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Bala na Cesta

Conheça Gustavo de Mello, brasileiro que é vice-presidente da NBA nos EUA

Fábio Balassiano

18/08/2015 06h01

pam1Quando foi divulgada a programação do NBB Marketing Meeting, evento que tinha o objetivo (alcançado) de mostrar o produto NBB aos mercados empresarial e publicitário, um nome me chamou bastante atenção.

Não era exatamente o de Pam El (foto), Vice-Presidente Executiva de Marketing da melhor liga de basquete do planeta. Ter Pam, com mais de 30 anos de experiência no mercado e eleita em 2009 uma das 25 mulheres negras mais influentes no mundo dos negócios, palestrando sobre esporte em São Paulo seria (como foi) de fato espetacular, mas quando li "Gustavo de Mello" algo me soou diferente.

gustavo1Gustavo, sabemos, não é um nome americano. Busca aqui, busca ali e Gustavo é, obviamente, brasileiro. Brasileiro que responde como Vice-presidente de Marketing, Estratégia e Integração da NBA (mundo) desde 6 de abril de 2015. Carioca de nascimento, paulistano na criação, fã de Zico e de Telê Santana no futebol (rubro-negro e são-paulino ao mesmo tempo) e da geração de Oscar e Marcel no basquete, Gustavo, 48 anos, mora nos Estados Unidos há 17 e foi chamado justamente por Pam para integrar o time de marketing, uma das áreas mais importantes da engrenagem da NBA, recentemente (antes de Nova Iorque residia em Chicago).

Dono de fala mansa, embora se defina como 'turrão', Gustavo, pai de Elena e Thomas, conversou com o blog depois de incrível fala no evento organizado pela Liga Nacional sobre sua inspiradora trajetória de vida, como o produto NBA se posiciona atualmente e os próximos passos da parceria com o NBB.

JPF_4329BALA NA CESTA: Fiquei surpreso quando vi o programa deste evento e notei que haveria um brasileiro da NBA para palestrar. Como você foi parar nos EUA e na NBA mais especificamente?
GUSTAVO DE MELLO: Minha mãe era professora, meu pai era jornalista e os dois me ensinaram muito sobre como lidar com pessoas. A essência do trabalho dos dois é essa, né? Lidar com gente, com emoções. Tive, portanto, esta escola dentro de casa. Me formei em publicidade (ESPM) e também em jornalismo (Cásper Líbero), e sempre tive vontade de trabalhar fora. Não tinha motivo algum, só uma vontade de conhecer o mundo. Só que como tinha meu negócio próprio com meu pai e também com meu irmão (uma agência de marketing editorial) fui tocando a vida normalmente. Perto dos 30 anos, porém, parei e pensei: "E agora? O que vou fazer? Continuo aqui no meu negócio ou procuro algo diferente?". Aí fiz tudo errado no sentido de buscar uma Universidade americana, com uma inscrição tardia, essas coisas, mas decidi: ou iria para um lugar que pudesse me reinventar para os meus 10, 15 anos seguintes da minha vida, ou não valeria a pena. Por isso só tentei faculdades boas, programas que seriam bons para a minha carreira. Fiz minha aplicação falando em Trabalho em Equipe citando um exemplo do Rugby e outro do Basquete, e acabou dando certo. Entrei na Northwestern University, em Evanston, Chicago, onde fiz meu mestrado em Marketing em 1999.

JPF_4312BNC: Imagino que aí ou você ficava nos EUA ou voltava ao Brasil com o novo diploma, certo?
GUSTAVO: Sim, era por aí mesmo. Ou retornaria ao Brasil bem posicionado ou permaneceria nos Estados Unidos em um negócio que eu quisesse. Sempre fui muito turrão. Ou seria do jeito que queria, ou não seria. E consegui. Comecei, em Chicago, trabalhando em uma agência de comunicação chamada Lapiz, onde fiquei de 2001 a 2010 como um dos principais executivos. Criei, lá, a área de estratégia e durante nove anos e meio trabalhei na empresa. Depois, ainda em Chicago, fui trabalhar na DDB, que aqui no Brasil é a agência DM9, na parte que nos EUA se chama de "General Market" (mercado geral) atendendo clientes como McDonalds, Pepsi, State Farm e La Quinta (rede de hotéis). Fui chamado pela DDB nem tanto por causa do meu histórico de trabalho, mas pelo meu lado multicultural, pela vida um pouco diferente que tinha feito até aquele momento.

