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Bala na Cesta

A 2ª parte da entrevista de Oscar Schmidt - craque abre o jogo sobre a vida dentro e fora das quadras

Fábio Balassiano

31/05/2017 06h00

* Por Fábio Balassiano e Daniel Neves

Na semana passada você viu a matéria especial do UOL com Oscar Schmidt. Hoje coloco as perguntas que não couberam lá. Tem de tudo um muito por aqui: Kobe Bryant, vida dentro e fora de quadra, futebol e muito mais. Confiram. Vale a pena.

UOL: Quando você olha o basquete hoje e vê os caras ganhando muito dinheiro…
OSCAR: Mas eu não ligo para isso, não. Porque cada um tem o seu tempo, e você tem que fazer o que você faz no seu tempo. O meu tempo era outro.

UOL: Desculpe, estava falando de contratos e você falou que eram outros tempos…
OSCAR: Então, outros tempos porque você tem que fazer aquilo que você tem à sua disposição. Não adianta eu querer ganhar milhões se na minha época ninguém ganhava milhões. Então eu fiz o máximo que deu para fazer na minha época e hoje explodiu, né. Porque o esporte é assim e cada vez vai ser mais. Daqui a pouco você vai ver o Nenê, que ganhou uma fortuna na NBA, e vai falar "pô, mas na minha época ninguém ganhava nada, os caras estão ganhando muito mais hoje". O esporte é assim, eu não tenho nenhum problema com isso.

UOL: Mas se você jogasse na NBA hoje quanto você acha que valeria?
OSCAR: É claro que eu valeria muito, né. Ou você não acha? O que os top de linha estão ganhando. Eu não sei nem quanto eles ganham.

UOL: O LeBron ganha uns US$ 25 milhões por temporada…
OSCAR: Então eu também ganharia 25. Ou você acha que eu não valho 25?

UOL: Você valeria no máximo uns 20 milhões, acho eu…
OSCAR: Vinte? Cinco a menos que o LeBron… Aaahhh, vai dormir, rapaz. Estou começando a achar que você não entende muito de basquete. (Claudio) Mortari (que estava sentado ao nosso lado), ele entende de basquete esse menino aí?

UOL: Como é a tua relação hoje com o jogo? Você vê jogo? Você vai a jogo?
OSCAR: Vejo, lógico. O que estiver passando na televisão eu acabo vendo, mas eu gosto mesmo é de ver os playoffs que é onde você joga a sua vida. Jogo de campeonato regular não mostra quem você é. Você mostra quem é quando está valendo a vida. Esse é o momento do jogador.

UOL: Tem algum cara que você goste mais de ver?
OSCAR: Gostava muito de ver o Kobe Bryant, adorava ver o Larry Bird, meu ídolo de carreira, e hoje eu vejo o Lebron James, o Stephen Curry e também pouco mais viu, meu. Esse negócio de falar que todo mundo é bom lá. Não é. Lá tem 30 jogadores bons e o resto vai carregar pedra, vai completar time. E precisa desses caras, não dá para jogar com cinco estrelas porque vão bater a cabeça e vão acabar não ganhando nada. Isso é provado no esporte. Tem que ter no máximo três caras bons mesmo. E o resto vai pegar rebote, pô. O Michael Jordan foi campeão com o Bill Wennington, com Luc Longley… Esses caras não jogavam na Seleção Brasileira, não jogavam os dois. Israel, que jogou comigo, eu não troco por nada.

UOL: A tua relação com o Kobe Bryant, ele deu uma declaração dizendo que você está no top 20 de todos os tempos. Como é a relação de vocês? Vocês se falam?
OSCAR: É difícil se falar porque ele tem o mundo dele, eu tenho o meu. Quando ele vem aqui a gente se fala, quando eu vou lá a gente se fala, mas é muito difícil você se falar com um cara que tem outra vida, outra coisa. Mas ele gostando de mim eu fico muito feliz. Não é nem por nada, é porque eu bati no pai dele por 10 anos, então ele falava "Michael Jordan? Não, pai, eu gosto daquele cara que bate em você, sabe aquele branquinho lá? Aquele cara que bate em você, eu sou fã dele".

UOL: Batia muito?
OSCAR: Muito, todo ano. Pelo menos duas vezes a gente jogava. A gente disputava a artilharia do campeonato, ele sempre segundo, claro, e o Kobe Bryant via.

