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Bala na Cesta

Um gênio chamado Gregg Popovich, por Lucas Pastore

Fábio Balassiano

22/03/2019 13h00

Divulgação NBA (Spurs Media Day)

* Lucas Pastore

Depois de uma temporada em que disputou apenas nove jogos em meio a problemas de relacionamento com a franquia, Kawhi Leonard finalmente deixou o San Antonio Spurs. Foi enviado para o Toronto Raptors e, junto dele, levou Danny Green, um dos arremessadores mais úteis da NBA e talvez o segundo melhor jogador da equipe texana na temporada 2017/2018, atrás apenas de LaMarcus Aldridge.

Isso na mesma offseason em que Manu Ginobili anunciou sua aposentadoria e em que Tony Parker, supostamente protagonista de problemas de relacionamento com Leonard, resolveu partir para o Charlotte Hornets. Acreditava que teria um papel maior graças à ascensão do jovem Dejounte Murray, que terminou a temporada anterior como titular. Mas a ascensão foi interrompida ainda durante a pré-temporada, já que Murray lesionou o ligamento anterior cruzado do joelho direito durante amistoso contra o Houston Rockets e só deve voltar às quadras no segundo semestre.

Técnico do Spurs desde 1996, Gregg Popovich encarava um raro cenário de terra arrasada durante sua gestão. Provavelmente caminhava para o início de temporada com menos perspectivas desde que assumiu o cargo. Tudo isso meses depois da morte da sua esposa, que fez com que o treinador perdesse os últimos jogos do time nos playoffs de 2017/2018 – na ocasião, o alvinegro perdeu para o Golden State Warriors por 4 a 1 ainda na primeira rodada. Com rivais da Conferência Oeste se reforçando, era possível acreditar que a equipe texana nem sequer chegaria à pós-temporada em 2018/2019 depois de duas décadas.

Hoje, poucos meses depois, o Spurs vem de nove triunfos consecutivos, venceu as últimas 11 partidas que fez na sua casa e ocupa a quinta colocação no Oeste. Está um jogo e meio atrás do Portland Trail Blazers, quarto, e ainda sonha com mando de quadra. Além do próprio Blazers, superou ainda na sequência Golden State Warriors, Denver Nuggets, Milwaukee Bucks, Oklahoma City Thunder e Detroit Pistons, equipes que ocupam o top 6 de suas respectivas conferências.

No sábado, quando bateu o Blazers, o Spurs chegou à sua 41ª vitória na temporada, garantindo que não encerrará a campanha com recorde negativo mais uma vez. A franquia não termina um campeonato com mais derrotas do que vitórias desde o ano em que Popovich assumiu o cargo. No período, teve recorde negativo por 65 dias – quem mais chega perto é o Houston Rockets, com 1.007 dias.

Como explicar uma campanha tão boa perto do que poderia ser suposto na offseason? Um dos pilares do trabalho de Gregg Popovich ajuda a explicar: jogar sempre para vencer. Leonard poderia ter sido trocado por jovens promissores e escolhas de Draft, mas o Spurs preferiu apostar em DeMar DeRozan, astro consolidado que havia acabado de entrar no segundo time ideal da NBA a serviço do Toronto Raptors.

Spurs Media Day

Na agência livre, o Spurs poderia ter tentado se livrar de contratos longos para abrir espaço salarial para o futuro e/ou ter apostado em jovens promessas. Mas renovou com Rudy Gay e foi atrás de Marco Belinelli, que havia sido campeão com a equipe em 2014 e aceitou voltar para fazer importante papel saindo do banco de reservas.

No Draft, o Spurs selecionou Lonnie Walker e Chimezie Metu, projetos para o futuro da franquia. Em vez de acelerar o processo de inserção dos jovens jogadores, apostou na mesma abordagem conservadora com novatos da história da franquia e preferiu dar minutos a veteranos consolidados, sem abrir mão da busca constante pela vitória a cada jogo.

Além disso, o time fez com que Derrick White fosse a grata surpresa da temporada. O Spurs sempre foi elogiado por achar talentos em posições inferiores no Draft – o armador foi a 29ª escolha em 2017 – e isso mascara um pouco a excelência da franquia em desenvolver jogadores. Pois bem: hoje White (10 pontos por jogo e respeitáveis 36% nos 3 pontos) é um dos pontuadores mais eficientes da posição, atacando a cesta e arremessando de três aproveitando-se das brechas que DeRozan e Aldridge abrem, e se consolidou como o melhor defensor de perímetro da equipe, aventurando-se até na marcação de astros muito maiores, como Kawhi Leonard e Kevin Durant.

Além disso, a preocupação com a defesa, outra marca registrada de Popovich, fica clara com a importância dada a Jakob Poeltl, pivô que veio de Toronto na troca envolvendo Kawhi Leonard. Protetor de aro, o jovem pivô conquistou a vaga de titular mesmo jogando ao lado de LaMarcus Aldridge, formando rara dupla de garrafão no basquete moderno (quase sempre os times estão se aventurando a tirar um homem grande para colocar mais alas e espaçar mais a quadra).

Claro que nem tudo são flores. O elenco carece de alas com tamanho para defender múltiplas posições e de arremessadores mais confiáveis, duas exigências da NBA moderna. A equipe perdeu sete das oito partidas que fez fora de casa em tradicional viagem feita enquanto o AT&T Center recebe um rodeio, pior marca da história da franquia. E Pop já não parece mais ter a energia de outrora, quando era personagem ativo dos jogos no banco de reservas.

Perder de uma só vez Parker, Ginobili e Leonard, pouco tempo depois da aposentadoria de Tim Duncan, foi um golpe duro. A morte de sua esposa foi provavelmente o capítulo mais difícil da carreira (e vida) de Pop. E a existência de uma equipe como o Warriors certamente é mais um fator que ajuda a desmotivar o treinador, dono de um dos maiores espíritos competitivos da liga. Talvez, se não fosse pelo contrato com a seleção americana até a Olimpíada de 2020, o técnico já teria se aposentado.

Mas mesmo em um cenário desses, Pop ainda consegue fazer um dos trabalhos mais legais de um técnico na temporada da NBA. Parte disso se explica por um legado que o treinador vai deixar para a franquia quando se aposentar: o Spurs pode nem sempre vencer, mas sempre joga para vencer.

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