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Bala na Cesta

Campeão do Pan-87, Guerrinha diz: 'Há 30 anos já praticávamos o basquete que se joga hoje'

Fábio Balassiano

22/08/2017 06h30

O título do Pan-Americano de 1987 completa 30 anos nesta quarta-feira. Um dos integrantes do time comandado por Ary Vidal era Jorge Guerra, o Guerrinha. Atualmente técnico de Mogi, um dos favoritos da próxima temporada do NBB, Guerrinha conversou com o blog sobre a conquista de Indianápolis, o impacto que ela teve em sua vida pessoal e profissional e muito mais. Confira a entrevista exclusiva.

BALA NA CESTA: Passados 30 anos, o que fica de mais importante daquele 23 de agosto de 1987 em Indianápolis?
GUERRINHA: Depois de 30 anos, o que fica é o que nós tivemos nestas últimas semanas. A amizade, o carinho, o respeito entre todos aqueles que estiveram naquele momento maravilhoso. É lógico que o título, a conquista, a forma que foi, contra quem, o local, tudo isso representa muito, mas muito mais entre a gente o que vale é o carinho. Na última sexta-feira estivemos com todas as nossas famílias na casa do Marcel (de Souza) em Jundiaí. Foi uma noite linda, tranquila, em que revivemos todos os momentos incríveis que passamos. Não é só a medalha que fica pra sempre, mas sim o respeito e o companheirismo que a gente mantém até os dias de hoje. É lindo, pelo lado público da coisa, encontrar as pessoas na rua e até agora as pessoas virem nos reconhecer por isso, nos reverenciar, falar que lembram daquele 23 de agosto, que passaram a acompanhar basquete por nossa causa. É isso que fica.

BNC: Você, na época, jogava em um basquete, digamos, mais controlado, mais cadenciado, o da escola francana e a seleção de 1987 era o oposto disso. Conviver com, digamos, tanto paradoxo deve ter sido difícil pra você, não?
GUERRINHA: A minha formação toda, como você disse, é da escola francana. Basquete controlado, que valorizava defesa, que era um pouco mais estudado. Na seleção era totalmente diferente. Um jogo de risco, muito voltado pro ataque e que a defesa fazia até parte das coisas, mas quase tudo se baseava mesmo na excelência ofensiva que tínhamos. Aquela geração marcou a todos pela força ofensiva, graças a Oscar e Marcel, arremessadores de elite. No começo, pra mim, foi muito duro. Confesso a você que eu entrava em conflito interno e me perguntava: "Será que tudo o que aprendi na minha vida inteira estava errado?". Não, não era isso. Tudo o que aprendi estava muito certo, mas no esporte não existe o totalmente certo e nem o totalmente errado. Existem versões, visões diferentes dentro de um mesmo assunto. Hoje em dia, como treinador, eu tento aliar os dois lados – o francano e aquele que vivi na seleção. Às vezes não dá, mas quase sempre é possível. No final das contas, toda espiritualidade te leva a Deus. Então eu aprendi demais a conviver com isso. Foi grandioso pessoal e profissionalmente ter participado de um universo tático e técnico tão distinto daquele em que me formei.

BNC: O quanto daquela geração te influenciou e ainda influencia como técnico nos dias de hoje? O que você carrega daquela década hoje em dia como treinador?
GUERRINHA: Hoje eu sou uma mistura de tudo aquilo que vivi na vida. Umas coisas me identifiquei mais, outras menos, mas por exemplo o lance da confiança que o Ary Vidal passava aos atletas é algo que tento sempre falar com meus jogadores. Outro dia me perguntaram como eu seria, como técnico, daquela equipe de 1987. E eu respondi: "Eu teria muito problema". O Oscar, por exemplo, queria jogar 40 minutos sempre. Hoje isso é impossível. Eu não tiraria a, digamos, irresponsabilidade que tínhamos pra jogar, mas eu dosaria um pouco mais isso principalmente nos finais das partidas. A gente jogava do primeiro ao último minuto da mesmíssima maneira, arriscando. Talvez trabalhar um pouco mais cerebral era melhor. A nossa geração jogava demais na emoção, o retrato do grandíssimo Oscar. Uma coisa, porém, eu aprendi e levo isso pra frente: nunca deixe de incentivar as qualidades de seus atletas. A gente jogava pra acertar, pra ganhar nas nossas qualidades. Eu prefiro assim, mas respeito as filosofias diferentes.

BNC: A crítica de que a geração que você fez parte "estragou" as gerações seguintes do basquete brasileiro é justa? Incomodam muito até hoje?
GUERRINHA: De forma alguma. Não me incomoda muito, cara. Respeito o que as pessoas pensam. O certo é utopia. O que é o certo? Não arremessar? Arremessar todas? O tempo médio por posse de bola dessa geração era de 9 segundos por ataque. Naquela época tinha um estudo que as seleções chutavam 9 ou 10 bolas de 3 por jogo. Nossa seleção, de 20 a 30. Hoje, na NBA e nas demais equipes, está nesse patamar aí de 20 a 30. Jogávamos, lá atrás, o que se joga hoje. Mas eu tenho o direito de não concordar, né? Ninguém estraga a geração seguinte. Cada um tem que fazer o que se sabe. A minha equipe não pode jogar no Sistema de Triângulos como o Chicago Bulls jogava porque eu não tenho Pippen ou Michael Jordan. Se minha equipe não tem arremessadores como o Golden State eu não posso jogar chutando rápido como eles fazem. O mesmo pode-se dizer do time de 1987. De forma alguma nós estragamos. Se as gerações que seguiram a nossa não conseguiram os resultados é porque elas não construíram uma identidade própria, algo que nós tínhamos. Cada um faz a sua. Certo ou errado. A geração do Wlamir e Amaury nos ajudou muito. Foram vencedores e jogaram diferente do que a gente jogava. Oscar e Marcel jogavam de um jeito porque tinham talento para tal. Eles marcaram presença no basquete por uma forma de atuar. Quando você tem um talento de exceção é preciso utilizá-lo da melhor maneira.

BNC: Daquele dia 23 de agosto de 1987, quando você fecha os olhos, o que você mais lembra
GUERRINHA: Rapaz, nunca tinha pensado nisso aí. Rapaz… O tempo passa, a gente vai vivendo, mas não pensa muito, né, Bala. Naquele dia o que eu mais me recordo é do pódio e do momento em que o juiz apita o final do jogo. Eu fui correndo atrás da bola, o árbitro toma da minha mão e eu fui comemorar com meus amigos. Na hora do pódio, não tinha o hino e eu lembro que nós cantávamos alto pra todo mundo ouvir. Eu lembro muito da nossa festa, da nossa comemoração.

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