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Bala na Cesta

Todos os lados de Leandrinho: Franca, NBA, Warriors, Nash, Marbury e família

Fábio Balassiano

17/01/2018 00h02

Crédito: Newton Nogueira

Leandrinho terminou o jogo contra o Botafogo na segunda-feira no Rio de Janeiro como não terminava havia quase 15 anos. Não na pontuação (decisivo, ele fez 9 dos seus 11 pontos nos 2 minutos finais) e muito menos devido ao triunfo por 67-63 de seu time contra o alvinegro carioca. O que o ala-armador de 35 anos não vivia há muito tempo foi o pós-jogo abraçado às suas duas filhas (Alicia, de 8 anos, e Lara, de 4 anos) e acarinhado de perto pela sua namorada, a modelo Talita Rocca. As três viram a partida da arquibancada e tão logo o relógio apontou o final do duelo entraram na quadra para abraçá-lo (Lara, na verdade, chorava no colo do pai porque havia tropeçado segundos antes).

Com carreira de sucesso na NBA, onde foi campeão pelo Golden State Warriors em 2015 e melhor reserva em 2007 quando jogava pelo Phoenix Suns (naquela temporada ele teve incríveis 18,5 pontos de média), Leandrinho volta ao país depois de 15 anos para liderar o Franca Basquete na busca pelo inédito título do NBB e para se conectar novamente com sua família, com o basquete local e também com o país. Experiente, ele agora é comandado pelo seu melhor amigo, Helinho, técnico francano, e na quadra lidera uma garotada que luta por um espaço que ele soube conquistar com muita luta, perseverança, dedicação e humildade.

Em entrevista exclusiva e reveladora, o craque do Franca falou sobre tudo – a vida na NBA, as dificuldades que passou, a temporada de 73-9 que não terminou em título com o Warriors, o título de 2015, prêmios individuais e muito mais. É um conteúdo imperdível. Aproveitem.

BALA NA CESTA: Como está sendo esse começo em Franca, esse recomeço no basquete brasileiro? Está dentro do que você esperava ou além do esperado?
LEANDRINHO: Me surpreendeu. Muito. E está sendo, como você me falou, além do que eu esperava. O SESI Franca Basquete tem um projeto maravilhoso e está proporcionando a nós jogadores e também à torcida uma estrutura incrível. O Paulo Skaf, presidente do SESI, tem dado todo apoio necessário, fazendo um grande trabalho e desenvolvendo esse projeto. Está tudo muito organizado e estou bem satisfeito. Ao mesmo tempo disso tudo tem o fato de eu estar voltando à minha terra, voltando às minhas origens, minha raiz. Onde tudo começou, onde iniciei minha vida profissional, o Brasil. E além do mais em uma cidade que vive o basquete intensamente como é Franca. Já conhecia de ouvir dizer, de jogar contra, mas eu não imaginava que Franca fosse uma cidade que gostasse tanto assim de basquete. A minha estreia contra o Vitória no dia 6 de janeiro, com mais de cinco mil pessoas no ginásio, significou demais pra mim, pra minha carreira. Foi especial aquela tarde no Pedrocão. Vi um ginásio lotado, todos me aplaudindo, foi uma grande emoção mesmo. Estou surpreso por tudo isso e pela equipe, que forma um elenco maravilhoso e comandado por um dos melhores amigos que tenho, o Helinho. Estou muito feliz com tudo. Da estrutura, da organização, do grupo e do Helinho como técnico. É até meio estranho falar nele como técnico, né? O cara jogou comigo o Mundial de 2002, é melhor amigo desde aquela época e hoje é meu técnico. Em 2002 eu brigava pela posição com ele, o cara sempre me deu força e estamos juntos novamente. Estou muito feliz. E o mais importante de tudo: estar perto das minhas filhas, da minha família. Ah, e não posso deixar de falar que depois de quase 15 anos estou vivendo de novo o verão do Brasil, algo que não estava nem mais acostumado. Ano novo, Natal, essas festas, esse período, eu nem lembrava mais como que era. Ou passava vendo fogos ou dormindo pra jogar no dia seguinte.