UOL: Você falou que batia muito no pai do Kobe Bryant e tal, na Itália você tinha média de 35 pontos por jogo, um absurdo…
OSCAR: Pois é, e o brasileiro não viu isso. Isso que é interessante porque antes não tinha esse negócio. Hoje você espirrou aqui, lá na China estão vendo o seu espirro imediatamente. E isso é bom e ruim, né. Porque se você fizer besteira vai sair igualzinho, imediatamente, online. E nessa época eu não fazia besteira, pô. Eu jogava bem para cacete. Teve um ano que eu acabei com 44 de média. Você sabe o que precisa fazer para ter 44 de média?

UOL: Treinar e acertar muito, né?
OSCAR: É. Acertar muito. Eu vejo as médias que eu tinha lá, cara, é brincadeira… Era aquele cara que falava "esse cara não erra. Mesmo".

UOL: Eu ouvi uma história de quando o Kobe Bryant teve aqui em São Paulo em 2013 e queria que você contasse, a história do restaurante.
OSCAR: Putz, eu não sei porque eu falei para ele. A gente estava lá em um restaurante jantando, e aí eu falei assim "você sabia que a um quarteirão daqui tem o quarto melhor restaurante do mundo?". Ele ouviu, e imediatamente falou: "Mas o que que nós estamos fazendo aqui então"?.

UOL: Você se sente responsável por hoje a gente ver o time americano profissional jogar? Foi depois da vitória do Brasil em 1987 no Pan-Americano que eles começaram a pensar nisso…
OSCAR: Lógico, sem dúvida. E coincidentemente em 1984 eles me ofereceram contrato para jogar na NBA. E eu recusei porque jogar na Seleção é muito mais importante do que jogar em qualquer time da NBA. Você pode botar fila aí, de qualquer time. Jogar na Seleção do Brasil? É a coisa mais importante da vida de um jogador brasileiro. Eu recusei e 3 anos depois a gente tem aquela vitória, meu amigo. Eu me sinto parte dessa mudança de regras aí. Foi um orgulho enorme, já pensou? Eu recusei o contrato e 3 anos depois a gente ganha dos caras lá dentro e em 1992 tinha o Dream Team jogando.

UOL: Você tem contato com esses caras todos hoje?
OSCAR: Mais com o Marcel né. O (Eduardo) Agra também de vez em quando, O Dody é meu padrinho de casamento. O Mortari mais do que todo mundo, ele é meu vizinho aqui em Alphaville. Mas cada um tem a sua vida, cara. Este ano faz 30 anos do Pan. Então se presume que a gente vá pelo menos jantar fora. Não sei quem vai pagar isso, mas eu espero que tenha uma comemoração nessas datas importantes, que são 30 anos daquela vitória que mudou as regras do basquete. Eu tenho plena consciência de que aquela vitória foi a mais importante para mudar a regra do basquete. Então eu espero que esse ano tenha uma comemoração.

UOL: Muito se fala que você não marcava nada durante sua vida profissional. O que disso é verdade?
OSCAR: Não, essa parte da defesa tem que ser um capítulo a parte. Porque quando você tem um time onde um dos jogadores é muito atacante, se ele marcar demais ele vai ficar cansado e vai prejudicar o jogo dele no ataque. Então eu marcava o segundo tempo. No primeiro tempo eu ficava ali e tal, ia para o segundo tempo com zero falta e fazia quatro faltas no segundo tempo. Porque aí eu descia o cacete em todo o mundo, porque é assim que se marca, ninguém marca de longe, você tem que marcar assim, se preparar para bater. Porque você apanha o tempo todo e não vai bater no cara? Então é assim que se marca. Então um pouquinho eu sei de defesa, não preciso falar que sei muito porque também não sei muito, mas sei alguma coisa.

UOL: Tem um jogo seu com o Drazen Petrovic que ele mete sessenta e poucos…
OSCAR: Eu nunca tinha visto um cara fazer 60! Meu Deus do céu! E roubaram a gente, cara. Infelizmente tenho que dizer que roubaram a gente

UOL: Era um título europeu?
OSCAR: Sim, e perdemos para o Real Madrid na prorrogação.

UOL: Tem uma história que uma vez vocês encontraram um jornalista que criticava muito o basquete brasileiro. Como foi isso?
OSCAR: Tem uma história que eu cheguei e peguei a fita de um cara que estava filmando o treino. Peguei a câmera dele, tirei a fita e pisei em cima. "Ei, aqui você não vai filmar, não". Ele não era nem brasileiro esse cara, era espanhol se eu não me engano. O cara entrou lá começou a filmar e eu falei "você pediu autorização para alguém? Então como é que você entra aqui?" Foi também nessa época aí, mas não lembro desse cara, não. A gente não convivia muito bem com jornalista, essa é que é a verdade. Você tá falando mal de mil? Então agora você vai ver o que é bom. Eu chuto muito? Espera para ver agora. Eu não jogo para jornalista! Os caras metendo o pau na gente porque a gente chuta de 3 e hoje ou Golden State joga do mesmo jeito que jogava a minha geração. Quem fala é o técnico, fala abertamente: "Vocês viram o Oscar Schmidt jogar? A gente joga daquele jeito". Precisou quanto tempo? Trinta anos.

