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Bala na Cesta

Uma entrevista com o mito Larry Brown, por Lucas Inácio

Fábio Balassiano

19/08/2018 05h45

* Por Lucas Inácio

Faz pouco mais de um mês que Larry Brown esteve no Brasil, mais especificamente em Florianópolis (SC), onde participou do Festival de Basquete, um evento voltado para técnicos de base e jovens atletas. Realizado pelo segundo ano consecutivo em Santa Catarina, o evento contou com o apoio da Federação Catarinense de Basketball (FCB) e reuniu profissionais como Dave Hanners (assistente da NBA durante 15 anos e atualmente em North Carolina), Helinho, Gustavo De Conti, Danilo Castro, Eduardo Agra e Adrianinha.

Apesar de tantos convidados de peso, a atração era Larry Brown, o único técnico da história campeão da NCAA e da NBA. Ele estava aposentado desde 2016, mas anunciou em junho que voltaria a treinar uma equipe profissional. Assinou com o Torino, time da Liga Italiana, e foi nesse contexto de mudança para a Europa e montagem de elenco que Brown veio ao Brasil para falar com técnicos e jovens atletas, tudo isso aos 77 anos.

Ele e Hanners, amigos de longa data, ensinaram jogadas e passaram dicas de exercícios aos jovens técnicos presentes, sempre com muitas histórias da NBA para ilustrá-las. Além disso, sempre que podiam, faziam referências ao técnico Dean Smith e à filosofia de North Carolina, de onde são crias. A dupla atendeu a todos com muito carinho, batiam fotos entre as palestras, tiravam dúvidas dos alunos, contavam anedotas de Iverson, Jordan e outros astros com quem trabalharam.

A não ser que você more nos grandes centros dos EUA, ter uma lenda da NBA em sua cidade não acontece todo dia, porém a mídia local não estava lá, por incrível que pareça. Uma pena, mas isso me ajudou. Eu esperava entrevistá-lo e tinha perguntas para horas de conversa, ele topou falar, mas pediu para ser no hall de seu hotel pois estava cansado.

Por causa disso, imaginei que teria apenas alguns minutos de entrevista, o que já seria uma experiência incrível, mas ao final do papo, o gravador marcava 45 minutos. Nesse tempo falamos sobre o recomeço da carreira na Europa, estrangeiros na NBA, sua frustração com o basquete atual, o Detroit Pistons de 2004, Allen Iverson, Basquete Brasileiro e o bronze dos EUA nas Olimpíadas de 2004, o qual era o técnico. Abaixo está o resultado dessa conversa.

– Depois de uma carreira vitoriosa, como se manter motivado para um desafio como esse?
– Nos últimos dois anos eu não tive exatamente um trabalho, então eu assistia meus amigos treinando como John Calipari (Kentucky), Bill Self (Kansas), Jay Wright (Villanova), entre outros, e eu sentia falta disso, eu quero compartilhar meus conhecimentos com as pessoas. Sempre tive admiração pelo basquete europeu, a forma com que eles jogam, então me desafiei para saber se ainda consigo treinar neste nível, ensinar as coisas que eu aprendi e talvez melhorar o jogo da equipe.

– Há anos os jogadores europeus são destaque na NBA, tivemos Luka Doncic como a terceira escolha do draft 2018 e esse intercâmbio não é mais uma novidade. Como você vê essa mudança ao longo dos anos? Como isto impactou o jogo?
– Neste ano não foi tanto, mas em drafts passados tivemos quase metade de estrangeiros. Os vários estilos de jogo europeus são bonitos, eles não são atléticos como os jovens nos EUA, mas eu admiro a forma como entendem o jogo e seus fundamentos. Eu penso que se você sabe jogar basquete em qualquer lugar do mundo, você pode vir para a NBA. Os treinamentos avançam a cada ano, geralmente há vários atletas experientes nos elencos que podem ensinar coisas, então é uma boa mistura com esses jovens do mundo. Estou animado para ver caras passando a bola e ajudando uns aos outros a serem melhores, acho que vou me divertir bastante.

