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Bala na Cesta

Paskal Siakam queria ser padre, mas mudou de ideia - conheça o camaronês que brilha na NBA

Fábio Balassiano

01/06/2019 03h17

Apenas dois jogadores na história dos playoffs da NBA conseguiram chegar a mais de 10 arremessos convertidos de forma consecutiva (sem errar) em uma mesma partida de final: Michael Jordan (13 em 1991) e Paskal Siakam, ala do Toronto que atingiu 11 tiros convertidos de forma seguida na noite de quinta-feira na abertura da série em que o seu Raptors bateu o Golden State por 118-109 graças a 32 pontos e 8 rebotes do camaronês de 25 anos. Quem olha agora, rápido, talvez não tenha noção de tudo o que o rapaz passou para chegar a maior liga de basquete do planeta.

Nascido em Douala em 2 de abril de 1994, Paskal é o irmão mais novo de uma família com quatro meninos. Nunca passou fome e nem necessidade (seu pai chegou a ser prefeito de Makénéné), e aos 11 anos foi estudar em uma escola católica. Sua aproximação à religião foi imediata e aos 14 anos Siakam informou a seus pais, Tchamo and Victorie, que gostaria de se tornar padre – decisão apoiada, aliás. A ideia não durou e um ano depois o rapaz iniciava a sua vida no esporte. O contato com o basquete demoraria um pouco, e antes da bola laranja o rapaz tentou a sorte no futebol. Não durou muito tempo como atacante e devido à altura foi direcionado ao basquete, onde aos poucos foi evoluindo.

Getty / AFP

O ano era 2011 e este pode ser considerado o momento que mudou a vida de Siakam e de toda sua família por tabela. Ao lado de seus irmãos Boris, Christian e James, Paskal foi ao Camp do também camaronês Luc Mbah a Moute, ala com passagens por Bucks, Kings, Clippers e Rockets na NBA. Impressionado com o potencial físico do mais novo da família Siakam, Mbah a Moute chamou Paskal pro seu Camp do ano seguinte. Em 2012 alguns olheiros da NBA acompanharam Luc e convidaram Paskal imediatamente o programa "Basquete sem fronteiras".

Sem experiência alguma de basquete de alto nível mesmo prestes a completar 18 anos, Siakam foi um fiasco do ponto de vista técnico e tático, sendo superado por jogadores com mais rodagem e também leitura de jogo. Mas impressionou a um gerente-geral da NBA: Masai Ujiri, então trabalhando com o Denver Nuggets. Com raízes nigerianas, Masai viu o diamante bruto que Paskal era e como uma universidade dos EUA poderia lapidá-lo: "Sua entrega na quadra era linda de ver. Muito cru, mas totalmente esforçado e com uma paixão incrível pelo jogo. Era um questão de dar a oportunidade, porque algumas das ferramentas físicas já estavam ali", afirmou Masai recentemente à ESPN.

Então em 2013 Paskal foi viver o sonho americano. Teve Mbah a Moute como mentor, começou em uma escola de preparação no Texas para melhorar seu inglês, foi assistir pela TV seu primeiro jogo de NBA com quase 18 anos e logo foi recrutado por New Mexico. Ficou um ano lesionado e só entrou na quadra em 2014/2015, quando teve a média de 12 pontos por jogo. A temporada seguinte foi a de explosão.

Com 20,3 pontos e 11,6 rebotes, Siakam chamou a atenção de todos os recrutadores do Draft e colocou seu nome na seleção. A qualidade da faculdade, sua falta de experiência no basquete de alto nível e seu péssimo percentual em bolas de três pontos (20%) faziam muita gente ter o pé atrás com ele. Quase todos na realidade.

Getty / AFP

Até que no dia 23 de junho de 2016 o Toronto tinha duas escolhas de primeira rodada naquele Draft. Com a primeira a franquia escolheu o pivô austríaco Jakob Poetl, hoje no San Antonio Spurs. Com a vigésima-sétima, Paskal Siakam. O nome do executivo do Toronto que escolheu Siakam: Masai Ujiri, o mesmo que havia visto o camaronês anos antes no evento da NBA.