UOL: Como foi, como é e como você gostaria que fosse a sua relação com a imprensa?
OSCAR: A minha relação com a imprensa, na minha opinião, é boa porque elas vão ter que ouvir o que eu estou falando. Simples assim. E se você me perguntar uma coisa, eu vou responder "é isso aí". Você não vai me perguntar uma coisa eu vou te falar mentira, vou te falar a verdade sempre. E se isso incomoda alguém, eu não posso fazer nada, é a minha opinião.

UOL: E quando você era jogador, te irritava?
OSCAR: Ah, irritava. A Cris (esposa) falava pra eu não ler nada, aí eu não lia nada. Eu ia na quadra e mandava pau. Aí falavam assim "Chuta muito e não marca ninguém" e eu pensava: "Que prato cheio para mim". Você acha que eu vou jogar para jornalista? Vou nada. Você escreva o que você quiser, vai ter que engolir o que eu estou fazendo. Não jogo para você, simples assim.

UOL: Tem uma babaquice que falam que a geração tua e do Marcel atrapalhou o basquete.
OSCAR: Atrapalhou, atrapalhou muito. Realmente era muito fácil ganhar aquele Pan-Americano. Era muito fácil, lá dentro dos Estados Unidos, com o time que foi campeão mundial no ano antes.

UOL: Uma outra que gosto é quando dizem que o vídeo daquele jogo deveria ser proibido…
OSCAR: Eu ouvi falar isso também. Como é que se fala um negócio desses. O Golden State joga exatamente igual a gente. Do Warriors não falam nada. O Golden State é campeão da NBA, meu amigo, como é que você vai falar alguma coisa deles?

UOL: Mas quão infantil é o argumento de que a sua geração atrapalhou o basquete?
OSCAR: Olha eu prefiro não dar muito valor a isso, eu prefiro a opinião do Kobe Bryant, do Mortari, do Larry Bird, desses caras que entendem um pouquinho de basquete, eu prefiro muito mais a opinião deles.

UOL: Era mais ou menos como dizer que o Pelé ou Garrincha atrapalharam o futebol brasileiro?
OSCAR: Exato, eu não preciso falar nada, você mesmo descobriu.

UOL: Como é a sua relação hoje com os caras da NBA? Rolou crítica de lado a lado ali, vocês voltaram a se falar? Na Olimpíada você chegou a cumprimentar ou Nenê, como é o relacionamento entre vocês?
OSCAR: Normal. Joga bem, eu digo que joga bem. Se ele joga mal, eu falo que jogou mal. Comentarista tem opinião. Eu não vou babar ovo de ninguém, meu amigo. Eu vou dar a minha opinião sempre. Se você jogar mal, você quer que eu fale bem de você? Não, claro. Se falaram mal de mim a vida toda? Eu também vou falar mal de você. Mas se você jogar bem também vou falar bem de você.

UOL: Teve jogador que ficou magoado?
OSCAR: Uma vez me ligou um jornalista da Folha: "Está todo mundo magoado com o que você falou". E eu disse a ele: "Sabe o que você faz? Repete aquela entrevista, as mesmas palavras, bota tudo de novo, eu não devo nada para ninguém, rapaz, entendeu?".

UOL: Teve alguma crítica que você fez e depois se arrependeu?
OSCAR: Nenhuma, de forma alguma. Eu não tenho esse problema, não. Os meus negócios são todos abertos, não vou dormir porque critiquei alguém, está maluco! Pelo amor de Deus! De forma alguma.

UOL: Sobre aquela vez em um jogo da NBA no Rio de Janeiro entre Chicago Bulls e Washington Wizards, do brasileiro Nenê. Lembro bem que você entrou no ginásio com um agasalho preto e logo que tirou o boné a galera começou a te aplaudir e a vaiar o Nenê…
OSCAR: O povo entende, ninguém é burro. Se você é convocado 23 vezes e vem duas vezes, três vezes, tem alguma coisa errada. Então o povo entende bem o que que é. Não precisei falar nada. Eu precisei falar alguma coisa? O cara não vem jogar na Seleção, rapaz. Por que que ele não vem jogar na Seleção? Porque não tem moral para dizer para o time dele "olha, eu vou jogar na Seleção Brasileira", essa é que é a verdade. Não vem falar mentira, não, porque eu não vou aceitar.

