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Bala na Cesta

Passional, planejado e premiado: o que pensa Leo Figueiró, técnico do Botafogo eleito o melhor do NBB

Fábio Balassiano

16/07/2019 00h02

Aos 44 anos, Leo Figueiró tem uma história incrível no basquete. Quase toda ela ligada ao Botafogo com o qual foi quarto lugar no último NBB após campanha surpreendente e emocionante. Foi formado nas categorias de base do clube, rodou, tornou-se assistente técnico em Rio Claro e Caxias do Sul para, na temporada passada, retornar ao alvinegro como treinador principal. E que temporada.

Com um estilo que mistura ótima gestão de grupo, planejamento, estudo e muita emoção, Leo, casado com Joana e pai de Manuella e João Gabriel, foi um dos destaques da campanha da equipe carioca, que já sonha alto visando a temporada 2019/2020.

Em sua primeira temporada como técnico principal, Leo foi eleito o melhor do NBB em 2018/2019 e conversou longamente com o blog sobre sua carreira, influências, passado, futuro, relação com o Botafogo pelo qual atuou como jogador na década de 90 e também com a torcida, onde é um dos ídolos.

BALA NA CESTA: Antes de falar da sua carreira de técnico, me lembro você de jogando no Botafogo e Flamengo. Depois você passou por alguns clubes e começou sua carreira de assistente técnico. Foi algo planejado?
LEO FIGUEIRÓ: Mais ou menos planejado. Joguei no Botafogo, Flamengo, Caxias do Sul, depois times de menor expressão, no Chile também. Então meu filho João nasceu e eu estava lá, minha mulher aqui, falei que não queria mais isso e comecei a planejar o meu final de carreira. Apareceu o Rio Claro e foi exatamente o que eu queria. Uma cidade pequena, onde eu poderia jogar e estudar. No final da carreira, ali em 2012, acabei torcendo o joelho e houve uma situação engraçada. O doutor fazia o exame clinico e falava: "Você tem um problema de menisco, só isso". Mas a ressonância indicava ligamento cruzado anterior. Então o pessoal de Rio Claro falou: "Leo, 38 anos, cirurgia de ligamento cruzado, acabou a carreira". Já estava me formando e acabei fazendo essa transição para trabalhar de assistente no Sub-17 e Sub-19. Quando fui pra operação tomei a anestesia, veio o Doutor Markoto e me disse: "Eu disse, não era cruzado. Apenas menisco mesmo". Se eu entrasse na cirurgia sabendo que era menisco provavelmente não tinha parado de jogar. O parar de jogar foi muito decorrente ao diagnóstico da ressonância. Rio Claro abriu essa porta do Sub-17, em seguida do Sub-19. E nisso tudo teve a Liga de Basquete Feminino, na qual fui técnico em 2013/2014 com muito orgulho. Em 2015, na base masculina, a gente conseguiu levar o time meio desacreditado à final do Paulista e fui eleito o melhor técnico da categoria sub-19. Ai já fui pro adulto ganhando mais espaço como assistente, depois ganhei mais espaço com o Chuí de técnico. Ele foi um cara que abriu a porta pra eu ser assistente dele em Rio Claro. É difícil ver alguém que fale mal do Chuí.

BNC: E agora você está com o Cauê filho dele, né?
LEO FIGUEIRÓ: Exatamente, coisas da vida. O Chui é um cara que sempre me passava coisas a mais, vinha com um livro ou com uma matéria. Falando "Leia isso, leia…". Então foi um cara que sempre me deu estímulo de ler coisas novas, de estudar, de entender. Sempre gostei dessa forma de sistemas abertos, ele gostava muito também do triângulo (Sistema de jogo famoso no Chicago Bulls de Micael Jordan). Ele sempre me passava isso pra estudar. Aí o Chui saiu, voltou o Marcelo Damião, ele saiu e veio o Dedé Barbosa. E eu tenho uma história muito interessante com o Dedé.