BNC: Isso pesou na sua decisão de voltar ao Brasil, ou seja, ficar mais perto de suas filhas? Com quantos anos elas estão?
LEANDRINHO: Uma com oito (Alicia) e outra com quatro (Lara)…

BNC: Então. Essa sua volta ao país tem muito de você se conectar mais com elas, com o país, com a sua família, não?
LEANDRINHO: Com certeza, com certeza tem isso, sim. Isso prevaleceu muito. As meninas, né. Pesou demais na hora de tomar a decisão pelo fato de não ter uma relação tão ativa com elas. Acabei passando muito tempo longe delas devido a minha profissão. Elas entendem isso, mas são 14, 15 anos jogando fora do país e distante delas e da minha família. É difícil sempre estar lá e não estar perto delas. A comunicação hoje está mais fácil, mas a presença física, por perto, é melhor, né?

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BNC: Você consegue notar uma melhora no NBB? Está é a sua terceira passagem (Flamengo e Pinheiros rapidamente no passado) e em todas o campeonato parece evoluir, não?
LEANDRINHO: Sim, não há dúvida disso. Converso muito com o Rossi (João Fernando Rossi, presidente da Liga Nacional) e é muito visível que a Liga evolui a cada dia. O Jogo das Estrelas de 2017 é um exemplo claro do que você está falando. Foi uma festa lindíssima e comentada por todos. Este ano o campeonato está forte, com bons times, estruturas legais e um espaço grande na mídia também. O crescimento é muito claro, óbvio e fico muito feliz que essa parte de gestão, ou seja, de fora de quadra, esteja sendo levada a sério e bem feita pela direção. Dá uma tranquilidade muito grande pra gente, que se preocupa apenas em fazer o melhor na quadra.

BNC: Muda alguma coisa pra você ser titular de novo na sua carreira? Na NBA você se tornou uma espécie de amuleto vindo sempre do banco…
LEANDRINHO: É verdade, cara. Sabe que outro dia comentei isso com amigos. Eu nem lembrava direito como era ser titular em um jogo de clube. Na seleção eu sempre comecei jogo, mas na NBA eu vinha do banco mesmo. A principal diferença é que do banco você vê o jogo, entende o que está acontecendo e pode descobrir do lado de fora o que o seu time precisa – se chute, infiltração, cadência, passe ou outra coisa. Quando você começa uma partida tem que iniciar atirando, não tem muito o que fazer. Não é difícil, mas é diferente e também requer adaptação. Acho que não ouvia meu nome sendo introduzido pelo alto-falante do ginásio em uma partida de clube havia muito tempo, viu. Ao mesmo tempo te digo que é bem legal porque mostra que o time te dá uma responsabilidade diferente, bacana, proporcional ao que espera de você.

Crédito: Jayson Braga

BNC: Uma coisa que reparei demais nestes dois dias aqui perto de Franca (domingo no treino e segunda-feira no jogo contra o Botafogo) é que você virou uma espécie de tutor dos garotos mais novos do time. É mais ou menos por aí mesmo, né? Você tem tentado passar essa experiência pros caras…
LEANDRINHO: Sim, muito. Não é pelo fato de eu ter passado 15 anos na NBA, nada disso. Mas é porque você tem uma experiência, uma bagagem e pode passar pros garotos novos que estão começando. Dá pra passar muita coisa, e hoje eu consigo ver que, lá atrás, eu estive nessa posição de ter e precisar de ajuda. Ouvi muitos conselhos, tive muita gente que me ajudou e aprendi demais. Quem era mais experiente que eu me dava toques. Hoje em dia sou eu quem passa informações que eu recebi quando tinha a idade deles. Isso é muito importante, principalmente pros novatos. Fico muito feliz de ver o respeito deles. A atenção que eles têm comigo quando estou falando é incrível. É praticamente, em Franca, o que fiz no Golden State Warriors quando fui contratado pelo Steve Kerr pra ensinar o estilo de jogo do Phoenix Suns pro Steph Curry e Klay Thompson. Fico feliz e gosto de fazer essa função.