UOL: Alguma vez te pediram para não jogar na Seleção Brasileira?
OSCAR: Muitas vezes e pouquíssimas vezes eu não vim. Uma vez eu não pude vir, o resto estava machucado.

UOL: Sobre essa questão do Nenê, no intervalo daquele jogo da NBA no Rio de Janeiro você também criticou pesado o cara. Você se arrepende?
OSCAR: De forma alguma. Do que eu vou me arrepender? Do Nenê? Quem é o Nenê? O Nenê é um bom jogador da NBA. Só. Não é um extraordinário jogador da NBA. Na seleção naquela geração nossa provavelmente ele não iria jogar de titular. Porque eu não trocaria o Israel por nada. Israel, Marcel e Cadum não troco por nada.

UOL: Antes das Olimpíadas do Rio, a CBB fez muito jantar com ex-jogadores. Chegaram a te chamar?
OSCAR: Não, e se chamassem eu não iria. A CBB está caindo aos pedaços. Eu vou lá fazer o quê? A CBB durante muito tempo foi vergonha para o jogador de basquete, vergonha! Eu vou fazer o que lá? Falar com jogador? Faça o seu papel, rapaz, é você que é CBB. O que eu tenho a ver com isso? Eu não tenho nada a ver com isso.

UOL: Antes daquela Olimpíada não seria o momento de selar a paz….
OSCAR: Não, não, não… Isso é outra coisa que eu discordo, viu. Dor e cansaço fazem parte. Pressão faz parte. Se você não souber suportar pressão não jogue esporte nenhum. Porque esporte é pressão, é todo dia. Não tem essa de hoje não vou jogar, não tem, é pressão. Se você jogar mal aquele jogo, vão falar mal de você, entendeu? Então suporte a pressão, jogue bem para sair desse buraco em que vocês estão.

UOL: Você acha que esses caras da NBA são muito mimados?
OSCAR: Não sei se são mimados, mas pensam que são mais do que são. Essa é que é a verdade.

UOL: Acha que pensam mais na própria carreira hoje em dia?
OSCAR: Você já está dando a resposta. Claro que sim, claro que sim, claro que sim. Ganhando aquela fortuna que eles ganham lá, acha que vão arriscar a se machucar? Seleção Brasileira é a coisa mais importante que existe para um jogador de basquete. Não vem me falar outra coisa porque não é. Ninguém vai me convencer do contrário. Você tem que entrar e jogar. O basquete está uma merda, vai lá e joga. Não quer jogar pela seleção, jogue por você, não se meta nessa merda que está a seleção brasileira porque tem coisas que o técnico não precisa falar para você. Não precisa! Está ganhando de 3 pontos? Tem que fazer a falta porque se você não faz a falta o cara arremessa a bola. Tem que fazer bloqueio de rebote, aí o menor do time vai lá e pega o rebote! E o cara que está metendo mais bola chuta do canto da quadra de três e empata o jogo, e vai para a prorrogação. Você está de brincadeira? Nenhum técnico tem que falar isso! O cara tem que chegar no fim do jogo sabendo o que tem que fazer.

UOL: Você está falando do jogo contra a Argentina. O que você sentiu naquele dia lá?
OSCAR: Eu me senti traído. Porque Argentina era o jogo que eu mais queria que o Brasil ganhasse. Aí você me faz uma cagada dessas, rapaz. Porra! Não fez a falta? Beleza, não fez a falta, pega o rebote. Não pega o rebote! Isso irrita! Irrita porque eu sei o que precisa ser feito, e você não faz, meu amigo? Nós ganhamos o jogo da Espanha com um tapinha. Quem é que faz uma jogada para fazer um tapinha? Fala para mim! Tinha que ter perdido aquele também, entendeu? Só era para ter ganho daquele time da África.

UOL: Você começou a criticar um pouco a CBB. Como você enxerga essa bagunça toda em que o Basquete Brasileiro se meteu?
OSCAR: Pela primeira vez na história do basquete nós vamos ter um jogador de basquete, que jogou bem, que é o Guy Peixoto, presidente da Confederação. Eu não entendo… Eu queria ser presidente da Confederação, mas depois que eu vi como é feita a eleição eu não quero nunca mais.

UOL: O que você viu?
OSCAR: Eu vi o pai do Dedé (técnico do Vasco), que era candidato na época, me falando horrores de como que era esses votos aí para ser eleito. Então eu desisti.