BNC: Desde a infância…
LEO FIGUEIRÓ: Isso, desde infância. Foi um terreno totalmente conhecido pra mim. O Dedé sempre me estimulou, até por ser mais próximo ele me cobrava mais. Questão de vídeo, edição. Ele me ajudou muito a me desenvolver, e também foi um cara que chegou em mim em 2015 e falou que ia ter um curso. Ele disse que eu não estava pronto pra tudo que ia ter, mas eu tinha que ir. Era no San Antonio com o Gregg Popovich. Ele disse: "Se vira do seu jeito, você tem que ir". Eu não tinha um real no bolso pra ir, mas tinha que ir de todo jeito. Então fui em um empresário amigo meu em Rio Claro, expliquei a situação e pedi ajuda pra ele. Ele falou: "Que maneiro! Vou te ajudar! Vou te pagar e depois você vai dar umas aulas na escolinha onde meu filho estuda". São coisas que só Deus faz, fui para os Estados Unidos sem um real na carteira e ainda voltei pra casa com 30 dólares. Não tinha dinheiro pro passaporte, visto e nem pra comer lá. Ele me ajudou em tudo.

BNC: Como é o nome desse empresário?
LEO FIGUEIRÓ: É o Emerson Nogueira. Não sei se ele vai gostar que coloque o nome dele, mas nesse último time do Rio Claro foi até ele que conseguiu o Renata para patrocinar. Agradeço a ele constantemente. Foi coisa de Deus mesmo! Foi algo muito significativo por ver tudo aquilo funcionando, aquilo é mágico. Principalmente no San Antonio, aquilo é mágico. O que o Popovich proporciona, você vê os caras felizes por estarem lá. É meio difícil crer, né? Porque a gente vê um cara carrancudo. Mas ele lá conversa com todos. Essa forma de gerir foi muito impactante pra gente, todos se sentirem pertencentes. Então os 10, 11 dias que passamos lá foi uma chave que virou pra gente perceber um novo conceito de basquete, de gerir o grupo. Ele tem um assistente que eu o via feliz de estar ali como auxiliar, algo raro. Então é uma borrachinha, apaga tudo que a gente viu e faz de novo. O San Antonio é uma filosofia, entra e sai jogador e continua vitorioso. Esse caminho é chave.

Só que aí o Rio Claro entrou no famoso "entra e sai de prefeito", o prefeito novo não queria o time. Foi uma pena, o time pronto pra decolar, ginásio lotado… A gente ficou meio sem chão, tinha meu time sub-19 e sub-22. Falaram: "Você tem uma semana pra mandar os moleques embora". E não eram meus jogadores, eram como meus filhos. Eu tinha 20 filhos lá, foi horrível aquilo pra mim, até pra minha saúde foi ruim. Quando acabou o Rio Claro, pintaram duas propostas, uma do Botafogo pra ser assistente do Marcio Andrade e coordenador das categorias de base e o outro era o Contagem pra eu ser técnico. Eu estava mais inclinado pra ir pro Botafogo, mas a gente não chegou a um acordo financeiro, pois o custo de vida no Rio de Janeiro é muito caro e o que eles estavam me oferecendo não ia ter condição nenhuma de morar no Rio. Então fui para Contagem. Aquele sonho de subir para a elite, né? Começamos muito bem, a aceitação do trabalho foi bacana. Mas de novo tivemos problema com patrocínio, terminamos a temporada mal, com atraso de salário. Salários que já não são grandes e você ainda atrasa. Fica complicado. Fomos até a semifinal, perdemos para o Joinville o quinto jogo.

BNC: Joinville que veio pra final contra o Botafogo e perdeu a final de 3 a 2.
LEO FIGUEIRÓ: Exatamente. Depois disso voltei pra Rio Claro muito decepcionado. Deixei minha mulher seis meses em Rio Claro com dois filhos. A Joana com a Manuella e o João Gabriel, deixei seis meses eles lá e voltei sem emprego, sem salário e sem o título. Foi muito frustrante. Pra quem é casado sabe o que é crise financeira, a gente sofreu até uma crise conjugal.

