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Bala na Cesta

Magic Paula: "O basquete brasileiro parou no tempo"

Fábio Balassiano

19/07/2019 06h00

Está no ar uma das novidades do Bala na Cesta para essa temporada. Os assinantes do blog têm a chance de entrevistar seus ídolos. Eles escolhem o entrevistado, enviam as (excelentes) perguntas e pronto. Começamos com um papo incrível com Magic Paula! Mais informações sobre a assinatura aqui.

Um dos maiores nomes do basquete, Paula, campeã mundial em 1994, medalha de prata em 1996 na Olimpíada de Atlanta, ouro no Pan-Americano de 1991 em Cuba e uma das melhores jogadoras de todos os tempos é a primeira entrevistada dos assinantes.

A uma semana do começo do Pan-Americano de Lima, no Peru, ela falou como sempre de forma bem sincera e clara sobre formação de jogadores, situação atual do basquete, as conquistas com a geração mais vitoriosa do basquete feminino nacional, política e muito mais.

Fernando Domingos Bernardes: Quanto você atribui do mérito do título Mundial de 1994 para o staff técnico da comissão e quanto para o staff do período de formação do grupo, desde o Pan até lá? O quanto figuras como Maria Helena Cardoso, a técnica que formou quase todas as jogadoras dessa geração, e também atletas que não foram ao Mundial como Vania, Vanira, Marta, Branca, entre outras, foram fundamentais para que vocês vencessem na Austrália? Existe essa relação ou não?
MAGIC PAULA: Eu não gosto de pensar em conquistas pontualmente. O contexto que todo mundo se envolveu, tanto clubes, como jogadoras, há uma visão um pouco mais ampla sobre o que poderia acontecer pra gente foi feito. Sempre digo que as 12 jogadoras que estavam lá naquele momento estavam representando a seleção, mas que todos que nos ajudaram subiram ao pódio com a gente. Desde comissões técnicas anteriores, jogadoras, vejo um mérito muito grande dessa consciência dessa turma toda. É uma conquista de equipe. Neste momento da conquista do título mundial a gente estava recebendo uma nova comissão técnica, uma comissão até então inexperiente e a gente acabou acolhendo, abraçando, houve uma sintonia muito grande. Todos sabiam qual era o papel de cada um, houve uma humildade muito grande por parte da comissão de se abrir ao diálogo, a troca, a comunicação e de deixar muito claro que estavam todos juntos pra somar e no mesmo barco. Vejo que foi um título de toda comunidade. Jamais podemos esquecer disso. Naquele momento estávamos nós 12 e a comissão técnica, mas o caminho até ali foi de muitas pessoas juntas.

Carolina Bombonatto: As crianças procuram o esporte também por conta de ídolos. Isso não acontece atualmente no basquete feminino, talvez com exceção da Érika. O quanto isso prejudica na demanda espontânea de procura das crianças do basquete, por exemplo, pro vôlei, que consegue atrair esses jovens que se inspiram em uma Sheilla, Jacqueline, Fofão, entre outras? Não te espanta que, até hoje, você e Hortência sejam tão ou mais populares que atletas que ainda estão em atividade?
PAULA: Acho que assusta bastante, sim, essa referência que tem a minha geração para os jovens quando se fala em basquete feminino. Eu acho, sim, que precisamos ter os ídolos, o espelho, pra garotada querer seguir. Imagina na conquista do futebol dos Estados Unidos agora na Copa do Mundo quantas meninas irão procurar a modalidade pra praticá-la. Aqui, infelizmente, mesmo que talvez tivesse ficado um resquício de uma geração acho que o ídolo precisa ter carisma. Onde seria feito esse trabalho? Onde a meninada iria buscar esse espelho? O buraco está bem mais embaixo, está nesse incentivo à prática do esporte, do basquete, ainda quando criança, na escola, tentar conquistar essa nova geração de outro jeito. Se a gente ficar pensando só na estrutura das equipes adultas a gente jamais vai conseguir chegar num bom patamar. Estamos longe ainda de ter alguém, e você cita a Érika, que penso ser uma jogadora que tem mais destaque fora do que no Brasil. Ela vem, disputa a LBF e volta à Europa. Não deixa muita referência, isso não é culpa dela, mas entendo que vamos ter que começar a produzir uma nova geração, que venham novos talentos, jogadores que se destaquem, que decidam jogo e que tenham carisma. E isso nessas últimas duas décadas ficou muito a desejar principalmente quando a Janeth encerra a sua carreira. Ela foi a última que tinha essa credibilidade e a paixão de quem acompanhava o basquete feminino.