UOL: Mas se te chamassem, sem eleição, para ser o presidente?
OSCAR: Aí eu aceitaria. Só assim. Porque passar pelo que os caras passam por uma eleição lá… são todos iguais. Em todos os esportes, todos! A Confederação está suspensa e se você sai na rua perguntando para brasileiro, ele não sabe. Infelizmente é essa a posição que o basquete vive hoje.

UOL: Te dá vergonha?
OSCAR: Dá vergonha. Sem dúvida. Muita vergonha porque é a entidade pela qual eu joguei 24 anos da minha vida, 4 anos nas seleções juvenis e 20 anos nas seleções adultas. Dá vergonha mesmo. Infelizmente os jogadores e os técnicos não têm poder nenhum nesse negócio, nenhum. O que que eu posso fazer para isso, a não ser falar?

UOL: Você falou que não tem vontade de entrar nesse lado político por causa das normas da eleição e tudo mais. Não é só você que está afastado dessa questão no basquete hoje. Dos grandes nomes do basquete hoje nenhum deles está envolvido, você acha que falta uma participação maior dessa gente?
OSCAR: Faltaria se fosse como você falou "olha, você vai ser o presidente da CBB". Agora quem vai decidir isso? Teria que haver um conselho de atletas, isento, que votasse um negócio desse tipo. Por que que você acha que o Brasil teve mundial de futebol e Olimpíadas? Por que que você acha? É só uma pergunta.

UOL: Como é a história desta cesta aqui (uma cesta na sala onde foi concedida a entrevista)?
OSCAR: Essa cesta aí talvez seja ou troféu mais importante da minha vida. Isso daí eu tinha 13 anos e um belo dia eu fiquei doente. Doente mesmo, não podia treinar nem nada. E eu pedi para o meu técnico me trazer uma cesta. Ele trouxe e meu pai chumbou na garagem de trás de casa. E eu ficava sentado na cadeira arremessando bola, meu irmão passando bola para mim. E depois meu pai colocou nessa estrutura e o sonho dele era que eu colocasse medalhinhas das minhas conquistas e grudasse ali. Então é um troféu lindo. Talvez o mais bonito que eu tenho aqui.

UOL: Um assunto inevitável, falar sobre o seu câncer. O que mais chama a atenção da gente é como você lida com isso, com alegria, com a tua força.
OSCAR: Só faltava eu ficar chorando. Pô, a minha vida foi linda! Você está aqui num negócio lindo, puta orgulho que eu tenho de cada uma dessas coisas que estão aí. Então se eu tiver que ir embora, eu vou embora. Vou embora com orgulho de ter um dever bem cumprido. Eu estou tratando, mas também não estou deixando nada por fazer.

UOL: Você acha que você se tornou um pai melhor para eles depois de descobrir o seu câncer?
OSCAR: Não tenho dúvida, minha vida se tornou melhor, minha vida ficou muito melhor. Porque o jogador de basquete, sobretudo na época em que eu vivia, era um cara com uma pistola com um tiro só. Você errou o tiro, você pode passar fome. E a gente vivia com esse negócio na cabeça, eu preciso de um apartamento, aluguel e tal… A nossa vida é assim, quem não fizer isso é um perdulário, e minha vida foi sempre assim né. E aí eu comecei a viajar e tal, mas pouco. E hoje, quer saber, de hoje para amanhã eu falo vou viajar e vou ficar 3 meses passeando, não gosto de dar satisfação para ninguém, faço isso porque eu posso fazer. Cada um no seu, porque isso é uma coisa que muita gente pode fazer, não precisa ir para os Estados Unidos, você pode ir para a praia aqui. Vai para a praia se você puder. Fica na sua casa, se você puder, entendeu? Porque o caixão não tem cofre, você não vai levar nada com você, vai ficar tudo aqui. Então para que, depois que você já tem uma situação né, eu tenho uns aluguéis aí, pô, não vou gastar? Não vou guardar mais nada!

UOL: Alguma viagem que você negava antes e agora você resolveu ir?
OSCAR: Nós vamos sempre para Orlando, porque a gente tem lá um lugar nosso, e a gente vai sempre para lá. E lá tem a Disney, e ninguém cansa de ir na Disney. Minha filha, meu filho, eles adoram ir na Disney. E eu vou também, mas vou à tarde porque cansa, né, parque de diversão cansa muito. Então eu vou à tarde e fico lá sentado, vendo o povo passar, aí tomo um café, como um bolinho. E aí vou engordando… mas também não estou nem aí se engordar, minha mulher que fica reclamando o tempo todo, está gordo, eu falei "fui magro a vida toda, você não quer que eu engorde nem um pouquinho?". Então a gente curte muito mais a vida com isso, essa é que é a verdade. A doença me fez enxergar isso, porque hoje eu vivo de eventos. Eu sou palestrante. Eu não estou brincando disso aqui. E cada vez melhor palestrante. Então esse dinheiro – que ainda bem que eu entrei nesse negócio de palestra porque é uma profissão linda e é bem paga – esse dinheiro todo aí eu vou gastar.

