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Bala na Cesta

Anderson Varejão fala dos 20 anos de carreira: "Ficar fora do Rio-2016 foi o momento mais difícil"

Fábio Balassiano

19/03/2019 06h03

Divulgação / Flamengo

Quase três horas antes da partida entre Flamengo e Bauru, válida pelo NBB na semana passada no Rio de Janeiro, Anderson Varejão foi o primeiro a entrar na quadra do Tijuca Tênis Clube. Todo atleta tem o seu ritual. Andou pela quadra, correu um pouco, fez o alongamento e pegou a bola. Antes do primeiro arremesso, o grito: "Varejão, tira uma foto comigo?". Não houve hesitação. O capixaba de 36 anos parou, olhou, abriu o seu tradicional sorriso e disse: "Claro, é pra já". Uma, duas, três, uma dezena de fotos em um, vá lá, ritual que também se repete depois das partidas. Se é o primeiro a chegar, o camisa 17 rubro-negro também é o último a sair, atendendo aos fãs que se aglomeram no alambrado a espera do jogador mais carismático do país na atualidade.

Com 20 anos recém-completados de carreira, Anderson Varejão, que começou no Saldanha da Gama com seu guru Alarico Duarte e tem passagens por Franca, Barcelona (Espanha), uma década de NBA (Cleveland Cavs e Golden State Warriors) e agora Flamengo, conversou com o blog de forma longa no dia seguinte à vitória contra Bauru.

Falando de forma bem articulada, na pauta do papo estão a sua primeira temporada completa com o Flamengo (ele chegou em janeiro de 2018 ao clube já com o NBB em andamento), Liga Nacional de Basquete, seleção brasileira, NBA, as mudanças atuais no basquete, política e a situação do país. Papo longo e riquíssimo. Aproveitem.

Divulgação / Flamengo

BALA NA CESTA: Queria que você contasse como está sendo a sua temporada aqui no Flamengo, sua primeira temporada completa no clube. Técnico novo, tudo novo.
ANDERSON VAREJÃO: A temporada 2018/2019 para mim está sendo bem melhor do que a de 2017/2018. Ano passado eu cheguei na metade da temporada, pouco mais da metade na verdade. Vinha de uma situação de que estava um tempo parado, treinando sozinho, tentando me manter em forma da melhor maneira possível. Aí fiz dois jogos com a seleção brasileira, se eu não me engano contra Chile e Venezuela. Lá no Chile e depois aqui no Rio contra a Venezuela. E estava sem ritmo. Então demorou bastante para entrar em ritmo, entrar na forma certa, na forma adequada. Tanto que fui começar a me sentir fisicamente da maneira que eu gostaria, mais nos playoffs. Até contra o Mogi na semifinal do NBB (Nota do Editor: o Flamengo foi eliminado pelos mogianos justamente nesta etapa – semifinal).

E por isso que acho que essa temporada, começando desde o início, com pré-temporada, desde o início com o grupo todo, está sendo bem melhor para mim nessa parte. De me sentir melhor fisicamente, de ritmo de jogo, de construir isso da maneira correta, passo a passo. Jogamos o campeonato carioca, conseguimos ganhar invictos e depois entramos no NBB. Então, para te falar a verdade, estou me sentindo bem melhor esse ano. A gente tem um grupo novo em relação ao ano passado. Ficamos somente eu, Olivinha e o Marquinhos, com a molecada mais nova e os reforços que chegaram ao time. O time vem melhorando o conjunto, a cada jogo que passa estamos nos conhecendo melhor como cada um joga. Mas por isso eu falei que foi importante começar durante a pré-temporada, para que isso pudesse ser implantado.

BNC: É muito diferente também a filosofia de jogo do Gustavo de Conti, o novo técnico, para o José Neto, que saiu ao final da temporada passada? Como é que está sendo esse primeiro ano com o Gustavo? Você conhecia da seleção e tudo, mas no dia a dia deve ser diferente, né?
VAREJÃO: Cara, são dois treinadores que vieram um pouco da escola do Rubén Magnano, ex-técnico da seleção brasileira. Ambos utilizam muitos conceitos do Rubén no dia a dia, nos treinos, na parte tática. Tem o fato de realmente eu conhecer o Neto há mais tempo do que eu conhecia o Gustavo. E também a questão, como coloquei antes, de eu ter chegado com o campeonato em andamento e, agora, o Gustavo me ter desde o começo da temporada. Em relação a eles, hoje em dia é diferente, isso que eu tenho mais para falar assim dos dois.