BNC: Tem uma hora que a conta chega, né?
LÉO FIGUEIRÓ: Sim. Ela falava: "Caramba, vai ser técnico até quando? Essa brincadeira. Você fica longe, não vem dinheiro, não vem nada". Aí como eu sou concursado na prefeitura de Rio Claro naquela hora pensei em parar e voltar para minha matrícula do município e virar professor. E aí quando se fala que todo homem tem uma grande mulher ao lado é porque é verdade mesmo. Ela tinha todos os motivos do mundo pra dizer que sim, mas falou: "Cara, você não vai voltar pra escola, não. Se você fizer isso você vai ter um treco e vai morrer, você gosta de estar na quadra". E ela é coach, trabalha com desenvolvimento pessoal, e aí emendou: "Vamos fazer o seguinte: Eu não vou poder fazer um processo de coaching com você porque sou sua esposa e sou muito próxima, mas tem uma pessoa de confiança minha que vai fazer pra você". Então ela pagou pra mim um processo de coaching pra ter mais clareza do que estava acontecendo com a minha vida. Ela me apresentou a Flavia Tavernari, que é uma coaching brasileira que mora em Dublin e fizemos online. E o processo foi muito bom pra esclarecer as metas que queria. Em um ano bati tudo que tínhamos planejado.

BNC: Aí entra Caxias do Sul na história, certo?
LÉO FIGUEIRÓ: Sim. O Rodrigo Barbosa já tinha me ligado do Caxias e falou que queria que fosse pra lá trabalhar com ele. Eu me dava muito bem com ele porque joguei lá em final de carreira, ele é um cara fantástico lá de Caxias do Sul. Uma pena o time ter saído do NBB. Aquela cidade é maravilhosa, a torcida apaixonada por basquete, as pessoas que gerem o basquete lá são pessoas seríssimas. E justamente por serem sérios o Rodrigo me falou que só ia me confirmar quando tivesse dinheiro. E isso foi no ano que fiz 15 anos de casados com a Joana. A gente tinha combinado de viajar. Ela queria fazer um cruzeiro, e eu falei: "Quer ver que quando a gente entrar no cruzeiro esse cara vai me ligar?". Não deu outra, eu entrei no Cruzeiro o Rodrigo me ligou. Eu falei que ótimo, mas agora espera que eu estou viajando. Fui pra Caxias, já tinha um sentimento que até confidenciei pra minha esposa. Falei Joana que a gente estava indo pra Caxias e meu sentimento é que a gente não ficaria lá.

BNC: Isso foi temporada 17-18, né?
LEO FIGUEIRÓ: Isso. Eu falei que tinha a intuição que ia pra lá, mas não ia ficar lá. A gente foi e as coisas começaram acontecer. Eu falei pro pessoal: "Estou chegando aqui pra gente fazer algo diferente, especial, porque se não, não vale a pena". Porque minha família a princópio ficou em Rio Claro e deixar minha família só pra ganhar um dinheirinho eu não queria. E foi um grupo que vestiu a camisa, foi lindo o que a gente construiu lá. E quando a gente ganhou o último jogo lá contra o Botafogo nos playoffs o Glaucio Cruz, que jogou comigo na categoria de base do clube, me disse que o Marcio não iria continuar de técnico no Botafogo. Questionou se queria voltar. Disse que queria conversa, vim pro Rio, sentei com ele e com o Alexandre Brito (vice presidente de esportes) e a gente fechou uma proposta visando o Botafogo voltar a ser forte, montar um time competitivo, mostrar a cara no basquete de novo. A gente conversou sobre elenco, porque não adiantava nada eu voltar pra lá com a história que eu tive sem ter um bom elenco. Então fomos muito criteriosos com o elenco com jogadores de muito potencial, sem terem estourado e ainda com vontade de mostrar algo a mais. O Cauê (Borges), filho do Chuí e com quem havia treinado em Caxias do Sul, foi um nome que bati logo de cara.