BNC: Quem foi o cara no Phoenix que te colocou embaixo das asas pra te ensinar sobre o basquete e sobre a vida?
LEANDRINHO: No começo foi o Stephon Marbury. Ele meio que foi um pai pra mim lá. Me criou, me colocou debaixo do braço mesmo. Depois foi o Steve Nash, que me ajudou incrivelmente dentro e fora de quadra. Hoje posso dizer que somos muito amigos e temos um respeito incrível um pelo outro. Com outros aprendi muito também. Nunca tive uma má relação com ninguém na NBA e isso é legal.

BNC: Tem uma história que o Marbury te deu um carro quando você era novato, não teve?
LEANDRINHO: Sim, teve sim. Tem a história que eu ia de bicicleta pros treinos, isso todo mundo já sabe. Mas os americanos ficavam meio doidos, completamente resignados com isso. Achavam legal, porque era a minha humildade, minha raiz, minha índole, mas ao mesmo tempo era estranho porque eles nunca tinham visto aquilo de um atleta da NBA pegar uma bicicleta pra ir treinar. Mas, Bala, naquela época eu não tinha dinheiro, não tinha nada, então pra mim era mega natural. Não queria depender de ninguém e fazia exatamente igual quando estava em Bauru. Pra mim não mudava nada. Aí o Marbury me deu um Cadillac lindo e maravilhoso…

BNC: Você ainda tem o carro?
LEANDRINHO: Não, não, acabei vendendo (risos)…

BNC: E avisou a ele?
LEANDRINHO: Avisei, avisei (risos).

BNC: Vocês mantêm contato até hoje?
LEANDRINHO: Ah, sim, muito. Ele está jogando na China e recentemente tive uma proposta de lá também. O cara está virando técnico, tá com muita moral na China e o convite apareceu. Tenho um carinho muito grande por ele. Mantenho uma relação legal com todos eles da NBA inclusive.

BNC: Essa sua relação, agora falando sobre o Steve Nash. Você já parou pra pensar que jogou do lado de um cara que mudou o jogo e que foi mega fundamental para um time que, hoje dá pra dizer, também modificou os padrões da NBA?
LEANDRINHO: Sim, já pensei nisso. E eu tive isso muito claro quando eu fui pro Golden State Warriors. O técnico do Warriors, o Steve Kerr, foi meu general-manager no Phoenix. Então ele tinha muito claro o que dava pra fazer, o que dava certo e o que não dava. O Golden State poderia ser o run and gun (jogo de velocidade) do Phoenix Suns. E acabou sendo até melhor do que aquilo que fazíamos no Suns por uma razão muito simples. O Golden State defendia, defendia muito bem, algo que o Phoenix não tinha tão forte assim. O Suns era só o ataque. A gente não tinha defesa. O Mike D'Antoni mesmo, o técnico, não se importava muito com a defesa. No Golden State tinha que defender pra poder jogar. Se não defendia não jogava. Era bem claro isso. Eu sofri isso no começo, Bala. Como não marcava legal, me tiravam da rotação direto. E eu aprendi a marcar melhor lá.

BNC: Queria falar um pouco sobre os detalhes da NBA que nem sempre a gente conhece. Você foi trocado do Phoenix, onde era um ídolo absurdo. Como é isso, cara? Você que pediu? Isso nunca ficou claro pra mim…
LEANDRINHO: Vou te explicar. Eu estava muito bem no Phoenix, mas tive que operar a minha mão e já em uma fase onde o time estava se desmanchando. Até ali, tudo bem, mas em 2010 chegou o Goran Dragic e eu não conseguia recuperar meu tempo de jogo. Me esqueceram no banco. Até que um dia eu fui pra direção e pedi pra ser trocado. Na lata mesmo. Pedi: "Me troquem. Sei que tenho condição de jogar".

Você que pediu então?
Sim, eu pedi. Eu que pedi à direção. E aí acabou que fui pro Toronto Raptors. E quem estava lá? O Bryan Colangelo, que trabalhou comigo no Phoenix Suns…

Uma das dúvidas que a gente tem é assim: quando você é trocado, como que funciona? O clube te liga? É o agente? Te entregam as roupas em casa?
Pode acontecer na madrugada, Bala. Você está dormindo, chega uma mensagem no seu celular e diz: "Vai pro ginásio agora que a direção quer ter uma conversa com você porque você acabou de ser trocado". Aí você olha e se questiona: "Como assim? Por quê? Pra esse time? O que está acontecendo?". Pode acontecer dentro de avião, antes de entrar em um jogo, tem de tudo. Se tem uma coisa que não gosto na NBA é isso de ser trocado. Aparece do nada e quando você menos espera. Você está em uma boa situação e te mandam pra outro time. A NBA é business, negócio, não tem jeito. Então você tem que estar preparado pra tudo.