BNC: Mas como assim? O que você quer dizer com isso? De temperamento, forma de lidar, parte tática?
VAREJÃO: O temperamento é bem diferente, assim como a forma como eles lidam com os jogadores.

BNC: O Neto é mais calmo, o Gustavinho é o mais direto, é isso?
VAREJÃO: Maneira, maneira de lidar com o jogador. Eu diria que o Neto é mais tranquilo, não é tão intenso e acelerado como o Gustavinho. Não é uma crítica, mas sim um traço da personalidade de cada um. O Gustavo, e isso você na forma dele andar até, é muito agitado, acelerado, completamente intenso. O Neto já tinha uma forma diferente de lidar. Cada um na sua. Ao longo da carreira você vai aprendendo a lidar com diferentes treinadores e entendendo como se comunicar com cada um deles.

Divulgação / Flamengo

BNC: Vendo agora o NBB, campeonato que você disputa pela segunda temporada. Você pegou o campeonato nacional da CBB ainda. Jogando primeiro por Franca, vendo o teu irmão também atuando pelo Vasco, Franca, esses times. Como é que você o NBB do ponto de vista de produto, de estratégia e de marketing? Tá longe do que você considera o ideal ou já está bom? Como você viveu 10 anos fora, em Europa e NBA, você tem uma escola de fora, né?
VAREJÃO: A gente sabe que sempre tem espaço para melhorar. É uma liga consolidada, vem mostrando isso a cada ano. A gente sabe das dificuldades, dos altos e baixos. Pode melhorar? Com certeza pode em alguns quesitos. Mas acho que está no caminho certo, as intenções são as melhores. Está todo mundo tentando fazer o melhor para o basquete e isso que é importante. Então, acho que dentro da estrutura e das coisas que a gente tem no Brasil, está sendo feito um excelente trabalho pela Liga Nacional de Basquete.

BNC: Conversei com o Leandrinho sobre essa questão de fora de quadra e ele me disse que o mais chama a atenção de quem vem de fora pra cá é a questão do público. Lá na NBA vocês jogavam sempre para ginásios de 15 mil, 20 mil pessoas sempre lotados e aqui é raro ter um ginásio com mais de 2 mil pessoas e quase sempre com menos de mil. Isso choca um pouco, Anderson?
VAREJÃO: Para falar a verdade eu esperava um pouco mais. Tem jogos que está dando 500 pessoas, 400 pessoas, contando famílias e amigos. O motivo disso eu não sei. Não sei se tem algo a ver com divulgação, com cultura, com marketing, com mídia. Não sei. Muitas vezes eu vejo gente na rua perguntando quando tem jogo. E aí eu falo "pô, cara, amanhã", ou algo desse tipo, e eu meio que falo pro cara ir ao ginásio. Mas não sei se é por aí, né? Não sei se tem que ser feita uma divulgação um pouco melhor, já não é o meu papel, mas talvez seja isso. Porque muita gente fala que quer ir aos jogos, só que acaba não ficando sabendo e então eu não sei qual o problema em cima disso. Mas para falar a verdade eu esperava um pouco mais. Todas as vezes quando a gente sai para jogar fora do Rio o ginásio do time adversário está quase sempre lotados. E é o Flamengo, né?

BNC: Na terça-feira eu comentei Flamengo e Bauru pelo Facebook lá no ginásio do Tijuca e tinha gente dos próprios times que não sabia que ia passar no Facebook. E aí chamou a atenção também. O próprio jogo que ia ser transmitido, tinha gente que não sabia…
VAREJÃO: Não sabe onde vai passar. Se vai passar no Facebook, na Band, se vai passar na Fox. Então ficam perguntando. É o que eu volto a falar, não sei se é a divulgação ou o que é. Mas acho que as pessoas deveriam ter mais interesse em buscar isso aí também. Às vezes é muito fácil de chegar lá e falar "Pô, Varejão, vai passar aonde o jogo? Me fala aí…" ao invés de pegar o telefone, acessar os sites oficiais ou entrar no Google. Não dá pra comparar com a NBA, porque é outro mundo, cultura disseminada, ingressos vendidos antes, tudo organizado, mas é possível falar, sim, sobre divulgação e a forma como as pessoas interagem com um evento que elas têm interesse. Acho que, pegando os nossos exemplos, de pessoas que têm quase a mesma faixa etária, se quisermos ir a um teatro, a um show, a um jogo de futebol vamos entrar, ver horário, preço, datas e aí sim tomar a decisão de compra.