BNC: Antes da gente entrar no Botafogo, vamos falar sobre a sua esposa. Eu te acompanho bastante pelas redes sociais, a gente troca uma ideia no WhatsApp e eu vejo que vocês têm uma relação muito forte. Não é só uma relação de casal, porque a gente vê casais com relação fria e vejo que a relação de vocês é muito forte. Como foi a relação de vocês nessa caminhada e a relação com seus filhos, porque também sou pai agora e quando eu fico dois dias fora de casa já é difícil. E você ficou muito tempo, certamente ela segurou todas as barras.
LEO FIGUEIRÓ: No meu caso é até injusto eu pegar o troféu de melhor treinador do ano e ela não subir junto no palco. Porque se estou aqui hoje o papel dela foi fundamental em todos os momentos. A Joana passou o luxo, o lixo… Todos os momentos do meu lado. Então é uma relação muito forte. A personalidade dela é muito forte, então o que ela tem pra falar pra mim ela fala, o que ela tem que corrigir da minha atitude também. Como ela trabalha como coach e gestão de pessoas fica fácil. O meu trato com os jogadores, o que ela tem que fazer uma ressalva ela faz. Então é uma parceria muito grande, dela comigo e também eu com ela, a gente tenta impulsionar um ao outro. O casal se fortalece quando você tem planos em conjunto, planos compartilhados. E a gente divide planos com relação a várias coisas e ela realmente foi a retaguarda várias vezes. Ela apostou na minha carreira. Nos momentos ruins, acho que a maioria das esposas ia falar: "Volta, arruma outro emprego que isso não tá dando certo". Mas ela disse: "Não pensa nisso porque isso vai te matar". E ela nem sabia bem o que ela estava falando. Como ela trabalha com desenvolvimento humano eu tenho o luxo de ter uma sessão de coach por noite (risos). A gente conversa muito sobre gestão de pessoas e características de personalidade.

BNC: Tem uma questão interessante, eu lembro de você jogando e as vezes eu falo que você me lembrava muito o Draymond Green na quadra.
LEO FIGUEIRÓ: Tampava as brechas, né?

BNC: Você era o líder naquele time do Botafogo que tinha Arnaldinho, Marcelinho, Alexey, um dos que eu mais acompanhei aqui. E como é com você hoje, com a Joana que tem que te ajudar uma racionalidade no pensamento. Por que o técnico não pode ser tão emocional assim, né?
LEO FIGUEIRÓ: Com certeza. Na verdade a gente tem que focar nas metas, nos objetivos. Mas eu não posso perder a minha identidade. É aquele negócio: a energia que eu tenho que passar eles têm que sentir, mas internamente tenho que estar controlado. Sempre pensando e conversando com os auxiliares, mudando estratégias, a escalação do time. O tempo inteiro tentando confrontar o adversário, mas ao mesmo tempo gosto de transmitir essa energia pra eles porque isso gera engajamento, gera compromisso, mais energia pra eles, faz eles sentirem que eu estou com eles em todos os momentos. Acho muito importante para o jogador. Como ex-atleta eu me sentiria bem. Então eu parto do principio que eu gostaria como jogador que o meu técnico tivesse essa pegada. Não só nos momentos bons, mas principalmente nos ruins. É uma identidade, eu não abro mão. Mas logicamente isso não pode passar do ponto.

BNC: Agora entrando no Botafogo, enfim. Desculpe a demora (risos). Você chegou ao time e algo que me chamou a atenção é que a montagem do elenco foi pinçada, muito criteriosa. E eu fiz uma entrevista com o Anderson Varejão na semifinal do NBB e ele disse: "Vocês estão surpresos com o Botafogo? No estadual a gente já via que eles tinham potencial". Faltava um encaixe ou outro, mas tinha uma ciência, uma consistência por trás. Então: o que você pensou na montagem do elenco?
LEO FIGUEIRÓ: Caráter, grupo, caras bons de grupo. Porque se a gente não tem os melhores jogadores, a gente tem que compensar essa "debilidade técnica e física" em um grupo forte. Teve jogadores que, por exemplo, eu preferi não trazer porque sabia que tinha uma rusga com um ou outro e poderia dar problema. Tudo isso foi para a balança. Também trazer jogadores que pudessem fazer mais de uma função. E uma peça chave foi o Arthur Bernardi. Já sabia que precisava dele dentro do sistema que eu jogo de um cara como ele, versátil, que joga dentro e fora, abrindo e espaçando a quadra. E abrindo espaço para o Cauê e o Jamaal. E aí uma surpresa foi também mais um 4 que apareceu muito bem, o Diego Conceição, que foi muito bem, merecidíssimo ele estar na lista dos jogadores que mais evoluíram. Foi uma grata surpresa que encaixou direitinho naquilo que eu penso de um jogador 3 e 4. O Ralf Ansaloni também começou muito bem, metendo muita bola. O Maique começou oscilando, mas depois cresceu demais. A gente ligava pra ex-técnico, ex-clube, perguntava o histórico e fomos montando esse grupo. O trabalho do treinador não aparece se os jogadores não comprarem a ideia.