UOL: Pelos treinos e jogos, você foi um pai ausente?
OSCAR: Não. Não porque quando você joga num time as viagens são curtas. Você vai no sábado de manhã e volta no domingo à noite, geralmente. Depois vai na quarta-feira de manhã e volta na quinta. Então você está a maior parte do tempo em casa apesar de estar treinando muito, você volta para casa, dorme em casa, os teus filhos te veem sempre. A gente costumava almoçar, jantar e tomar café na cama. A Cris vinha com as bandejinhas, uma para mim, uma para o Felipe, uma para a Stefany, e a gente comia na cama vendo televisão juntos. Não fui pai ausente, pelo contrário, eu estava mais junto do que a maioria das pessoas que trabalha fora, o cara sai de manhã e volta à noite.

UOL: Com o Felipe tem um lance de basquete emocionante que você jogava no Flamengo, ele veio jogar aqui um período e ele mata uma bola, depois ele mata outra e depois você…
OSCAR: Nossa Senhora, o menino é uma cara de pau danada! Você sabe que ele foi para os Estados Unidos para jogar basquete e acabou ganhando o maior título que se pode ganhar na High School, que é ser campeão estadual. Ele ganhou e foi melhor jogador das finais, eu estava lá vendo isso. E aí ele vem pro Brasil. Eu joguei 10 jogos com ele só, eu queria ter jogado uma temporada inteira – mas eu não ia fazer isso com ele, porque seria uma covardia, ele já estava jogando basquete nos Estados Unidos, já estava com a vida dele. Mas aquele período curto que ele veio jogar foi demais, cara. Imagina o primeiro jogo do cara no adulto do Flamengo. O menino de 16 anos! Puta orgulho! Foi um momento importante da minha vida isso.

UOL: Você tem sonho de ser avô?
OSCAR: Tenho, isso mesmo. Por enquanto não deu certo ainda, mas eu acho que minha filha vai proporcionar o neto antes que o meu filho. O avô não tem responsabilidade nenhuma. O pai tem responsabilidade, mas o avô não tem, o avô é o cara que compra balinha para o neto, é o cara que vai ao cinema com o neto, zero e responsabilidade. Quem tem responsabilidade são os pais. Então eu vou curtir muito isso porque vai ser um momento muito diferente curtir o netinho, fazer todas as vontades do netinho, e é isso que eu pretendo ser.

UOL: Mudando de assunto: o que no Brasil é inigualável?
OSCAR: Essa acolhida. O brasileiro gosta de ver a Seleção jogar. Basta ver a seleção de futebol. Com o Dunga era uma coisa, agora como o Tite é outra completamente diferente. Dá gosto! Hoje é uma das coisas mais divertidas que existem ver a Seleção Brasileira de futebol jogar, porque os meninos estão jogando de uma maneira que hoje não tem time melhor. Aquele 7 a 1 da Copa de 2014 já está num passado distante, nós estamos no momento de ouro, se a Copa do Mundo fosse agora eu acertaria em cheio que a gente ia ganhar. Infelizmente falta mais de um ano.

UOL: No 7 a 1 você estava estádio?
OSCAR: Eu vi o jogo pela TV, nos Estados Unidos. Um gol, tudo bem. Mas no segundo gol, cadê o cara para pegar no peito dos caras e dizer "não vai passar mais ninguém aqui, vamos ser expulso todo mundo". Cadê o cara para fazer isso? Todo mundo em silêncio! A Alemanha ganhou o jogo em 18 minutos. Cinco gols em 18 minutos? Ou seis gols. Em 18 minutos! Parece repetição, cara! Cadê o cara para pegar na camisa dos caras e falar "não vai passar mais ninguém, está ouvindo? Você está ouvindo também? Porque eu não vou deixar passar ninguém aqui". Cadê esse cara, pelo amor de Deus?

UOL: Viu o jogo até o fim?
OSCAR: Eu vi. Claro que eu vi até o fim. Para ver até onde eles iam. 7 a 1! Você está de brincadeira! Nem o meu time, que só tem gordo, vai perder de 7 a 1 de alguém.