Arquivo Pessoal

BNC: Agora fazendo um apanhado de sua carreira. Vinte anos de vida profissional, jogando agora de novo no Brasil, mas passagens por Europa, NBA por mais de uma década, seleção brasileira, Olimpíada, Mundiais. Quando você começou lá no Espírito Santo com o Alarico esperava chegar tão longe? Conseguir tudo o que você conseguiu ou nem pensava?
VAREJÃO: Ah cara, é difícil pensar assim, né? Ninguém que começa a jogar em uma escolinha pensa que vai chegar na NBA, Europa. É um universo meio distante de nós, brasileiros. Um americano pode nascer já sonhando com isso, porque faz parte, digamos, do habitat natural dele. Pra nós é mais complicado e sempre fiz o meu, digamos, trajeto muito pensando no dia a dia, nas situações e oportunidades que se apresentavam. Meio que comecei a jogar basquete porque é uma coisa que vem de família. Meu pai muito tempo atrás, meu avô. Nada muito profissional assim e tal.

Depois o Sandro (Varejão) que foi o pioneiro, depois a minha irmã Simone. O Sandro, que é 11 anos mais velho do que eu, e a Simone, 10. Então existe uma distância grande aí que me permitiu ver algumas coisas acontecendo. O Sandro jogou em faculdade nos Estados Unidos, isso abriu bastante a visão do que a gente poderia fazer. Então pude acompanhar um pouco do início da trajetória dele e saber que era coisa que fazia parte da família. Comecei no Saldanha da Gama com o Alarico Duarte, seguindo os passos do Sandro. Mas é difícil imaginar, né? Na época que comecei, era uma coisa muito longe chegar em uma NBA e até na Europa. A seleção brasileira sempre foi um sonho, até o Sandro chegar demorou um pouco. Então é difícil imaginar isso quando é tão novo. Mas depois que as coisas começam se encaminhar, quando fui para Franca passei a entender um pouco mais e ver como era a realidade do basquete do Brasil. Você vai vendo as coisas se encaixando. Com o time em Franca a gente começou ter algum destaque na época. Ganhamos na época o campeonato do interior e capital. Então você começa "opa, pode ser que a coisa melhore", mas nunca pensa que vai pular para a NBA. Sempre com os meus sonhos e metas vou pouco a pouco. Queria virar jogador, depois que virei jogador queria ser importante para o time, depois uma seleção brasileira e aí ninguém sabe o que vem. Sair do Brasil, Europa, NBA. Mas é difícil você imaginar essas coisas lá trás quando você é moleque. Você sonha, pensa naquilo. Você compra camisa e bola da NBA e um dia está do lado de lá com pessoas te vendo, vendo seus jogos e usando sua peruca. É muito doido isso.

BNC: Quando você comprava camisa de NBA, de qual time você comprava?
VAREJÃO: Essa história é boa. A primeira camisa que pedi ao Sandro para comprar, ele estava em Idaho ou West Virginia, não lembro agora. Foi a do Reggie Miller, pois eu jogava mais aberto, de ala. Eu sempre fui mais magrelinho, meio orelhudinho como ele e isso era coisa de moleque, né? Você quer ser igual o cara e eu chutava muita bola de fora. Até no campeonato lá no Espírito Santo eu metia 6, 7 bolas de três por jogo. Aquela coisa que você achava que era o cara – eu era o Reggie Miller. Tipo igual jogar uma peladinha no futebol e você acha que é o cara do time. Aí ele foi comprar e não achou a do Miller, acabou comprando a do Michael Jordan, de Chicago, e da do Shawn Kemp (Nota do Editor: ala da década de 90 famoso por suas enterradas ferozes) para mim. Eu queria a do Kemp também por causa do Seattle Supersonics, time que eu adorava, e são as duas que eu tenho até hoje. E a minha mãe, que sempre guarda as minhas coisas, guardou essas camisas do Jordan e do Kemp. Tenho até hoje. É pequeninha e é uma coisa que agradeço a ela, por ter guardado essas camisas, desde a época do Saldanha até esses presentes que o Sandro me trazia.