BNC: Você é um vendedor, certo?
LEO FIGUEIRÓ: Eu falo pra eles: "Vocês que executam, eu só estou aqui para ajudar". Eles compraram essa ideia e eu até falei isso em outra entrevista. A gente conversou aqui nessa sala de imprensa onde estamos e no olho você consegue ver quem tá e quem não tá te dando crédito. Eles começaram a acreditar no que eu estava falando. Que poderíamos brigar entre os 4, porque a meta inicial era colocar o Botafogo em uma competição internacional. Então desde o primeiro dia o objetivo era ficar entre os 6 primeiros. E eles acreditaram nisso, quando chegou no jogo 5 do Pinheiros pelas quartas-de-final eles não precisavam mais acreditar em mim, eles já estavam confiantes no que eles podiam fazer, de onde eles podiam chegar. Então se você pensar o Flamengo foi campeão e nós perdemos o primeiro jogo das semifinais pra eles aqui por dois pontos e ganhamos o terceiro. Se a gente tivesse ganho o primeiro poderia ter sido outra história, mas como o "se" não entra na quadra não dá pra pensar dessa forma. Só sei que entrávamos em quadra sabendo que poderíamos vencer qualquer equipe.

BNC: Vamos ser sinceros, o Jamaal não era um dos seus favoritos pra jogar nesse elenco e você o conquistou.
LEO FIGUEIRÓ: Na verdade, não era ele ser ou não meu favorito, era saber se ele ia se adaptar a um sistema mais coletivo, se ele saberia fazer a bola rodar e saber usar o potencial dele na hora certa. Isso eu não sabia, porque eu nunca tinha trabalhado com ele. Mas desde o primeiro dia ele nunca se negou a buscar fazer o combinado. Foi algo muito bacana, porque foi um cara que foi firme. A gente teve nossos problemas, o que é normal. Mas ele nunca se negou a tentar fazer.

BNC: Alguns pontos chaves da temporada passada pra gente vir pra essa temporada. O Botafogo teve um jogo aqui na abertura contra Joinville e perdeu. Estava aqui no ginásio e pensei: "Não é possível". Aí foram pra Franca e pensei: vão perder em Franca. Mas ganharam, foi o único jogo que Franca perdeu no Pedrocão até a final. Como foi essa temporada regular, foi mais irregular do que você imaginava ou era esperado?
LEO FIGUEIRÓ: Perder pro Joinville não estava com nosso script com todo respeito. Quando fomos para Franca eu falei pro elenco: "A gente não tá perto do nosso máximo, mas a gente precisa dar uma resposta agora, hoje". Se o jogo fosse no ginásio do Golden State a gente precisava dar uma resposta. Porque foi criada uma expectativa, uma questão do Carioca que a gente jogou bem no último jogo contra o Flamengo. Quando a gente perdeu pro Joinville foi normal aquela desconfiança, aquele silêncio. E os caras foram muito firmes e conseguimos uma vitória muito importante, muito firme, os caras foram muito importantes no que tinha que fazer, uma vitória que deu moral de novo. Mas essa questão da irregularidade eu bato muito no ponto das lesões. O Coelho contra Joinville com três minutos de jogo foi dali pra cirurgia. Depois o Mogi teve um estiramento grau 2 e começamos a perder o time, aí que a gente deu uma balançada. Independente das ausências, a gente ia sempre pro jogo. A gente conseguiu algumas vitórias significativas com desfalques relevantes. Sempre foi uma equipe muito determinada, um grupo muito gostoso de trabalhar.