UOL: Qual a sua principal lembrança da infância? Boa e ruim.
OSCAR: A boa é a Copa de 70. Nossa Senhora, a primeira transmissão a cores para o Brasil e o Brasil ganhar. Aquele título para mim é o maior título de todos os tempos que o Brasil teve. Ver Pelé, o cara me arrepia só de pensar. Então esse foi o melhor momento da minha infância, ver o Brasil ganhar a Copa de 70. Eu tinha 12 anos na época, nem vi na minha casa porque a gente não tinha televisão. Fomos ver na casa de um amigo e vimos a cores, a televisão a cores era um negócio assim de outro planeta, você ver as imagens a cor, como fantasma, mas você nem ligava para o fantasma, você via a imagem a cor. E o pior momento da minha infância é difícil falar algum pior momento porque eu tive uma infância muito bonita. Meus pais sempre nos proporcionaram coisas boas e eu só tenho a agradecer de ter tido esses pais e esses irmãos que eu tive. Eu tive uma infância muito bonita e achar um defeito nesse negócio… eu sabia a situação do meu pai, o meu pai militar não ganhava muito dinheiro, mas ele procurava sempre me dar escola boa. Então eu estudei sempre nas melhores escolas, e isso também a outra parte importante da minha infância, que eu sempre estudei em escola boa. E não vejo nenhum defeito na minha infância, a minha infância foi muito bonita.

UOL: Ver a conquista do Brasil em 1970 te influenciou para ser atleta?
OSCAR: Eu queria ser jogador de futebol, mas não ia dar certo. Então o meu técnico do unidade vizinhança era o mesmo professor de educação física e um dia eu estou lá e ele falou "Oscar, você podia ir lá no Unidade Vizinhança, eu estou indo lá também, para ver se você gosta de jogar basquete". E eu fui. E aí o técnico da minha categoria era um cara que fazia uns exercícios estranhos de coordenação. Ele colocava assim umas pedrinhas no chão e você tinha que driblando com uma mão e ir pegando a pedrinha com a outra. Isso é uma coisa muito difícil para quem não é coordenado, mas difícil demais. Depois ele botava umas cadeiras com umas cordinhas que você tinha que passar por cima e por baixo da cadeira. Um dia eu estava arremessando a bola e ele falou "Oscar, você está vendo a sexta?", eu falei que não. "Bota a bola mais para cima", agora estou vendo. arremessa assim para ver. E eu falei "assim não vou acertar nenhuma, e ele falou "mas começa certo que um dia você vai ser um grande cestinha". Esse cara era um japonês, Laurindo Miura era o nome dele. Esse foi o primeiro técnico, que me pegou ali na coordenação e foi esse o momento quando eu decidir jogar basquete, quando eu fui tentar no Unidade Vizinhança.

UOL: Qual a homenagem que mais te marcou?
OSCAR: O Hall da Fama é um negócio do outro planeta. Esse é um sonho de consumo de todo jogador de basquete – um dia entrar no Hall da Fama. Eu recebi a notícia quando estava dirigindo, telefone no viva-voz, eu dirigindo lá nos Estados Unidos e de repente me liga um cara da Iugoslávia :"Aqui é o tal, da FIBA. Eu queria dizer que você entrou no Hall da Fama". Aí eu emendei e disse: "Já sei, rapaz, eu fui aí na FIBA". E ele falou "Não, você entrou naquele outro Hall da fama, o americano". Que é o que a gente sonha, né. Eu parei o carro e minhas pernas estavam tremendo. Pensei que eu não ia entrar mais. Porque você só pode entrar lá depois de 5 anos que você para, e comigo passaram-se 10 anos. E eu falei não vou entrar mais, eu já tinha sido indicado, não passei, eu falei eu não vou entrar mais. Já tinha botado a alma em paz e aí aconteceu. E foi uma emoção incrível. Aí naquele discurso eu anotei o nome das pessoas e das entidades que eu precisava agradecer e fiz um discurso que todo mundo me elogiou pelo discurso. Eu não fiz nada! Eu simplesmente anotei as pessoas e fui lá agradecer, contar a minha história. E foi muito bonito tudo isso.