BNC: Me contaram que você tinha uma fixação por cards da NBA também. É verdade isso? Era alucinado…
VAREJÃO: Tinha, tinha. Mas eu não completava o álbum de jeito nenhum (risos). Aí ano passado, eu acho, entrei no E-Bay e olhei as que faltavam. Completei. Aí fui lá e comprei. Achei uma de 1993 e outra de 1994. As repetidas eu colava no guarda-roupa, sabia? Abria a porta do guarda-roupa e tinha figurinha de cima abaixo. O engraçado é que depois que cheguei à NBA alguns dos caras que eu tinha no guarda-roupa eu joguei contra e ao lado deles.

BNC: Estava falando dos seus sonhos, e chegar na seleção brasileira chegou antes de você jogar nos dois grandes centros que você chegou né? Você jogou na seleção brasileira antes de qualquer coisa, naquela de 2001 que foi ao Goodwill Games, o campeonato que abriu as portas do mundo pra você e pro Nenê também.
VAREJÃO: Isso aí, em 2001. Então, foi essa parte de virar jogador, depois ser importante, depois seleção brasileira. Foi uma grande vitrine para mim, para o Nenê, Tiago Splitter, Leandrinho e foi quando a gente apareceu nesses jogos pros olhos do mundo. Os olheiros do mundo todo estavam vendo o Goodwill Games, você podia ver na arquibancada um monte de gente anotando as coisas.No meu caso quando eu ao Barcelona um dos assistentes da época falou que foram assistir os vídeos do torneio para ver o Nenê e aí me viram meio que de tabela. Um deles perguntou: "Peraí, quem é esse cara magrelo aí?". E aí se interessaram. Assistiram mais jogos e falaram aquele famoso "vamos trazer ele". Aí que me levaram para lá. Isso foi o assistente técnico do Barcelona que me contou a história na época, coisas de bastidores que eu não sabia. Então por isso que eu falei que a seleção foi uma vitrine muito boa para todos nós e aí as outras coisas foram acontecendo na Europa e depois a NBA.

Hoje em dia, quase 20 anos depois, é tudo mais fácil, com internet, tudo que é jogo sendo exibido, mas a seleção brasileira eu posso te assegurar que te coloca em um outro patamar de visibilidade. Aquele nosso time, nossa geração, se você pensar bem todo mundo teve um sucesso danado internacional. Tiago, Nenê, Leandrinho, eu, Huertas que é um pouco mais novo, olha o que foi alcançado. Todos com títulos e presenças em grandes times. Isso é raríssimo em uma geração, ainda mais em um esporte tão competitivo como o basquete.

BNC: Aí uma pergunta interessante. Você falou sobre seleção, mas hoje quando você vê a situação da cabeça da garotada não lhe parece que mudou muito tanto no futebol quanto no basquete, que o sonho mais do jogador de futebol é jogar na Europa / NBA e menos na seleção brasileira? No basquete é a NBA, não tanto na seleção brasileira. Como você vê isso? Mudou muito?
VAREJÃO: Difícil falar pelos outros, sinceramente. Não sei se chega a ser assim. Acho que todo mundo sabe o tamanho e a importância que é defender o seu próprio país. Eu diria que existe, sim, essa coisa da NBA pela facilidade e acesso hoje em dia na mídia social e tudo mais. Hoje no Brasil você assiste a NBA cinco vezes por semana. A NBA entra na cabeça, alma e coração das pessoas. Então isso acaba deslumbrando mais, né? Ginásio cheio, tudo muito popular, jogos incríveis, tudo funciona. É um mundo quase perfeito, todo mundo sabe disso. Mas a seleção brasileira, pelo menos para mim, sempre senti falta de jogar, de estar com meus amigos, de estar perto do meu povo, de estar perto do público. Pra mim a seleção brasileira sempre foi prioridade.

Você, que acompanha há tempos, pode pegar aí e vê que nunca deixei de atender a uma convocação que não fosse por lesão. Nem precisava me ligar que vinha. Um dos motivos de voltar pro Brasil foi isso, de querer essa aproximação. Porque eu só tinha chance de jogar pelo Brasil uma partida, no máximo duas e mesmo assim em algum amistoso ou competições internacionais preparatórias. Eu entendo o que você está falando, mas para mim seleção brasileira tem um sabor diferente. De todo modo, se é uma questão que tem interferência no dia a dia da modalidade é um assunto que precisa ser estudado e conversado. Os dois (clubes e seleção) têm sua importância e conseguem conviver de forma bem harmônica.