JPF_4566BNC: Chegando a DDB você conheceu a Pam El, então diretora da State Farm, é isso?
GUSTAVO: Exato. Quando cheguei era o responsável pela parte de estratégia da State Farm, seguradora dos Estados Unidos que gasta cerca de US$ 1,5 bilhão em marketing por ano. Você deve imaginar a responsabilidade. Foi lá que conheci a Pam. Ela era a minha cliente, a minha conta principal. Quando saiu da State Farm há um ano a Pam um dia me ligou e fez o convite: "Agora você vem trabalhar comigo, né?". Fiz todo processo seletivo para a vaga que estou desde abril deste ano na NBA e me mudei para Nova Iorque. Como te disse, eu sou turrão, mas gosto de debate. Não mudo de opinião fácil, mas me traga um argumento legal que a gente passa a noite conversando. A Pam e eu fizemos isso inúmeras vezes. Ficávamos horas conversando, debatendo, trocando ideias sobre diversos assuntos. E ambos sempre fomos muito apaixonados por basquete. Desde sempre. Quando ela foi para a NBA acabou sendo natural o convite para trabalharmos juntos.

gsw4BNC: Você está na NBA há pouco tempo, mas como avalia o atual momento da liga e o que vocês estão pensando para os próximos meses?
GUSTAVO: Uma coisa muito importante que eu aprendi na NBA mais do que nas outras empresas que trabalhei é a diferença entre arrogância e confiança. A NBA é muito confiante, mas não arrogante. Sempre procuramos ter a noção de onde a gente está, do que nos trouxe a este patamar e dos próximos passos a seguir. Se você andar pelos corredores da sede em Nova Iorque ou dos times você só ouvirá uma frase: "It's all about the game", ou seja, "Tudo pelo jogo". E a gente vive isso. Por isso pensamos a cada dia em como transformar este produto em algo cada vez melhor para os fãs ao redor do mundo.

JPF_4320BNC: E imagino que trabalhar com um produto de dimensão internacional deva ser ao mesmo tempo apaixonante e desafiador, né?
GUSTAVO: A NBA tem uma posição muito boa. Seja doméstica, nos EUA e Canadá, seja internacional. Temos uma oportunidade fantástica e talvez, sem me comparar aos outros, tenhamos a liga mais bem posicionada do mundo. Você vê o número de pessoas que praticam basquete no mundo e são quase 300 milhões de pessoas que têm contato com o produto NBA. Temos, sim, uma posição muito boa, mas aí é que vem a diferença entre confiança e arrogância. Ao invés de falarmos um "ah, maravilha, nós somos os líderes", pensamos que temos uma oportunidade de melhorar algo que já somos muito bons porque amanhã não sabemos se continuaremos sendo o que somos hoje. Temos uma ambição muito grande porque a gente acredita no produto que temos, que é o basquetebol.

JPF_4328BNC: Hoje, na NBA, você responde por três áreas…
GUSTAVO: Sim, dentro do Marketing sou o responsável na NBA por Estratégia, Integração e Planejamento. Na minha área hoje estamos criando uma campanha de comunicação nova que vai responder a algumas coisas estratégicas como o nosso posicionamento de marca. O planejamento é pensar no longo prazo. A NBA é fantástica, mas pode pensar nos próximos anos ao invés de focar apenas no dia seguinte. E a integração é cuidar de, mesmo com o crescimento que tivemos nos últimos anos, todos falarem a mesma língua, ou seja, deixa todos os pontos de comunicação alinhados.

JPF_4354BNC: Você tocou em "falar a mesma língua". Este é um ponto delicado, mas queria ouvir de você. Há tanto tempo fora do país, você chegou a sofrer algum tipo de preconceito por exercer cargos tão importantes nos Estados Unidos sendo um brasileiro? Hoje em dia você, um brasileiro, é o responsável por um produto, que apesar de global, é americano, que é a NBA…
GUSTAVO: Vou te dar uma resposta um pouco mais ampla porque a questão de fato merece. Acho que muita gente passa por isso, mas no meu caso nunca aconteceu. Só posso falar da minha experiência. Mudei para os EUA há 17 anos e achava que falava inglês. Achava que falava inglês até que precisei trabalhar falando inglês no dia a dia, a negociar coisas em inglês. Não entendia do mercado publicitário americano e tampouco era hispano. Eu sou brasileiro e só falava bem mesmo o português. Depois disso fui para uma agência de mercado geral (a DDB) e só tinha experiência em mercado hispano (com a Lapiz). Agora estou no basquete (na NBA) e nunca trabalhei com mercado esportivo. O que quero dizer com isso? Houve várias, digamos, oportunidades para sofrer algo neste sentido, mas nunca senti. Vem algo de sua confiança profissional e também de algo que sempre falo para as pessoas: "Se você entrega, você precisa ter algo dentro de si". Então se coloco meu peito pra fora e dou uma opinião, é porque tenho alguma razão, argumento, para falar isso. Se alguém sentiu preconceito contra mim algum dia isso nunca transpareceu. Na NBA a mesma coisa. Passei por um processo de entrevista, dei minhas opiniões, fui aceito, estou lá há cinco meses cada vez mais envolvido com o esporte e nunca escutei nada em relação a isso.