UOL: Sobre as homenagens, em 1992, na Olimpíadas, os EUA te marcavam muito. Explica como que na Olimpíada de 92 a sua fama chegou lá e eles sabiam que você era o cara…
OSCAR: E o melhor de tudo foi depois ele falar para a imprensa" eu tive trabalho hoje, alguém reparou que eu tive trabalho?" Isso é de um orgulho tremendo, você ter os melhores jogadores do mundo te marcando duro, você não vai fazer, eu vou fazer, você não vai, mas eu vou fazer… e você ter sucesso. Isso é um negócio! Jogando contra todos os melhores ali. Eu queria levar a minha câmera no banco de reservas para filmar do banco. Ainda bem que eu não levei, porque nessa situação o que você faz? Você não vai conseguir ganhar o jogo, mas eu vou jogar bem. Eu vou jogar bem porque eu sei jogar bem, não importa quem esteja do outro lado, e é isso que no final faz você jogar bem.

UOL: Essa reverência dos grandes jogadores valem tanto quanto o Hall da Fama?
OSCAR: É muito bonito isso, é lindo. É que o Hall da Fama é o top, né. Não tem nada além disso. Tudo o que me derem agora vai ser menos. Eu tenho que dizer isso. O Hall da Fama é a maior premiação do basquete, é o sonho de todos jogadores de basquete, e veio em uma hora em que eu não esperava mais, eu não estava nem imaginando um negócio desse.

UOL: Quais redes sociais você usa e quais seus filhos atualizam?
OSCAR: Eu não vejo nada. Quem faz é a minha filha e às vezes eu nem vejo o que eles botam. Eu prefiro não fazer isso para não conviver com comentário de merda porque tem muita gente ruim que bota comentário, mas gente ruim mesmo que eu falo: "Mas como é que o cara escreve um negócio desse? Vai tomar no cu!". O que é isso? Que absurdo! Um cara que eu nunca vi na vida! Mas felizmente são poucos esses, respeito a grande maioria que gosta.

UOL: Hoje você é bem sucedido e com boa situação financeira. Quais são seus sonhos ainda?
OSCAR: Os sonhos são que meus filhos tenham sucesso. E sucesso não é ganhar dinheiro, é estar feliz com o que está fazendo. Meu filho está achando o caminho dele com o cinema. Minha filha está no caminho certo. E eu acredito que ver o sucesso dos filhos é o sonho todo pai e toda mãe.

UOL: E não sonha nada para você?
OSCAR: Eu quero ser cada vez mais melhor palestrante. Eu quero que um dia eu entre no palco e que as pessoas me aplaudam antes de acabar a palestra.

UOL: Se você não fosse jogador de basquete, o que você seria?
OSCAR: Engenheiro eletrônico do Ita. Não pensa que eu não ia entrar no ITA, porque eu iria entrar no ITA. Eu ia ser o melhor engenheiro eletrônico que existe no planeta. Pode ter certeza disso.

UOL: Como você gostaria de ser lembrado daqui a 50 ou 70 anos? E como você acha que vai ser lembrado?
OSCAR: Eu gostaria de ser lembrado como o cara que mais treinou no planeta. Porque essa é uma verdade, não dá para fazer o que eu fiz, não dá tempo. Tenho um orgulho danado de disso. É isso que me fez jogar basquete. Eu acredito pouco em talento e muito em treinamento. E se você tem um pouquinho de jeito, com o treinamento você vai chegar lá. Eu gostaria de ser lembrado por isso, mas eu acredito que serei lembrado pelo cara que chutou demais, como o cara que não marcou ninguém, é assim que vou ser lembrado.

UOL: Sério? Você está louco, Oscar. Você acha que realmente que as pessoas vão lembrar de você assim?
OSCAR: Por algumas pessoas do basquete, sim.

UOL: E pelos 200 milhões de brasileiros?
OSCAR: Ah, eu vou ser lembrado com um carinho tremendo, porque é o que eu vejo todos os dias. Todo dia tem gente que eu nunca vi na vida que vem falar alguma coisa gratuitamente, vem falar alguma coisa bonita para mim.

UOL: Eu vejo um carinho enorme por você por parte de pessoas que nem sequer te viram jogar…
OSCAR: Isso é maravilhoso, é demais. Isso é demais, porque na verdade o brasileiro me viu jogar no fim da carreira porque eu joguei 13 anos na Europa. Me via jogar na Seleção, e isso é sempre um período pequeno, porque você joga 7 jogos em 1 ano. Faz alguns amistosos, então joga 12 jogos em 1 ano. Então se fosse hoje o brasileiro ia me ver no melhor da minha forma o ano todo, porque eu não estava brincando na Europa, eu estava lá gastando a minha vida para jogar bem. E esse carinho é a melhor coisa que existe. Dinheiro vem e vai, mas o carinho das pessoas é impagável, não tem preço. São pessoas que simplesmente gostam de mim e vão lá para tirar uma foto, para apertar a minha mão, é uma coisa incrível, eu sou agradecido demais por isso.

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