Normalmente uma escolha de fim de primeira rodada é para composição de elenco, para tentar a sorte, para tentar descobrir algo que ninguém testaria. E assim Siakam foi para Toronto, que jamais imaginou que teria um titular de time finalista saindo no Draft nesta posição. Nem Siakam imaginava que chegaria tão longe, de verdade.

No começo, inúmeras passagens pela G-League, a Liga de Desenvolvimento, dificuldade para entrar na quadra na NBA e ainda mais dificuldade para arremessar quando ele estava dentro dela. Seu potencial físico encontrava "pares" tão fortes quanto ele. Em 2016/2017, seu ano de estreia, apenas 15 minutos por jogo, 4,2 pontos por jogo e bizarros 16% nas bolas de três. Na temporada passada, 7,3 pontos, 20 minutos por jogo, mas de novo terríveis 22% nos tiros longos. Seu buraco era cavado por ele mesmo. Em uma liga que demanda arremessadores consistentes em todas as posições, tornar-se alvo das defesas por causa de uma ausência de arremesso pode ser fatal. Entre quase 300 jogadores com ao menos 10 chutes de fora tentados, Siakam estava simplesmente em 256°, ou seja, entre os piores do tema. Por isso em um período sem jogos devido ao All-Star Game Siakam recebeu uma ligação de Masai Ujuri, o manda-chuva do Raptors: "Preciso que você volte pra G-League e treine arremessos como um louco. Assim você não ficará na NBA de forma alguma".

O rapaz entendeu o recado. Com um pé fora da NBA em dois anos sua saída foi se fechar em si mesmo para evoluir. Recuperou a confiança, treinou bastante, massificou as repetições nas férias passadas e voltou outro jogador para esta temporada. Sua média de pontos saltou para ótimos 16,9 em 32 minutos, mas melhor do que isso foi chegar a 37% no aproveitamento de bolas de três e 54% nos tiros de quadra. No começo do campeonato existia a dúvida se ele entraria na rotação. Com dez jogos a questão era se ele seria titular ou se o congolês Serge Ibaka iria assumir a ala-pivô do Raptors.

Vendo Siakam jogar, com técnica, ótima defesa, inteligência, força física e variedade incrível de golpes ninguém teve mais dúvida – principalmente o técnico Nick Nurse, que fora assistente do Toronto nos anos em que Paskal chegava aos ginásios bem cedo pra treinar e conhecia exatamente o que tinha em mãos. Pra franquia canadense, era a chance de ter um ala que sabia chutar, abrindo espaços para os drives do pivô titular (na época Jonas Valanciunas e agora Marc Gasol) e também de Kawhi Leonard e Kyle Lowry. Era tudo o que os canadenses precisavam.

Getty / AFP

Confiante, Siakam faz um playoff do mesmo nível de sua temporada e no primeiro jogo da final ofuscou Kawhi Leonard, a grande estrela do Toronto Raptors. Sem medo de desafiar a Draymond Green, ala do Warriors e um dos melhores defensores da liga, o camaronês conseguiu pontuar de todas as maneiras e enfileirou 11 arremessos convertidos de forma consecutiva – sem errar absolutamente nada. Um espanto só e uma vitória pessoal pra alguém que veio do nada.

Seus 32 pontos foram uma benção para o Toronto, que abriu 1-0 na final da NBA e mostrou ao mundo que tem, sim, chance de ser campeão mesmo diante do poderoso Golden State Warriors. Kawhi Leonard é a estrela do Raptors, disso ninguém tem dúvida. Na quinta-feira, com ele não tão bem (errou 9 de seus 14 arremessos), coube a Paskal ser a principal veia de pontuação por parte dos canadenses.

Será que o rapaz continua sendo letal na pontuação na partida 2 de amanhã (21h, ESPN e Band) também no Canadá?

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