– Nos últimos anos o jogo mudou tanto no ataque como na defesa, muita velocidade, muitas trocas, muitos arremessos. O basquete europeu também é conhecido por ter defesas muito fortes, acha que vai ser uma adaptação difícil?
– Bem, eu estou tentando aprender esta nova forma de jogar, principalmente o jogo europeu, mas eu tenho alguma experiência internacional, treinei equipes olímpicas, então a coisa é aprender o que meus jogadores conseguem fazer. O Torino tem ótimos defensores, assim como jovens atletas americanos e eu tenho que aprender a ensinar meus atletas. Tenho uma equipe com vários assistentes técnicos jovens, eles vão me ensinar sobre muita coisa, mas o jogo ainda se trata de conseguir bons arremessos, mais rebotes que os oponentes, cuidar da bola, é muito simples. Não precisamos jogar como Houston ou Golden State, não sei ensinar desse jeito, mas acho posso ensinar o time a vencer. Além disso, acho que sou esperto o bastante para aprender com os jogadores e técnicos internacionais, sempre aprendi muito com meus companheiros em outros tempos e estou pronto para aprender mais.

– Durante as clínicas, você e o Dave Hanners falaram muito sobre tornar os companheiros de time melhores. Qual time hoje você vê fazendo isso, envolvendo todos os jogadores e atuando como um time? Golden State mesmo?
– Sim, todos eles arremessam, conduzem a bola, pegam rebotes, sabem jogar em transição e passam, eu não acho que muitas equipes na NBA passam a bola. San Antonio passa, Utah passa, mas não são muitos times. Eu fico realmente frustrado assistindo a jogos da NBA. Muitas tentativas de 3 pontos, muitos chutes ruins, é difícil.

– Você acha que isso é reflexo do small ball?
– Eu não me importo muito com o small ball, pois o trabalho dos técnicos é jogar com os melhores atletas que ele tem, aqueles que vão te dar mais chances de vencer os jogos, mas se você não tem os atletas certos, você não pode jogar como Golden State ou como Houston. Eu ainda acho que precisamos de dois jogadores grandes e três atletas que possam driblar a bola, passar e arremessar. Você pode vencer com dois caras grandes, não precisa jogar no estilo small ball. Mas se você não tem esses dois caras, tem que encontrar uma forma de vencer e talvez essa seja o caminho, o que não significa que seu time pode jogar dessa forma só porque todos estão jogando.

– Essa é a maior dificuldade que um técnico da NBA tem? Encaixar as peças de acordo com seu elenco?
– Isso é um desafio para qualquer técnico, de colocar todos aqueles atletas nas posições certas para ter sucesso. Eu não quero perguntar para um cara o que ele pode fazer de melhor, se eu souber o que ele faz bem, vou tentar facilitar as coisas para ele e enfatizar aquela característica. Mas se as coisas não derem tão certo, não vou desistir dele, vou tentar ensinar para melhorar seu jogo. Eu penso que técnicos devem tornar seus atletas melhores e para isso devem conhecer suas capacidades e limitações.

– Aquele Pistons de 2004 tinha muito dessa coletividade, todos sabiam chutar e criar jogadas. Qual era o segredo daquele time?
– A maioria das pessoas fala que nós não tínhamos ótimos jogadores em Detroit, eu discordo. Nós tínhamos um ótimo quinteto inicial com Ben Wallace, Rasheed Wallace, Tayshaun Prince, Chauncey Billups e Rip Hamilton, todos eles podiam defender, atacar, passar, mas tínhamos um ótimo banco também: Corliss Williamson, Mike James, Elden Campbell, Mehmet Okur. No ano seguinte perdemos alguns deles, o que foi decisivo nas finais para o San Antonio Spurs, mas nos dois anos nós tivemos ótimos elencos, eram ótimos times.

– Tim Duncan jogou demais naquelas finais de 2005. Aliás, você treinou ele nas seleções americanas também. Como foi trabalhar com o Duncan?
Ele certamente foi um dos melhores jogadores da história. Pop começou sua carreira treinando Tim Duncan e David Robinson juntos, isso é enorme. Nós quase tivemos Tim Duncan, eu estava em Philly e San Antonio não deveria estar tão alto no draft, mas David se machucou e eles não tiveram um bom ano. Nós ficamos com a segunda escolha, pegamos Keith Van Horn e o agente dele disse que não queria ir para a Philadelphia, então trocamos e aquilo ajudou o nosso time a melhorar. Mas Tim é um grande companheiro de time, uma grande pessoa e um dos melhores jogadores que já tivemos no basquete.