BNC: Tendo em vista isso que você falou, de não ter jogado tanto no Brasil. Quanto te machucou não ter jogado a Olimpíada aqui no Rio devido a uma lesão? Quão duro foi aquele golpe?
VAREJÃO: Sendo bem claro: foi o momento mais difícil na minha carreira. Não ter disputado uma Olimpíada aqui no Brasil doeu, cara. Ainda dói, na verdade. Você perguntou sobre os meus sonhos, se passava pela minha cabeça tudo o que aconteceu comigo. Algumas coisas você vai vendo acontecer, e a real é que 99% delas estão ao alcance do atleta, do que você faz em quadra. Você joga bem, pode ir pra um time. Joga melhor, tem outros lhe querendo. O lance é que uma Olimpíada em seu país depende de fatores externos, né? O país querer, o país ser selecionado, você estar dentro da janela de idade para ser convocado, ser convocado, tudo isso.

É uma probabilidade muito baixa para um atleta pensar nisso quando começa a carreira. Poder jogar uma Olimpíada aqui no Brasil defendendo a seleção brasileira é uma coisa que se alguém falasse lá trás eu diria: "Você está maluco, não vai acontecer". E eu por causa de uma lesão fiquei de fora. Foi triste, foi um momento ruim para mim durante a minha carreira, de muita tristeza. Mas que eu tive que superar, não tem o que fazer. Você tem que focar no problema que está na sua frente, naquilo que você tem que resolver. Na época era lesão e foi o que eu fiz.

BNC: Você teve uma série de lesões, em alguns momentos você estava quase sendo um All-Star como em 2012/2013. Na temporada você tinha 14 pontos e 14 rebotes de média, houve um jogo de 29 rebotes contra o Orlando e tal. Você chegou ter algum acompanhamento psicológico para superar esse tipo de dificuldade? Porque bola você sempre teve, acabava travando a temporada por conta de uma lesão e algumas graves, como por exemplo a embolia que você teve em 2013…
VAREJÃO: É, cara, esse aí não foi fácil (e aí Anderson solta um raríssimo palavrão). Não foi fácil mesmo. As lesões não foram fáceis de lidar, mas depressão, não. Eu sempre acredito que as coisas acontecem por um acaso e tem um motivo. Sempre tive muito apoio da minha família e amigos. Esse é o momento que você precisa muito disso. Precisa muito de paciência, precisa entender que aquilo ali estava nos planos da sua carreira, acreditando em religião ou não, saber que aquilo ali era para acontecer e eu penso assim. E o meu foco foi sempre o que eu posso fazer para melhorar ou voltar ainda melhor do que estava antes. Não é fácil agir assim, mas eu sempre optei por atuar, mental e profissionalmente falando, dessa maneira. Lamentar-se, sim. Chorar, também. Mas recobrar as forças rápido pra retornar melhor e mais rápido. Esse é meu mantra a vida inteira.

BNC: Você é religioso?
VAREJÃO: Sou católico. Então eu nunca fiquei "por que eu?" ou "por que isso?". Eu acho que talvez só por saber que eu provavelmente seria um All-Star, se não tivesse machucado, de estar tão próximo ou de estar jogando de igual para igual com quem estava lá já me "conforta", me deixa bem. Não sei se é essa palavra. Eu sei o que é preciso fazer pra chegar lá. E naqueles momentos eu estava agindo, atuando da maneira adequada.

Eu acho que nesses momentos a melhor coisa que se tem pra fazer é focar no que eu posso fazer para melhorar e voltar ainda melhor. Quantas pessoas você aí que se machucaram, engordam para caramba, começa a falar "se não fosse isso e não fosse aquilo era para eu estar em uma situação muito melhor". É um raciocínio bem fácil, mas eu não compro, não. Sempre me pergunto: "Mas, peraí, cara, você engordou, você foi pra noite, você começou a beber, perdeu o foco, você parou de fazer as coisas porque quis e não é porque essa lesão fez com que fizesse algo neste sentido". É triste? É. É um momento difícil? Muito! Você ser um All-Star da NBA, algo que nunca aconteceu pra um brasileiro e eu estava pertinho, machuca. Não rola de chegar e falar um "agora dane-se tudo e vou começar a alucinar". Que isso. Não é assim, não. Somos atletas e o nosso corpo é a forma como nos relacionamos com o jogo. A gente é responsável por ele, é o nosso instrumento de trabalho. E poderia ter acontecido isso comigo no lance da embolia pulmonar, algo que é grave e que assusta pra caramba. Só que tem que ser mais forte que isso. Porque, se tratando direitinho, em 8, 9 meses você está de volta. Então você tem que focar em melhorar ao invés de ficar se lamentando. Esse é o caminho errado ao meu ver.

