor armador do campeonato, mas pra gente não há nada impossível de ser conquistado não, cara. Sobre o jogo de Bauru, a gente teve muita coisa extra-quadra que acabou influenciando, né. O problema da OS aqui em São José, a desclassificação que tivemos na Liga Sul-Americana e as lesões do Murilo, Dedé e Chico. Mas disse aos caras antes de viajar: "Quem não acha que pode ganhar nem entra no ônibus". E ganhamos. Playoff você joga muito com a cabeça, e talvez Bauru tenha pensado que estivéssemos mortos, meio fora da situação. Estavam todos muito eufóricos antes da partida.
FC: Ele é disparado o melhor armador do campeonato. Está com muita força e desde que anotou aquela cesta de três na Liga Sul-Americana sua confiança aumentou ainda mais. O cara é meu padrinho de casamento e tenho que falar bem, né (risos). Mas, falando sério, ele tem um estilo diferente do meu, é mais agressivo com a bola nas mãos, procura mais a cesta, busca mais os pontos do que eu, e talvez por isso eu precise demais do Ícaro nessas finais ao meu lado. O Ícaro (seu reserva) é um garoto muito bom, novo e que entrou muito bem nos playoffs sempre que precisamos dele. Ainda precisa de ritmo de jogo, e por isso eu fico perguntando sempre quando irão começar os jogos da Liga de Desenvolvimento (LDO). Falta quadra, experiência, mas tanto ele quanto o Paulinho têm horizontes brilhantes pela frente.
BNC: Você falou sobre o estilo de armação, e eu o considero um dos únicos armadores puros que o basquete brasileiro tem hoje em solo nacional. É por aí mesmo? Você se considera, digamos, o "Último Romântico" dos passes?
FC: (Risos) Boa pergunta. Tenho pensado muito sobre isso ultimamente. No Brasil, me sinto, me sinto assim mesmo. Antigamente, quando comecei, jogava pra fazer ponto e dar passe. Hoje, me sinto feliz, completo, quando dou passes para meus companheiros anotarem, ficarem em condições de fazerem cesta. É uma importância igual, e que só fui descobrir isso aos 26, 27 anos. Agora, é importante diferenciar as coisas. Estar satisfeito em ser um bom passador não me impede de pontuar. Eu faço o que o jogo mandar. Se tem uma situação que eu preciso pontuar pra ajudar minha equipe, vou pra cesta sem medo. Mas eu gosto mesmo é de dar assistência. Vejo a NBA e também noto essa tendência que você passou. Tem muito cara lá que só chuta, só chuta e não passa. Gosto do Chris Paul. Tenho um pouco de raiva do Russell Westbrook. O cara chuta demais, cara, é um absurdo. Ele tem o Kevin Durant no time e quer arremessar? Tá doido, né. Sempre fui fã do Steve Nash por isso, do Paul, desses caras que colocam os jogadores do time pra jogar. Quando os companheiros sabem que você irá procurá-los, eles se movimentam, o ataque flui e roda mais fácil. Quando se pensa em pontuar, os ataques tendem a ficar mais estáticos, pode reparar.
FC: Não acho o ideal o basquete que praticamos hoje no Brasil, isso é um fato, mas depois de velho é difícil de mudar, né. Isso é uma questão que deve ser de base, de fundamentação, de estruturação de escolinhas e de técnicos das categorias menores. Vejo que você critica, até com razão, o excesso de chutes de três pontos, mas o que falta é leitura de jogo. Quando não se entende o que se está passando em quadra, chuta-se de qualquer lugar, de qualquer distância. Quem não teve isso no infanto, no juvenil, não vai ter no adulto, não. Por isso creio que minha última temporada foi a melhor que tive como armador. Entendi melhor as situações de jogo, forcei menos arremessos e coloquei meus companheiros no jogo. Isso falta muito por aqui – entendimento de jogo.