Henrique Wüthrich: O que mudou no tratamento da base para que parasse de surgir novos talentos? O que era feito na sua época de jogadora que foi abandonado?
PAULA: Acho que a única coisa que mudou de verdade foi a diferença dos talentos que havia na nossa geração e que hoje está muito escasso. Porque hoje a gente não vê gestão, o pensar em uma nova geração, pensar o futuro igual na nossa época. Sem apoio, sem gestão, sem a condição ideal atualmente. Na nossa época a gente tinha muito de cobrar, de querer saber, de exigir, de pedir melhoria na estrutura pra melhoria da performance. Não vejo isso hoje. Vejo que a gente parou no tempo neste sentido. Lá atrás também era muito precária a questão da base. Havia os ídolos, e esses ídolos puxavam esse carro de mais gente jogando. A Janeth mesmo, que viu a gente jogando e se apaixonou. Houve uma turma que viu seus ídolos e começou a jogar, mas isso nunca foi estruturado, massificado, de ter bastante gente praticando pra gente tirar a qualidade.

Filipe Bassetto: Olhando para sua carreira, medalha de prata em Olimpíada, medalha em Pan-Americano, campeã mundial. Tudo isso pela seleção. Foram anos de títulos e ótimas atletas. Olhando pra este momento de vitórias, onde falhamos que não demos sequência? Em que momento não aproveitamos deste clima favorável? Faltou mídia, planejamento, investimento? Por que isso ocorreu? Quanto tempo será necessário para recuperar o basquete feminino?
PAULA: Isso é uma cultura do Brasil de não levar adiante quando você vive algo importante. Perdeu a geração do Guga, da Daiana dos Santos e por aí vai. Cesar Cielo… E vai perdendo porque pensamos naquele momento, não existe um olhar de planejamento, de olhar pro futuro, a longo prazo. A gente é muito imediatista. Falamos em Pan-Americano quando tem Pan no mesmo ano. Falamos de Olimpíada um ano antes e por aí vai. É cultural. Não pensam, as modalidades, no seu futuro. Acham que trocar um técnico vai mudar tudo. Ações isoladas não vão mudar nada. As pessoas não enxergam que é preciso de uma ação para ter uma reação lá no futuro. Tudo é muito feito na minha visão "nas coxas". Eu vejo que faltou tudo. Ficamos vivendo por muito tempo a conquista e faltou olhar pro que viria pela frente. Qual seria a matéria-prima que viria pra substituir aquela geração? Hoje eu vejo a forma como a Espanha trabalha o basquete feminino. Isso começou lá atrás, lá atrás. Eu fui pra lá jogar em 1990 e já se começava um trabalho de ter uma seleção permanente e não sei se você sabe mas há mais meninas jogando basquete profissionalmente na Espanha do que nos EUA. É só fazer um programa sério, um programa que envolva todos os entes da cadeia, Federações por exemplo. Eu não vejo muito sentido em termos Federações em todos os Estados do Brasil se na minha opinião quem faz basquete feminino, basquete sério, é a Federação Catarinense. É a única que faz um trabalho sério, de respeito e que vislumbra um futuro maravilhoso. Então a gente peca muito por não pensar em peças de reposição. Temos o hoje e nunca pensamos naquelas que virão. Pra que isso aconteça é preciso dar oportunidade, sair por aí, jogar muito, perder muito e no futuro começar a dar resultados. Se a gente começasse hoje um trabalho sério, organizado, longe do papel e do Power Point, a gente teria que pensar em três ou quatro ciclos olímpicos. Infelizmente.

Gabriel Tomé: Hoje, no estágio que se encontra o basquete feminino no Brasil, conquistar o que foi conquistado torna ainda mais incrível tudo o que foi feito anteriormente?
PAULA: Acho lamentável a gente ter que viver do passado, viver de falar "nossa, como a gente foi boa, como a gente era fora da curva". Acho lamentável mesmo. A gente seria mais feliz se falasse algo como "nossa, olha quantas sementes a gente plantou". Não só a nossa geração, mas as que vieram depois. Fizemos além do que se esperava. Havia muito talento, mas éramos muito disciplinadas, resilientes, não desistíamos fácil. Tanto é assim que demoramos 15 anos pra começar a ganhar alguma coisa que foi o Pan-Americano de Cuba em 1991. Era outra geração, tínhamos outros valores, o basquete pra gente era outra coisa. Era de verdade desbravar um cenário muito grande, um trajeto muito grande que a gente queria percorrer. Eu queria mesmo era hoje estar aplaudindo uma geração melhor que a nossa.