BNC: Você não esteve na Olimpíada, mas agora pode jogar a Copa do Mundo na China em agosto e, quem sabe, a Olimpíada de Tóquio em 2020. Acho que agora sim é a última chance dessa geração de conseguir uma medalha. Qual o sentimento de vocês em relação a isso?
VAREJÃO: A gente sabe que é muito difícil. O Mundial agora a gente sabe da dificuldade, de como virão as outras seleções. Há uma renovação em curso por aqui, essa mescla está sendo feita, tudo isso mostra como é o basquete internacional, mas vamos em busca de uma medalha e de uma classificação olímpica. São quinze dias que se o grupo estiver bem, jogando um bom basquete a gente vai conseguir fazer história. Esse é o caminho certo de se pensar. Potencial nós temos.

BNC: Pra fechar sobre seleção brasileira. Durante muito tempo a Confederação teve problemas de administração. Isso ficou muito claro e acho que está melhorando com a nova administração do presidente Guy Peixoto. Duas perguntas em uma só: 1) Como você viu os problemas na gestão Carlos Nunes?; 2) Atleta brasileiro se envolve pouco em temas relacionados a política do esporte?
VAREJÃO: Vamos lá. Acho que não é muito a nossa de se envolver em política. Os atletas vêm pra representar a seleção brasileira, representar o país e jogar basquete. São 9, 10 meses de uma temporada pesada, quando a gente vem se prepara antes e joga com a equipe nacional. Nosso foco está na quadra. A gente não sabe realmente o que acontece nos bastidores. A gente não sabe o que de fato ocorre pra falar com mais propriedade. A gente não tem acesso a nada. Se tivesse, tudo bem. Hoje eu vejo uma transparência maior, mais abertura. Isso é um fato. As coisas são mais conversadas, as ideias fluem melhor. Não são poucas as vezes que os dirigentes da CBB atuais ligam pra gente pra perguntar alguma coisa, trocar uma ideia, querer saber se estamos confortáveis com a situação A ou B. Isso é bacana. Mas acho que o lado político da coisa fica pra quem vive isso no dia a dia.

BNC: Voltando pra quadra. Ainda pensa em voltar à NBA? Ou deixa isso nas mãos de seus empresários e se acontecer tudo bem?
VAREJÃO: Cara, meu foco é o Flamengo. Voltei pra cá pra me aproximar do público, viver esse dia a dia bacana e é nisso que estou pensando. Estou muito bem por aqui. Foi opção minha voltar, você sabe. Tive proposta de Europa, Austrália, Argentina, China. Eu sempre fui mais ou menos assim: as coisas precisam ter um significado maior para eu fazer parte. Não é chegar, jogar e está tudo bem. Não é pegar um contrato na NBA e em um time que não tenha chance de título. Vou pra lá só pra falar que ainda estou na NBA? Não estou aí pra isso. Pra mim, pra minha carreira, tem mais significado jogar no Brasil. Perto da minha família, que está em Vitória, aqui do lado, dos meus fãs brasileiros, de um lugar que não jogava tinha mais de 15 anos. Pra eu voltar pra lá tem que ter um projeto, uma história, algo em vista. Talvez voltaria, mas eu não penso nisso, não. Meu foco é ganhar o NBB com o Flamengo. A gente não pensa em nada diferente de ganhar o NBB.

BNC: E como você vê o jogo da NBA hoje. Você entrou na NBA em 2004, hoje em 2019 está essa pancadaria de fora.
VAREJÃO: Cara, o jogo é outro. Totalmente. É outro esporte. Tudo muito rápido, todo mundo chutando de fora, muitas trocas nos bloqueios. Você não vê mais aquele jogo de cinco contra cinco, bola no pivô, essas coisas. Mas eu acredito que isso vai rolar até aparecer outro Shaquille O'Neal. Você lembra como era quando ele jogava? O cara era muito dominante, então tudo o que os outros times faziam e buscavam era algo para anulá-lo e vencê-lo. A gente chegou a ter o Shaq em Cleveland e era engraçado. Os outros times tinham cinco, seis pivôs para queimar faltas em cima dele. Todo time tinha uns 4 reservas. Caras grandes, malhavam pra caramba e entravam pra tomar pancada e queimar falta no Shaq. O que eu vejo hoje, e me questiono muito se é eficiente, é que todos os times tentam se igualar na forma de jogar ao que o Golden State Warriors e o Houston Rockets fazem pra ter chance de ganhar. Mas será que esse é mesmo o caminho? Ou será que o ideal seria fazer algo diferente pra machucar os caras? No momento a NBA é isso aí – correria, chutes de três, muita transição, jogo sem tanta defesa agressiva…