– Falando em craques, vocês falaram várias vezes do Iverson durante a clínica com os técnicos e sempre com muito carinho. Ele foi o melhor atleta que você treinou?
– Ele é o melhor atleta que eu já vi, mais competitivo do que qualquer outro, mas não gosto de falar que foi o melhor, pois treinei David Thompson (Denver Nuggets), Buck Williams (New Jersey Nets), Chauncey Billups (Detroit Pistons), Reggie Miller (Indiana Pacers), Derrick Coleman (Philadelphia 76ers), Rasheed Wallace (Detroit Pistons), Bobby Jones (Denver Nuggets)… São tantos jogadores ótimos nos times e nas seleções olímpicas que eu não gosto de escolher um, mas Allen é tão bom quanto eles. Se ele estivesse jogando hoje em dia, com a forma que marcam faltas, Iverson teria média de 50 pontos (risos). Naquela época o jogo era muito mais físico.

– Como era administrar ele?
– Era um grande desafio, aquele tempo não foi fácil, mas hoje eu vejo que foi o melhor para mim. Com ele eu aprendi muito sobre como ser um técnico melhor, aprendi muito sobre os atletas e, olhando para trás, nos tornamos muito próximos. Tenho muito orgulho dele e eu me sinto sortudo de ter sido seu treinador, até falei uma vez para a minha família: 'Acho que Deus me colocou aqui para treinar ele'.

– E vocês foram longe, chegaram às Finais em 2001…
– Isso porque ele era ótimo, tínhamos uma excelente equipe ao redor dele. Eu realmente acredito que nós poderíamos ter vencido os Lakers se estivéssemos saudáveis, apenas um jogo não foi apertado e as pessoas não lembram que nós tínhamos Kevin Olie, Raja Bell, Jurmaine Jones, Todd MacCulloch, garotos que ninguém conhecia, mas que era um grupo durão e pronto para competir.

– Mais um time seu que tinha uma defesa muito forte, também…
– Sim, meus times geralmente defendiam muito bem.

– Vocês citaram alguns atletas quando falaram sobre companheirismo e deu para ver que falam com carinho do Rasheed Wallace, algo que me chamou bastante a atenção.
– Rasheed veio de North Carolina, foi atleta do treinador Dean Smith, e sempre foi um ótimo companheiro de time. Quem critica o Rasheed não conhece ele, mas todos que o treinaram amam ele. É um atleta que respeita seus técnicos, respeita o jogo, ama seus companheiros, é disso que North Carolina se trata e os Pistons tinham essa química. Ben era um ótimo companheiro, Rip, Chauncey, Tayshaun todos eles têm grande caráter. Foi fácil ser sucessor do Rick Carlisle, é um grande técnico, foi demitido por perder jogos em playoffs, mas deixou uma ótima base. Então quando eu cheguei foi uma transição tranquila, aliás, foi o único time que eu assumi que tinha campanha positiva no ano anterior, todos os outros vinham de campanhas ruins: Nets, Spurs, Clippers, 76ers, em todos tivemos que construir uma base, diferente dos Pistons e isso fez uma diferença grande.

– E aquele time durou muitos anos chegando às Finais do Leste. O que aconteceu que você saiu com um título em 2004 e um vice em 2005 após sete jogos?
– Aquele ano foi muito difícil, além das reposições que não foram feitas, eu fiquei doente. Depois da temporada o dono disse que não queria me demitir, mas me perguntou se eu poderia prometer que eu treinaria todos os jogos, eu respondi 'ninguém pode prometer isso, mas antes da última temporada eu não perdi nenhum jogo'. Então ele respondeu que contratou um treinador para todos os jogos, mas um cara na minha idade não pode garantir isso. Foi assim que terminou. Mas foi um grande time que poderia ter ganho vários títulos.

– Quando falamos de basquete brasileiro, o que vem à sua mente?
– Primeiro de tudo, Oscar Schmidt (risos). Também me lembro que em 1999 fomos para um Pré-Olímpico em Porto Rico e eu fui o técnico principal porque o Rudy Tomjanovich ficou doente e nós enfrentamos o Brasil. Em 2003, de novo em um Pré-Olímpico em Porto Rico, enfrentamos o Brasil mais uma vez e era um time muito bom e jovem: (Leandrinho) Barbosa, (Alex) Garcia, Nenê, Varejão, Splitter. Eu fiquei impressionado, todos eles tiveram longa carreira na NBA, mas não sei do Garcia…

– Ele ainda joga na nossa liga, está no Bauru…
– Ainda joga? Ele era firme. Era um time muito talentoso.