JPF_4554BNC: Você consegue dizer como essa questão da sua pluralidade se aplica no dia a dia?
GUSTAVO: A NBA é uma liga muito progressista, diferenciada neste sentido e tem uma cabeça muito em sintonia com a realidade mundial. Diversidade não é algo que precisamos marcar em uma lista ou algo para satisfazer o governo. Diversidade, para a gente, é bom negócio. Vai muito em sintonia com o que também penso. Diversidade traz diferentes opiniões para a mesa. E a opinião vai te fazer sempre mais forte porque ela foi testada e construída com diferentes pontos de vista. Isso acontece direto no meu dia a dia e creio que seja salutar. Não é algo complicado. Trabalho com pessoas inteligentes, respeito os profissionais e é muito normal mudar de opinião. Não há nada sagrado, imutável. São muitas mudanças, desde a cor de uma peça de comunicação ou uma estratégia grande de marketing. Sento com meu time e falo: "Não quero que você me satisfaça". Quando alguém começa uma reunião me dizendo "Quero que você se sinta feliz com isso" é o pior encontro de trabalho que posso ter. Quando isso acontece pergunto: "O que você acha? Qual é a sua opinião?". Aprendi muito nos Estados Unidos, e isso é bem diferente do Brasil, a tomar decisões. Aprendi isso e penso assim: "Tenha uma opinião formada em dados concretos e não há motivo para ter medo de tomar uma decisão". Se você toma uma decisão baseada em porcaria é diferente. Mas quando é para tomar decisão com informações relevantes em mãos, vai lá e tome (a decisão). E peço para o meu time fazer isso diariamente.

nbb8BNC: E o que a NBA pensa da parceria com o NBB? A gente, aqui no Brasil, fica muito ansioso com o que será do produto NBB em um curto espaço de tempo com essa parceria…
GUSTAVO: O investimento da NBA no Brasil não é de curto prazo. A gente está buscando um crescimento do negócio NBA no Brasil e estar ao lado do NBB é uma maneira de crescer no país. Mas a gente também é muito cuidadoso, porque se o produto não é bom, não interessa. A NBA poderia ter colocado seu dinheiro em outros lugares, em outras ligas do mundo, mas resolveu colocar no Brasil porque viu uma coisa muito séria. A Liga Brasileira, o NBB, pode ensinar muito até para o futebol.

nbb6BNC: Você acha, então, que em breve o NBB pode servir de inspiração para outras modalidades?
GUSTAVO: O tipo de coragem e de disciplina que estamos tentando colocar no basquete são, na essência, o que faltam no marketing esportivo brasileiro. A minha visão pessoal, como brasileiro, é que a gente tem um papel até um pouco maior que o basquete. A gente pode ensinar, mostrar caminhos diferentes. Tomara que um dia a gente tenha outros esportes modelados pelo que a Liga Nacional faz. A NBA vê a LNB como um parceiro crucial para a gente. Isso é confiança. E sabemos que não cresceremos se formos fortes apenas nos Estados Unidos. Outros esportes americanos têm dificuldade hoje porque tiveram a arrogância, lá atrás, de não sair dos EUA. E hoje estão vendo o futuro um pouco mais complicado do que o nosso neste sentido. E o basquete, por ser um esporte muito inclusivo, fácil de se jogar em qualquer lugar do mundo, com o futebol sendo o único igual neste sentido, tem essa vantagem que precisa ser utilizada. A NBA é uma liga internacional, não uma liga americana. Nós temos uma limitação física de termos 29 franquias nos EUA e uma no Canadá, mas precisamos pensar no engajamento mundial. Este engajamento não pode depender do torcedor ir ao jogo, de ir ao ginásio. A gente pensa no produto NBA como algo maior, algo além do ginásio para ser consumido. Nós temos arenas de 20 mil pessoas, mas qual o percentual de pessoas com acesso a isso? Nossa visão é: nosso produto é tão fantástico que a gente pode, e deve, estimular as pessoas a consumir fora da quadra. Como é feito atualmente através dos jogos na televisão, no League Pass, nas redes sociais. Isso pra nós é claro. E a turma do NBB entende isso. O coração, a ambição e a disciplina que vemos deles estão no lugar certo.

JPF_4323BNC: E como um brasileiro vivendo nos EUA vê a situação do Brasil hoje?
GUSTAVO: É um pouco complicado, e não gosto muito de falar do Brasil. Se você fala bem, as pessoas não acreditam. Se fala mal, é meio que cuspir no prato que comeu. Então eu vou te dar uma resposta politicamente cuidadosa neste sentido. O Brasil está passando por uma instabilidade econômica e política, e isso não ajuda em nada, nada mesmo. Por isso que nosso negócio no Brasil não é a curto prazo. Não tem muito mais o que possa falar neste sentido. A NBA não se envolve com política.

jerry22BNC: Pra fechar: para quem está começando nesta área de marketing, de marketing esportivo, qual dica você dá? Um livro que você leu, um personagem que deva ser estudado…
GUSTAVO: O livro que me influenciou muito na carreira americana de marketing se chama "Truth, Lies and Advertising", que vale a pena ler. Mas se você quer entender de marketing esportivo leia qualquer coisa do Jerry Colangelo, hoje na USA Basketball e um dos responsáveis pela retomada da seleção masculina dos EUA. Ele é um dos caras mais brilhantes que eu já tive o prazer de conhecer. Qualquer coisa sobre ele você irá aprender muito.

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