BNC: Você gosta ou é o que é?
VAREJÃO: Não tem muito o que escolher. A vida te leva pros caminhos e você tem que fazer parte disso. Hoje é um caminho sem volta. Pode ser que em 2, 3 anos a gente volte a conversar e o negócio tenha mudado. Mas hoje é assim. Vem desde a época do Miami Heat do LeBron. Olha quanto tempo isso faz. Quase dez anos, né? Ali o Erik Spoelstra viu que o ideal era ter um monte de arremessador aberto pra complementar as habilidades do James. Shane Battier, Ray Allen, Mike Miller, aquela galera toda. Hoje todo time busca chutadores pra abrir a quadra, espaçar o ambiente, deixar as infiltrações mais claras pros armadores. Começou ali. Chris Bosh saindo pra chutar. Lá atrás o Phoenix, do Leandrinho, já jogava assim. A diferença é que o Suns não venceu – e isso faz toda diferença porque valida a sua linha de pensar, de jogar, de se colocar dentro de um jogo. Quando o Miami venceu, e depois o Warriors surge com o Splash Brothers, meio que consolida isso. Mas uma coisa que pouca gente sabe é que quando o Steve Kerr assumiu o Warriors em 2014 o Draymond Green era reserva. Mal jogava. E ele teve a coragem de colocar um dos ídolos da torcida, o David Lee, no banco. Ali ele percebeu que o Green era eficiente na defesa e uma arma ofensiva pra abrir a quadra no ataque. Steph e Klay são os pilares do Golden State pré-Durant, mas o que o Draymond acrescenta nos dois lados da quadra é um absurdo. A gente cresceu com aquele negócio do basquete mais travado, meia quadra, mas quando o Warriors entra em ebulição é lindo de ver, você não acha?

BNC: É demais de lindo, sem dúvida…
VAREJÃO: É a evolução do basquete. Está muito mais rápido. Os jogos de antigamente você assiste, não reconhece, é outra coisa. É óbvio que tudo mudou, academia, ciência do esporte, parte tática, vídeos, ajuda. Faz parte do processo de melhoria do esporte.

BNC: Uma dúvida que sempre tenho sobre NBA é em relação às trocas. Muita gente diz que é o lado mais chato da liga, onde realmente o "negócio" machuca jogadores e torcedores em alguns momentos. Houve algum caso que te chamou atenção em relação às trocas? Como você reagiu a sua, em 18 de fevereiro de 2016, quando o Cavs lhe trocou para o Portland Trail Blazers?
VAREJÃO: Tem histórias de trocas da NBA que aconteceram com jogador dentro do ônibus, saindo pra descer aquele treino da manhã e alguém da franquia avisa ao cara: "Não desce, não, porque você foi trocado". Acho que esse caso foi com o Chauncey Billups quando ele foi trocado pro Denver Nuggets. Meio pesado. Uma vez eu estava em Cleveland, foi meu primeiro ou segundo ano, estava saindo de Ohio para Boston. O Luke Jackson tinha sido draftado no mesmo ano que eu, acho que número 10 inclusive, lá em Cleveland também. Quando chegamos a Boston, ele havia sido trocado, adivinha, pro próprio Boston Celtics. E a gente jogou contra ele no dia seguinte. Ou seja: ele foi com a gente pra jogar contra o Celtics no mesmo avião, e no dia seguinte estava do outro lado da quadra nos enfrentando. Foi meu segundo ano na NBA. Várias outras que a gente escuta que aconteceram com os jogadores não sabendo. Teve a do Harrison Barnes agora, que foi trocado durante o jogo mas ele sabia que seria mandado pro Sacramento e mesmo assim pediu pra jogar. Essa parte é bem dura, mas os jogadores meio que esperam porque faz parte do negócio. Está no sangue já.

