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Bala na Cesta

Basquete e identidade - por que o Brasil quase nunca joga em casa?

Fábio Balassiano

04/07/2016 01h00

venezuela1Terminou no sábado o Sul-Americano de Caracas. Em casa e diante de um fanático torcedor da vinho tinto, a Venezuela fez 16-8 no último período para vencer a final contra a seleção brasileira por 64-58, ficando não só com o título em casa mas também com o segundo título consecutivo na competição, feito que não acontecia desde que o Uruguai venceu em 1995 e 1997 o torneio.

nestor1Serviu, sobretudo, para colocar o técnico figuraça Nestor Che Garcia em um patamar de ser canonizado na Venezuela. O treinador foi campeão com a seleção sul-americano em 2014, venceu a Copa América no México em 2015 vencendo Canadá (mega favorito) na semifinal, a sua Argentina na final e se classificando para a Olimpíada de 2016, levou o Guaros de Lara ao título da Liga das Américas, qualificando a equipe para o Mundial Interclubes, e agora obteve o bicampeonato sul-americano consecutivo. Para um país que ama a modalidade, mas que não conquistava nenhum caneco desde 1995 é um feito extraordinário.

leo1Do lado brasileiro, me peguei pensando menos na parte técnico e tática do time e mais em um fator que tem me chocado nos últimos tempos: por que diabos a seleção nacional quase nunca joga no país? Seja em torneios oficiais de base ou no adulto, é raríssimo vermos a equipe jogando em solo brasileiro, né? Aí eu fui às contas. Vamos lá:

1) Desde 1990 houve 65 torneios adultos masculino e feminino entre Sul-Americanos, Copa Américas e Mundiais. No Brasil apenas sete, ou seja, 11% dos campeonatos disputados apenas. Entre os rapazes, o número é de 3%, com apenas o Sul-Americano de Campos (RJ) em 2004 sendo disputado em solo nacional nos últimos 26 anos. Ou seja do ou seja: há mais de 10 anos a seleção masculina não faz um jogo em casa em uma competição que tenha escolhido sediar (Pan-Americano e Olimpíada não contam, pois são eventos multidisciplinares…). As meninas tiveram mais sorte: jogaram um Mundial em 2006 em São Paulo, três Copa Américas (a mais recente no Mato Grosso em 2009) e dois Sul-Americanos (o último em 1999, em Vitória) nos últimos 26 anos. No mesmo período, Venezuela e Argentina sediaram, cada, 10 torneios desta natureza em seus domínios, por exemplo.

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randle12) Se no adulto os números são muito ruins, na base eles são ainda piores. Venezuela (9 vezes) e Argentina (10 vezes) colocaram suas seleções nacionais de divisões inferiores para atuar diante do seu torcedor em inúmeras ocasiões. No Brasil isso só ocorreu em três oportunidades em 78 campeonatos realizados desde 1990 –  4% dos torneios jogados portanto. Houve uma Copa América Masculina Sub-18 em São Sebastião do Paraíso em 2012 (aquele torneio teve o americano Julius Randle – na foto – e o canadense Andrew Wiggins – ambos estão na NBA atualmente), um Sul-Americano Sub-17 Feminino em 1995 em São Roque (São Paulo) e um Mundial Sub-19 em Natal em 1997 (Tamika Catchings estava no time norte-americano). Indo mais longe, nos últimos 20 anos houve apenas UM torneio de base sendo disputado no Brasil (a Copa América Sub-19 de 2012). Pouco, não?

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3) Estão assustados, né? No geral o resultado é tenebroso. Desde 1990 o Brasil jogou 143 torneios entre base e adulto, sendo apenas 10 no país (7% deles portanto). Venezuela (13,3%) e Argentina (13,9%) têm quase o dobro de campeonatos disputados em seus domínios. Quanta diferença, não?

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cbb2E por que eu falo isso tudo agora? Não por acreditar que seja importante jogar em casa "apenas" pelo fator vitória, de ganhar, de conquistar títulos como a Venezuela tem conseguido com a sua seleção e nesta temporada também com o Guaros de Lara (com o crescimento do NBB uma série de decisões interclubes houve por aqui entre Liga das Américas e Liga Sul-Americana).

Ganhar é bom, mas o motivo deste longo texto recheado de dados que levam a uma série de reflexões é mostrar quão distante está o basquete (de seleções) do público. O NBB é jogado por 15/16 times. A LBF, por 6. É um, digamos, universo muito pequeno de cidades que a Confederação Brasileira deveria tentar se aproximar para criar uma identidade maior entre atletas e torcedores, criando assim novos fãs e uma empatia que entre time nacional e povo que não se vê por aqui há muito tempo. Se isso não fosse o bastante, para equipes nacionais quase sempre em apuros psicológicos atuar em casa representa uma vantagem competitiva enorme – e isso pode resultar em melhores colocações continental e internacionalmente.

nunes6O problema, como sabemos, é depender da CBB para qualquer tipo de ação que envolva planejamento, organização e investimento (sem falar em habilidade política, algo que está em falta por lá há anos – e que desde o calote na FIBA devido ao Mundial de 2014 na Copa do Mundo na Espanha esta área só piorou…). Em um mundo míope, os dirigentes da entidade máxima enxergam competições sendo realizadas no Brasil como custo, como linha de despesa no orçamento, como algo acessório no dia a dia da modalidade. Não é por aí. Em um universo inteligente, algo bem longe do habitado pelo povo da Avenida Rio Branco, ter torneios disputados em casa são investimentos no curto, médio e no longo prazo. Em mídia espontânea, nos atletas, na criação de novos torcedores e na massificação da modalidade. A analogia com o vôlei, que joga com suas seleções masculina e feminina no Braisl 765 vezes por ano, é inevitável.

nunes7Já foram 133 oportunidades perdidas nos últimos 26 anos. Quem sabe um dia a entidade máxima reveja conceitos e passe a trazer torneios para o país.

Por incrível que possa parecer, 9 atletas da seleção olímpica jogarão em casa pela primeira vez em suas vidas um torneio oficial com a camisa nacional em agosto deste ano no Rio de Janeiro na Olimpíada (apenas Huertas, Marquinhos e Alex estiveram no Pan de 2007). Olimpíada e Pan que são campeonatos realizados no Brasil não por desejo da Confederação Brasileira de Basketball. Sintomático, não?

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