BNC: Vieram os playoffs, vocês passaram tranquilo pelas oitavas, com todo respeito a São José. Mas veio o jogo 5 chave contra o Pinheiros, que não digo que foi um alívio, mas um extravasar de emoções, né?
LEO FIGUEIRÓ: Ali foi como se a gente tivesse conquistado a meta principal, o Botafogo estar na Sul Americana. Eu até me emocionei um pouco, foi ver o prêmio deles, o Coelho chorando depois da temporada que o cara fez, o Arthur que estava oscilando muito, uns acreditavam, outros não e ele decidiu o jogo no final, o Jamaal vibrando e abraçando os caras, uma torcida, a Sampa Fogo, que encheu o ginásio do Pinheiros, um déjà vu do time que eu joguei que foi terceiro lugar no Nacional lá atrás. Um mix de emoção com aquela coisa de dever cumprido que a gente voltou pro trilho. Porque foi um gap, quem viveu aquela história de 2001 via que era um time promissor cheio de novos talentos, Marcelinho já arrebentando, Arnaldo bem pra caramba, jovens cheio de gás e foi uma parada abrupta. A gente planejando o time pra Sul Americana acabou o time, mudou a presidência e acabou. A gente tinha muita identificação com a torcida aquela época, éramos os "Leões Indomáveis", tinha bandeira, tudo mais e essa relação que a gente construiu de novo foi algo que já tinha. Então foi um sentimento de algo que voltou para o trilho e não devia nem ter saído.

BNC: E essa sua relação tua com o Botafogo ela é visceral. Você começou aqui com quantos anos?
LEO FIGUEIRÓ: Com 13 anos e agora estou com 44.

BNC: É uma história linda…
LEO FIGUEIRÓ: Em todo clube de futebol as coisas não são eternas e treinador de basquete é minha profissão. Gostaria de ter vida longa no Botafogo, mas sei que é uma utopia, as coisas não são assim. Muda presidente ou falta patrocínio, então não me apego muito a essa coisa. Mas eu me sinto um privilegiado. E quando eu retornei pra cá que eu tive ideia que o que a gente fez em 2001 foi gigante. Muita gente me fala detalhes daquele time, que estava na semifinal contra o Vasco no Tijuca e aí fomos para a final contra o Flamengo, um carinho muito grande. Você vê que marcou a vida dos caras. Essa minha volta foi bacana nesse sentido e na primeira temporada já tem essa conquista de novo é um privilegio.

BNC: E Vocês vão para a semifinal contra o Flamengo e a opinião geral era que vocês entrariam como franco atiradores e tomariam 3 a 0. E a gente via na quadra que vocês entravam sem pressão por ter conquistado o objetivo, mas ao mesmo tempo pra duelar. Era um time que estava com pensamento de brigar com os caras e brigar duro.
LEO FIGUEIRÓ: Até falei pra eles no terceiro jogo, com o Flamengo vencendo de 2-0 na série: "Se a gente ligar pra casa agora é capaz da esposa ou a mãe de vocês não acreditarem que vocês vão ganhar esse jogo. As únicas pessoas que acreditam somos nós mesmos. Então é só a gente ir lá e fazer o que acredita". Eu bati muito nisso de acreditar. O Coelho falava muito, isso aqui não acaba hoje não, ele tem essa atitude pró-ativa. Jogo do Pinheiros ele falava muito assim, fica tranquilo que é nosso.
Você cresce na carreira quando você destrói o senso comum. Enquanto você não fizer isso o Zé continua Zé e o João continua João. E a gente sabia que isso ia dar o upgrade na carreira de todo mundo como deu.

BNC: Acabou o campeonato, vocês ficam na semifinal e sendo técnico calouro é coroado o técnico do ano. Como foi isso? Quem foram as suas referências como técnico? Quando você ganha, quem te mandou uma mensagem que tem emocionou?
LEO FIGUEIRÓ: Quando desci do palco chorando olhei pra Joana e lembrei de muita coisa. Muita coisa importante com ela, falei que a gente conseguiu junto e que era nosso. E de referências são muitas pessoas, mas em termos de gestão de grupo o Emmanuel Bomfim, meu ex-técnico no Botafogo, pra mim é incomparável, ele é uma referência. Assim como fiquei encantado no San Antonio, ele tinha essa qualidade também.

BNC: E olha que aquele grupo de vocês do Botafogo no começo de século…
LEO FIGUEIRÓ: Era só maluco (risos). Ele geria aquele grupo com uma maestria, ele tinha a gente na mão. Sabia a hora de apertar e afrouxar. Nas questões táticas o Chuí e o Dedé foram pessoas que irrestritamente abriram as almas deles pra mim. O Chuí tem o lado mais mental dele e o Dedé é um gênio. Ele não teve uma boa passagem no Vasco, que foi meio ruim pra ele, várias coisas aconteceram no Vasco e ficou muito na conta dele, porque ele tem muito disso de assumir e se acontece algo de errado é dele porque ele bota a cara pra bater. Mas ele é muito inteligente.