Quanto ao meu caso, no dia da minha troca foi bem duro. Foi último dia da trade deadline. Teve treino de manhã, à noite tinha jogo, alguma coisa assim. Fui, treinei, tudo normal, quando saí, estava no carro e comecei a receber mensagem dos jogadores dizendo um muito obrigado, a gente sente muito, isso e aquilo. E aí pensei: "Ué, será que fui trocado?". Rolei mais as mensagens e tinha uma de voz, e acho que o telefone nem tocou, do David Griffin, o General-Manager. Sem querer acabei ouvindo as mensagens do pessoal primeiro e depois a dele. Ele pediu pra eu falar com ele. Foi assim. Não foi a notícia mais legal do mundo, mas é assim que funciona lá. Eu havia voltado de uma lesão no tendão de aquiles, tinha jogado pouco na temporada e foi assim. Faz parte do negócio. Talvez eu não esperava ser trocado, mas aconteceu.

BNC: E falando sobre um cara que você conhece bem. Te surpreende ver o LeBron James com o Los Angeles Lakers pela primeira vez fora do playoff depois de muito tempo?
VAREJÃO: Não me surpreende, acredita? E vou te explicar os motivos. Todo mundo fica massacrando o Luke Walton, o técnico, mas não é querendo defender um cara que conheço bem eu não vejo dessa maneira. E te falo. Os caras tiveram quantos jogadores machucados? E não era um elenco com 15 jogadores, todos podendo entrar em quadra. Então sofre mesmo. Você vê time aí, perde um jogador ou dois e aí sente. Não é fácil vencer jogo na NBA. Bala, outro dia eu vi aqui do celular. O Toronto, vice-líder do Leste, completo, completinho, né? Kawhi Leonard, Kyle Lowry, todo mundo aí que você conhece. Foi a Cleveland. Levou 30, 40 no terceiro período. Às vezes a galera de fora acha que um time está em reconstrução, em fase ruim e aí você chega lá e perde de 20 pontos. O Lakers estava em quarto, quinto quando o LeBron James se machucou. Ficou 16, 17 jogos. Brandon Ingram se machucou. Lonzo Ball. Rajon Rondo. Em uma franquia que é cobrada pra vencer todos os dias. Se a galera que entra não estiver preparada pra vencer ferrou. Tem que entrar, vindo do banco, em ritmo de 30, 40 minutos. Não é fácil. Dá pra falar, tem as críticas, mas o negócio é difícil ali na NBA. Complicado falar disso no Lakers, uma franquia mega passional, mas é preciso ter um pouco de razão pra tomar as decisões visando a próxima temporada.

BNC: Pra fechar, como é o Anderson fora de quadra? O dia a dia, em casa, essas coisas, o Rio de Janeiro…
VAREJÃO: Não é difícil se adaptar ao Rio, né? Vitória, minha saída, é um pouco parecida com o Rio de Janeiro, só que menor. De vez em quando, de folga, eu vou a praia, dou uma relaxada, vejo o mar, essas coisas. Moro aqui na Zona Sul, então faço quase tudo andando. Pontos turísticos todos eu já conheço.

BNC: A violência te assusta?
VAREJÃO: Cara, vou te falar uma coisa. Eu falo isso com minha namorada, que é americana e está morando aqui comigo. O Rio de Janeiro é uma cidade que você precisa respeitá-la do começo ao fim do dia. Indo a praia você precisa respeitar. Acordando. Saindo de noite. Tudo. Então quando você entende isso tudo se torna melhor. A cidade é bonita pra caramba, linda, absurdamente linda. Tem um potencial incrível, mas é preciso respeitar os horários, onde você pode ir. Tem que cruzar a cidade toda, então dependendo do horário não faço. Quando viajo falo pra ela não sair pra muito longe, essas coisas. Assim vejo o Rio de Janeiro.

BNC: Como cidadão, como é a visão do Anderson cidadão a respeito do momento do país?
VAREJÃO: Ah, Bala, tem muita coisa pra melhorar, muita coisa pra fazer. Uma coisa que me incomoda um pouco é o jeitinho do brasileiro. As pessoas acham, aqui, que tudo vai dar certo, que aconteça o que acontecer vai dar certo. Não é uma crítica, por favor, mas sim uma coisa que assusta quando você mora fora e vê como os estrangeiros lidam profissionalmente com coisas profissionais. Na Europa e nos EUA a questão de horário não tem uma vírgula. Se você marcou às 7h, 06h50 as pessoas estão no ginásio. Aqui é diferente. Não estou criticando, nem generalizando, mas acontece e choca. Quando os caras vêm pra cá eles perguntam sobre horário, sobre o que foi prometido e não cumprido, mas acontece. Tem muita coisa pra melhorar, torcer pra entrar nos eixos aos poucos.

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