BNC: Queria que você falasse sobre seleção brasileira. Você ainda pensa em jogar com a camisa amrela?
FC: Olha, Bala, não vou dizer que não penso mais, porque seria mentira. Mas, vamos lá. Em 2008, tive uma chance com o Moncho no Pré-Olímpico, e fui muito mal. Tomei uma decisão de ir jogar na Europa pra evoluir, e foi isso que fiz. Fui pra Itália, e depois pra Espanha com essa intenção. Voltei melhor, mas mesmo assim não fui para a Copa América de 2009. Naquele ano, o Moncho preferiu levar o Diego e o Duda, alas, e apenas o Huertas de armador principal. Fiquei muito triste, mas não desanimei. No ano seguinte, fui pro Sul-Americano e ganhamos com o João Marcelo. Fui bem, mas não fui para o Mundial de 2010 com o Rubén Magnano. Faz parte, mas o que me deixou um pouco frustrado foi quando, neste ano (2012), eu fiz uma baita temporada por São José, líder em assistências do NBB, e sequer fui lembrado pelo Magnano para a seleção principal que treinaria para as Olimpíadas. Não tive a chance sequer de brigar para estar entre os melhores, entende? Essa possibilidade me foi tirada, não me foi dada, permitida por ele. O mínimo que eu poderia, naquela situação, era ir para o Sul-Americano – e nem para isso fui lembrado. Confesso que dei uma desanimada grande, mas jamais negaria a seleção. Em qualquer situação.
FC: Concordo inteiramente com você, cara, mas enquanto não nos organizarmos nós, atletas, não teremos voz ativa. A Associação está sendo organizada pelo Giovannoni, mas ainda não saiu do papel. Não temos força, infelizmente, mas a verdade é que o que temos visto em relação a calendário é uma vergonha. A gente acaba lesionado, com menos tempo de vida útil na carreira, é desumano o negócio. O Pinheiros mesmo, com Liga Sul-Americana, Paulista e NBB, terá nove jogos em 11 dias com três bolas diferentes. Não é bacana isso, né. Nem na NBA, com aquela estrutura toda, isso acontece. Falta bom senso, falta que as entidades (ABASU, LNB e Federação) conversem, falem a mesma língua.
BNC: Concordo com você, mas é inegável que a Liga Nacional deu outra cara para o basquete nacional, não?
FC: Isso com certeza. A criação do NBB deu outra cara para o basquete, outra perspectiva para quem joga e vive de basquete por aqui. Hoje temos Jogo das Estrelas, ações sociais, uma grande parceira (a TV Globo) que nos acompanha e clubes cada vez mais estruturados. A parte de logística, transporte, quadras, já melhorou muito. Ainda temos situações ruins, como aquela de Vila Velha com a quadra toda molhada, mas já melhorou muito, muito mesmo. Quem não enxerga isso é cego. Quem poderia esperar o Larry e o Shammel no Jô Soares, pô. Do basquete, o único que ainda é conhecido é o Oscar, certo? Acho que quem vai colher muito é a geração que vem abaixo de mim, do Betinho, Mineiro, Ricardo Fischer. Nós estamos plantando, mas daqui a cinco, seis anos, estamos parando. Essa molecada é que vai aproveitar muito. O NBB veio pra ficar.
FC: Ainda não penso nisso, Bala. Tenho 31 anos, e penso em jogar mais cinco, seis anos sem problema algum. Sobre falar, eu falo mesmo. Em treino, em jogo, eu canso de falar, de dar esporro, de trocar ideia com os caras que jogam comigo. Tento explicar aos mais jovens como e por que fazer uma determinada jogada, um bloqueio, um passe diferente. Vejo os mais novos com muita vontade, mas sem muita noção de fundamentos e de como fazer jogadas na quadra. Por isso eu bato tanto na tecla da LDO, de sua importância para o basquete brasileiro. Quanto mais essa meninada jogar, melhor. E menos eu vou precisar falar com eles (risos).
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