BNC: E o dia seguinte em casa, como foi?
LEO FIGUEIRÓ: Foi muito bacana, minha filha olhou pra mim surpresa e perguntou: "Você ganhou, pai? (risos)". E isso gerou uma gratidão tremenda por todos que participaram disso. E quando eu subo lá não tem como não incluir o Jece, o Pedro, toda a nossa família que trabalhou pra isso acontecer na comissão técnica. Concorrendo com o Gustavinho que entra e sai ano tá sempre ali entre os melhores, o Helinho que é sensacional. Então isso mostra que o caminho traçado é o caminho legal, isso dá força pra seguir com minhas convicções. Fico feliz, mas não me empolgo.

BNC: E nessa temporada agora o sarrafo sobe, certo?
LEO FIGUEIRÓ: Você é a terceira pessoa que me fala disso do sarrafo subir, mas isso é muito bom. Porque eu como treinador tenho que querer que o sarrafo suba cada vez mais. Nesse momento de renovação a gente tem que ser frio, não da pra tapar o sol com a peneira, tem que analisar os números. E a gente foi o segundo pior rebote.

BNC: Que é muito onde o Flamengo foi superior a Franca na final, por exemplo…
LEO FIGUEIRÓ: E nós sofremos muito nos rebote contra eles também. Nosso objetivo essa temporada é chegar na final, não dá pra fazer uma temporada dessas e não pensar em chegar na final. Teremos times muito fortes nessa temporada, mas vamos pensar em chegar a decisão. Vamos ter Carioca, Sul-Americana, NBB, quem sabe Super8.

BNC: E como é o Léo fora das quadras?
LEO FIGUEIRÓ: Gosto muito de ler livros de desenvolvimento pessoal, estou lendo um livro agora chamado "Garra". Falando sobre essa questão da pessoa que chega além, ele coloca a garra como questão determinante. Às vezes uma pessoa que tem mais garra e vontade chega mais longe do que quem tem uma melhor condição. E eu sou paizão, minha vida é trabalho e família, amo meus filhos, eles jogam basquete também. Então como eu fico muito tempo com basquete quando eu estou em casa me dedico muito a minha família, levo a Manuella de metrô na Mangueira pra treinar, levo o João na escola. Pego minha esposa, levo ela pra sair e jantar na folga. Sou muito intenso quando estou de volta, jogo Uno, Mexe-mexe, videogame com eles. Gosto da casa cheia, dos primos, dos irmãos. A família é uma instituição tão massacrada, eu vejo a família como algo fundamental.

BNC: Parece que hoje é feio você ter uma família feliz.
LEO FIGUEIRÓ: Sim, por isso eu luto pela minha família, pelo meu casamento. Fico orgulhoso do que eu consegui esse ano porque sei que isso meche diretamente com a vida dos meus filhos e da minha esposa diretamente.

BNC: Pra fechar, o que me chamou muita a atenção. Quando o Botafogo foi eliminado eu estava aqui em General Severiano e a torcida gritou o seu nome. Aí você deu uma desabada… Porque é muito raro uma torcida de futebol reconhecer alguém em uma derrota. Eu sou torcedor do Fluminense, todo mundo sabe, e vejo muito isso. E aquele jogo vocês não jogaram bem, mas a torcida estava sempre junto, não vaiou, um torcedor fez até a besteira de se exceder, jogar gelo na quadra, mas enfim. Apoiou vocês o jogo todo. Gritaram o teu nome e foi um reconhecimento não ao jogo, mas ao teu trabalho. E isso é raríssimo hein, Léo…
LEO FIGUEIRÓ: Cara, ali eles me quebraram realmente. Foi um reconhecimento de todo trabalho e entrega. Não minha apenas, mas todo time. Cumprir a meta de resgatar o orgulho do torcedor botafoguense no basquete. Eu senti que realmente a torcida comprou a ideia de novo e não tem como eu descrever um momento daquele. Perdi, fui eliminado, mas foi o momento mais bonito da minha vida quando eles gritaram meu nome depois do jogo 4 contra o Flamengo.

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