– O que mais do esporte brasileiro?
Eu gosto bastante de futebol, o soccer, e me lembro que quando vi Pelé jogar, o futebol brasileiro me lembrou muito o estilo de jogo do nosso basquete nos Estados Unidos, com muita velocidade, mais aberto que a seleção alemã, por exemplo, assim como o basquete dos EUA costuma ser mais aberto que o europeu, ou costumava ser.

– Como você acha que o Brasil pode voltar a ser grande no basquete?
– Quando eu vim ao Brasil há cinco anos para uma clínica em São Paulo, lembro de vários garotos entre 17 e 19 anos e eram muito bons, mas, infelizmente foram para a Espanha e não tiveram sucesso. Sem boa educação acabam perdendo muitas oportunidades. Acho que é importante manter esses jovens atletas aqui, jogando na liga profissional e desenvolvendo esses garotos. Não deveria ser assim, é um país enorme, que ama basquete, tem ótimos atletas. O que vocês têm que fazer no Brasil é desenvolver jovens técnicos para desenvolver jovens atletas, principalmente seus fundamentos, assim o basquete vai ficar cada vez melhor.

– Já que você citou o Pré-Olímpico de 2003 há pouco, o que aconteceu nas Olimpíadas de 2004? O que não deu certo?
– Em 2003, tínhamos a base. Malone e Kobe não puderam ir, mas vencemos o Pré-Olímpico batendo a Argentina na final por mais de 30 pontos. Naquela ocasião tivemos cerca de 15 treinos, mas pensávamos que o time seria o mesmo para as Olimpíadas, porém, por causa do 11 de setembro de 2001, diversos jogadores estavam com medo de ir à Grécia e não foram. Malone não foi, Kobe não foi, Vince Carter não foi, Tracy Macgrady, Ray Allen, Mike Bibby, Jermaine O'Neal, Jason Kidd… nenhum deles foi e tivemos que reiniciar o trabalho. Tivemos dez dias antes dos Jogos em que preferimos treinar ao invés de promover amistosos, pois precisávamos montar um time. Lebron, Wade e Carmelo eram calouros, Stoudemire um segundanista e Okafor ainda estava no universitário. Era um elenco jovem, não tínhamos um time e nem tempo para transformá-lo em um, então acho que foi um trabalho incrível considerando esse tempo. Na Grécia, não gostam dos Estados Unidos, isso foi duro, Tim Duncan falava sobre isso todo o jogo e, depois dessa, nunca voltou à equipe. As pessoas esquecem também que, dois anos depois, com vários desses atletas mais experientes, ficaram em terceiro no Mundial. Em Pequim 2008, repleto de fãs da NBA e com equipe completa, a seleção americana teve 95 treinos, puderam selecionar jogadores, cortar e trazer novos caras, diferente do que tivemos em 2004.

– Aquelas duas derrotas trouxeram grandes lições ao basquete americano?
– Na verdade, eu acho que quando nós perdemos em Atenas, eles perceberam que precisavam fazer as coisas diferentes, não apenas ter os melhores jogadores, mas se preparar da maneira correta. Não acho que as pessoas ligam para 2006, pois só se fala da derrota de 2004. Agora temos um programa onde se pratica todo ano para termos o melhor time. Não acredito que vamos perder de novo.

– Agora teremos o Gregg Popovich à frente da seleção e é curioso que ele foi seu assistente técnico e hoje é referência para todos.
– Um dos treinadores de Pop quando ele era universitário foi assistente do Dean Smith, assim como eu fui, então de certa forma temos a mesma bagagem. Por isso eu o convidei para ser meu assistente em Kansas e em San Antonio, e temos estilos parecidos de jogar. Mas ele sempre quis aprender, tinha essa ideia da maneira ideal de atuar e ele conseguiu esses atletas que tivessem a mesma ideia de jogo…

– E assistentes técnicos também para formar sua comissão, vários deles se tornando treinadores da NBA, inclusive.
Verdade, essa é mais uma característica comum nossa. As pessoas não lembram, mas o Quinn Snyder (técnico do Utah Jazz) foi meu assistente nos Clippers, Igor Kokoskov (técnico do Phoenix Suns) trabalhou comigo nos Pistons, Alvin Gentry (técnico do New Orleans Pelicans), Mike Woodson (ex-Atlanta Hawks), Maurice Cheeks (ex-76ers). São vários e eu tenho muito orgulho disso.

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