Crédito: Reprodução Instagram

BNC: E deve dar uma coisa no atleta meio que "porra, por que eu?", não?
LEANDRINHO: Ah, sim, muito, cara. É meio louco. Quando cheguei lá, o Marbury tinha feito tudo por mim. Tudo, tudo mesmo. Quando ele foi trocado, foi uma choradeira no vestiário que você não tem ideia. E ele me fez entender que aquilo era um jogo de negócios. Eu não sabia direito como funcionava e aprendi na marra ao ver o meu melhor amigo sendo trocado pra New York sem ter a menor chance de escolher. E aí eu perguntei: "Por que você está sendo trocado no meio do campeonato?". Nós choramos de novo e eu cresci bastante com isso.

BNC: Hoje te entristece ver o Phoenix de uma maneira tão pálida na NBA?
LEANDRINHO: Sim, dá tristeza, claro. Depois que o Bryan Colangelo saiu a organização mudou, jogadores foram trocados e nada aconteceu. Aquela nossa geração não trouxe título, não veio anel de campeão, mas íamos ao playoff em todos os anos e a galera chegava junto. Hoje é o que é. Ainda existe o time mas não é o que era antes. Faz parte, mas é triste.

BNC: Agora falando do Golden State. Você saiu de São Paulo, Bauru, Phoenix, rodou nos EUA, parou no Golden State, deu aquela entrevista engraçada falando que iriam ser campeões e… foi campeão em 2015. Como é que é, cara? Você, com 30 e poucos anos, como campeão da NBA. Quando você volta pro vestiário parecia que estava em outro mundo, não?
LEANDRINHO: E estava mesmo (risos). É difícil chegar onde eu cheguei, né? Jogar na NBA é difícil. Ganhar um título ali, ainda mais complicado. E jogando, brigando, participando, marcando LeBron James e todo mundo lá. Quando comecei a rodar, a ser trocado, achei que nunca ia chegar a uma final da NBA, sabia? Porque pensava que depois de ter batido tão na porta com o Phoenix eu nunca iria conseguir um título. Já nem acreditava mais, não tinha muito isso como meta, fixação na cabeça. As coisas no Warriors aconteceram muito rápido. No Mundial da Espanha em 2014, ou seja antes da temporada 2014/2015, eu estava sem time, não sabia o que ia ser da minha vida. Vieram 3 propostas: Heat, Clippers e Warriors. Do Miami era ótimo, né? Cidade linda, perto do Brasil, clima ótimo. Clippers tinha um timaço, podia chegar perto de título. Mas no Golden State tinha o Steve Kerr, que já me conhecia e me passou uma função muito específica – ensinar pro Curry e pro Klay o que era o estilo do Suns. Lá as coisas aconteceram muito rápido. Logo no primeiro ano nós chegamos à final, e ali em Oakland eu tive muitas lembranças de como era quando fui selecionado no Draft uma década antes. Eu vi um sonho se tornando realidade, acabou acontecendo o meu sonhado título da NBA. É uma sensação indescritível. Ralei muito, demais mesmo e ter esse anel de campeão é resultado de muito suor desde que comecei a treinar.