Vítor Silveira Lima Oliveira: A Atletas pelo Brasil é um excelente exemplo de engajamento político de ex-atletas, com resultados concretos na melhoria da estrutura institucional do esporte no Brasil. Ainda assim, é pouco para um país como o Brasil, especialmente em relação ao potencial da participação política dos atletas ainda em atividade, de modalidades com grande projeção midiática, cujas ações podem ter impacto para além do esporte. Como é o diálogo político com outros atletas e como você acredita que deveria ser a participação política dos atletas?
PAULA: O trabalho da Atletas é muito legal, é único no mundo. Não existe lugar no mundo que tenha 60 atletas que têm o objetivo de advogar por causas que a gente acredita. Mas a gente se esbarra demais no perfil que a gente vê em cada um dentro do próprio grupo. Isso faz parte, mas tem vezes que uma pessoa pensa de uma maneira, um caminho diferente, mas as ideias e os ideais são os mesmos. Isso pode mudar políticas públicas e temos o sentido de sermos políticos sem ser. Mobilizar através da nossa imagem algumas mudanças, mas é uma pena que tenha muita resistência. É um grupo que ainda é muito visto sobretudo pelas entidades que tocam o Brasil como pouco quisto. Eles não curtem muito. Como assim conviver com um grupo que está pensando nesse aspecto? É um processo. São mais de 10 anos, e acho que há pouca visibilidade pelo que já conquistou e pelo que já fez. O maior legado que temos é o Pacto pelo Esporte, e acho que dá pra você, Bala, dar uma googliada aí pra explicar o que é o Pacto. É uma ação importante pelo esporte do país. Fazer com que as empresas invistam apenas em entidades sérias. Acho que podia muito mais mas há uma limitação de recursos. Não pegamos nada público pra pegar a atividade do Atletas. Tem uma força, mas poderia ser mais forte, mais utilizada, mas tem vezes que ficamos sem pernas pra realizar tudo isso.

Carlos Alberto Beto Carlucho: Sinceramente, você e Hortência não poderiam ter feito mais pelo basquete feminino? Ou pelo menos gritar sobre os imensos problemas recentes da CBB?
PAULA: Sinceramente: a gente viveu também duas décadas, as que a gente está fora das quadras, com gestões temerosas, corruptas e que não tinham muito interesse que a gente estivesse ao lado e junto com eles. Em relação a brigar mais, contestar, falar mais, o que acontecia ali dentro fica complicado dizer porque a gente só pode argumentar quando são comprovadas as coisas. Não pode sair disparando e achando que somos as donas da verdade. A gente sempre soube que as coisas não andavam bem, mas não havia interesse que a gente participasse de nada. A Hortência até participou como Diretora de Seleções uma época na gestão Carlos Nunes, e fez um trabalho legal. Estava preparando a Janeth pra ser treinadora da equipe adulta, teve bons resultados, mas houve um momento que ela não conseguiu seguir junto. E isso certamente era pra ela incompatível com a forma como a gente pensa. Nessa gestão do Guy Peixoto creio que a gente poderia estar mais próximo, mais junto, mas eu entendo que a limitação financeira, as dívidas, o saldo negativo que o Nunes deixou, atrapalha demais nesse sentido. Você pode planejar, vislumbrar, pensar em ações futuras, mas sem grana é muito difícil trabalhar. Estamos e sempre estivemos prontas para ajudar no que for possível, mas infelizmente houve durante duas décadas o comando da entidade máxima (CBB) era de pessoas que na verdade não tinham a minha confiança. Eu não sei, talvez você não acompanhe muito, mas eu já bati muito, bati bastante. Hoje estou mais light, mais leve, porque percebi que você fica em um deserto gritando por água sozinha. O próprio basquete é muito desunido. Cada um olha pro seu umbigo. Está se afundando, mas ninguém faz nada em conjunto. Cansei de ser uma voz solitária nisso tudo.

Adriano Minghini: Como você vê a discrepância e qual a causa disso, entre valores do masculino e feminino, seja em salários, premiações, espaço de televisão e etc?
PAULA: Eu vejo um caminho muito longo a ser percorrido. Não dá pra pedir de uma hora pra outra equiparação de salário e nem visibilidade. O esporte feminino já cresceu muito, embora todos saibamos que do espaço para caminhar ainda. O resultado dessa discrepância de salários é a visibilidade que o masculino ainda tem, ainda muito maior. O esporte foi feito para o homem, a gestão esportiva, as pessoas que comandam, são quase todos homens que têm a mentalidade do esporte masculino. A luta tem que continuar, embora torça para as coisas mudarem. Não vai ser de uma hora pra outra. Lembro que na época da nossa geração a gente ganhava igual ou mais que os meninos. A gente tinha vitórias consistentes pela seleção, lotava ginásios. Uma coisa é associada a outra. Temos que ter paciência e não querer as coisas a fórceps, de uma maneira brusca, forçada. É conquistado com capacidade, visibilidade, bons espetáculos. Foi o que vimos agora na Copa de futebol feminino. Todo mundo assistiu. Eram jogos bonitos e isso faz com que a modalidade cresça. É isso que precisa acontecer.

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