BNC: E aí desaba de emoção, né, cara?
LEANDRINHO: E aí, Bala, eu acabei ficando bêbado, algo que nunca acontece comigo. Acho que foi uma mistura incrível de emoções, de sentimentos, de sensações. Pô, sair de onde eu saí, de uma infância humilde, passando por Bauru, Phoenix e chegar a um título? Foi um momento especial. Até hoje eu paro pra pensar em tantos atletas que tentaram e não conseguiram um título. Jalen Rose, Stephon Marbury, Steve Nash… E eu sou campeão da NBA? Pô, é o máximo. O próprio Lula Ferreira, que hoje é meu supervisor aqui no Franca, foi o técnico que me lançou no Palmeiras lá atrás e sabe do que passei. Ninguém acreditava. Me chamam de Leandrinho porque eu era pequeno, franzino. Ninguém dava nada por mim. Parecia um ET. Tinha cada apelido que você não tem ideia. De derrubar, sabe. E, pô, cara, o Lula me deu oportunidade, o Guerrinha me deu uma chance e eu não esqueço de nenhum deles. Cheguei no lugar que cheguei porque me abriram portas.

BNC: Outra de suas conquistas é o troféu de melhor sexto homem da NBA em 2007. Até hoje nenhum brasileiro conseguiu um prêmio individual na liga, você sabe disso. Você já esperava, né?
LEANDRINHO: Nada, eu não esperava nada. Balassiano, saindo de onde saí, sendo brasileiro, só de já estar na conversa eu já estava feliz, lisonjeado. Mas ganhar? Nada disso…

BNC: Sério? Mas é animal de incrível um troféu individual na NBA, não é?
LEANDRINHO: Foi um prêmio individual mas mérito do esforço coletivo. Foram todos os meus companheiros e a comissão. O Mike D'Antoni e o Dan D'Antoni, técnico e assistente e que eram irmãos, confiavam demais em mim e me deram carta branca pra atacar, pra arriscar, pra ser quem eu gostava de ser. Eles viam meu talento e acreditavam em mim. Ganhei confiança, meu jogo fluiu e o Nash me dava bola (risos).

BNC: Quem te ligou pra te contar?
LEANDRINHO: O Nash me ligou pra me contar e eu achei que ele estava tirando onda comigo. A gente brincava muito, um sacaneava o outro e pensei que era zoeira. Até que ele disse: "Irmão, estou falando sério. Se prepare". E aí o Bryan Colangelo, o gerente-geral, me ligou pra dar os parabéns e pediu pra eu ir à franquia pra entrevista coletiva. Perguntei se era sério, se estava tudo certo e ele mandou eu correr pro Phoenix. Como não acreditava ainda, coloquei uma roupa de treino normal, você acredita? Cheguei lá, um monte de gente, mídia toda e falei: "Caramba, é verdade mesmo". Não esperava mesmo…

BNC: Onde está esse troféu?
LEANDRINHO: Em casa, em São Paulo. Um título individual conquistado por um grupo maravilhoso. Se não fosse aquela galera ter me ajudado não teria rolado. Eu fico muito feliz. E sabe o mais incrível? Toda vez que olho aquele troféu eu lembro da minha mãe, a Dona Ivete, que faleceu no ano seguinte (2008). Dedico tudo a ela.

BNC: Você fez parte da equipe do Golden State que na temporada 2015/2016 fez 73-9, bateu o recorde do Chicago Bulls do Michael Jordan de 72 vitórias mas o título acabou não vindo depois de ter 3-1 na final. Ficou um sentimento de quê após aquele campeonato?
LEANDRINHO: De trabalho incompleto. De não termos fechado aquela temporada magnífica da maneira que tínhamos que ter fechado. Quando aconteceu isso de termos conseguido 73 vitórias eu fiquei preocupado, sabia? Muito preocupado. Não pelas vitórias, mas pelo fato de, tipo, era momento de nos pouparmos perto dos playoffs e estarmos correndo como loucos. Faltando 10, 15 jogos era momento de tirar o Curry, o Klay, o Green, o Iguodala. É assim que funciona normalmente. Mas a gente colocou uma pressão em nós mesmos pelo recorde que acabou que todos queriam jogar, queriam o feito, queriam o recorde. Batemos o recorde? Batemos, mas não valeu em nada. Valeria se tivéssemos sido campeões. O título coroaria aquele trabalho, entende? O título era muito mais importante. A gente entrou pra história? Entrou. Vai pegar Hall da Fama? Provável. Mas faltou algo. Vivemos algo maravilhoso, mas faltou algo. Ficou incompleto, sabe? Não falo que foi ruim. Me coloquei errado. Faltou completar pra ficar perfeito. Faltou gás mesmo.

Crédito: Newton Nogueira

BNC: Faltou gás mesmo?
LEANDRINHO: Sim, faltou. Todos jogamos 82 jogos, 30 e poucos minutos cada. Cansa, Bala. No final, ali nas finais, todos cansavam, você tenta puxar o ar e não vem. O Cleveland teve gás, experiência e conseguiu virar pra cima da gente.

BNC: Te frustrou não ficar no time depois disso? Os caras foram campeões no ano seguinte de novo…
LEANDRINHO: Não, não. Nada disso. Foi até engraçado. Quando eles assinaram com o Kevin Durant em 2016 sabia que ia ficar difícil pra eu permanecer lá. A NBA é negócio, né? Tive uma proposta muito alta pra ir pra Phoenix, e preferi sair. Mas não sei se você sabe, o Durant me mandou mensagem e dizia: "LB, quanto você quer pra ficar? Vamos falar com a diretoria. Te queremos aqui". Curry e Klay também. A torcida ficou muito chateada com a minha saída, mas preferi ir. O Suns veio muito forte e com o objetivo de eu ensinar pra molecada. Achei que meu momento tinha passado.

BNC: Você se arrepende?
LEANDRINHO: Não, não. Já ganhei um título, cheguei longe pra caramba. Tudo é uma experiência de vida. Fico feliz pelo desempenho de todos eles lá. Mantemos contato até hoje. Steve Kerr mesmo me manda mensagem de Feliz Natal e de feliz ano novo. Outro dia encontrei com torcedores que estavam aqui. Eles eram da Bay Area (região onde o time joga) e eles fizeram uma baita festa pra mim. Pediram pra eu voltar, é mole? Foi incrível. Acredito que eles sintam falta da energia brasileira, do carisma. Agora nas férias eu vou lá visitá-los. No futuro ninguém sabe o que pode acontecer. Vou te contar uma coisa sobre aquela final que nós perdemos. Nunca falei isso.

BNC: Conta. O que é?
LEANDRINHO: Quando acabou aquela final de 2016. Nós perdemos, todos tristes, jogo 7 em casa, 73 vitórias. Um clima de velório no vestiário. Eu sei que cheguei lá, puxei todo mundo e disse: "Todos aqui prestem atenção. Foi muito bacana o que a gente fez. Batemos um recorde e não soubemos completar o trabalho. Faltou pouco e isso aqui é um aprendizado pras nossas vidas. Independente de eu estar aqui ou não, tenho certeza que o Golden State voltará muito forte. Todos aqui devem confiar nisso porque essa franquia é grande, todos aqui são incríveis. Quem estiver aqui vai ser feliz no ano seguinte. Vamos seguir em frente". Geral bateu palma, chorou junto e seguiram. Não aconteceu em 2016, faltou uma vitória, mas no ano seguinte a equipe ganhou. Queria muito aquele título em 2016, seria algo incrível pra franquia e pros meus amigos, eu mesmo estava com a faca na caveira, mas não rolou. Faz parte do esporte e foi um ótimo aprendizado também.

BNC: Por fim, Leandrinho. Quem é você como pai? Você tem uma humildade muito grande, teve uma infância sem luxo. E hoje você é um cara realizado financeiramente mas imagino que você tenta passar pra elas a dificuldade pela qual passou e que pra ter as coisas é preciso conquistar, não?
LEANDRINHO: Eu pego pesado com elas, sabia? Elas não têm tudo, não. A palavra que você usou aí, conquistar, é a que eu mais uso com elas. A condição que a gente tem hoje é fruto de esforço e elas sabem que vim de baixo, lutei muito. Dormia no concreto, não tinha muito o que comer. Tirando vender bala no farol eu fiz quase tudo. Tem que aprender e valorizar. E explico o porquê de elas estarem ganhando presentes. O que elas têm hoje eu não tive quando era criança. Temos que valorizar. Quando vem fácil, vai embora fácil. E você sabe o que mais me orgulha? Quando vamos em uma loja, elas não me pedem nada, não exigem nada, não fazem show pra nada. Ficam tranquilas e sabem o lugar delas. Isso me dá um orgulho danado, da educação e da índole delas.

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