De volta, Kelly 'renasce' com jovem seleção feminina no Pan-Americano
Quando entrar em quadra para a estreia do Brasil no Pan-Americano de Toronto contra os EUA na próxima quinta-feira, Kelly viverá uma série de distintas emoções. Mais experiente do grupo do técnico Zanon a disputar o Pan-2015, a pivô era dada como carta fora do baralho na seleção brasileira depois de uma tímida participação no Mundial da República Tcheca de 2010 (apenas 2 pontos). Na época, sua condição física era mais criticada que seu basquete.
Mas foi na Turquia que a sua história de vida (mais do que no basquete) começou a mudar. Jogando em uma das ligas mais importantes do planeta Kelly fez ótima temporada e se sentiu querida por torcedores, técnicos e dirigentes. Chamada para o Pan-Americano de Toronto, ela se diz preparada para liderar um jovem time no Canadá e também pronta para passar às meninas os conselhos de quem esteve nos Mundiais entre 1998 a 2010, nas Olimpíadas entre 2000 e 2008 (conquistou o bronze em 2000 inclusive) e também nas edições de 1999, 2003 e 2007 dos Jogos Pan-Americanos. Confira o papo exclusivo com a atleta.
BALA NA CESTA: Você jogou o Mundial de 1998, frequentou as seleções até o Mundial do ano passado, mas muita gente dava sua passagem por encerrada na equipe nacional. Considera uma nova vida o que está vivendo na seleção adulta agora indo ao Pan-Americano?
KELLY: Eu estreei na seleção adulta em 1997 na Copa América em São Paulo. Depois houve o Mundial no ano seguinte, minha primeira grande competição. Uma coisa que me chamou a atenção foi que em 1998 a preparação da seleção foi em Campinas, como agora em 2015. Dezessete anos se passaram e lembro que quando entrei agora pela primeira vez no ginásio isso mexeu comigo. Foi bem emocionante. Vendo essa meninada que está chegando, pois temos um grupo muito jovem, eu posso te dizer que precisei resgatar a menina de dentro de mim. Acabei me renovando também ao mesmo tempo que, sem impor nada, passei algumas coisas que vivi em minha carreira a elas. Eu sei o que elas vivem atualmente. A questão da ansiedade, o sonho, que caminho seguir. Não é fácil. Em alguns momentos eu sou um espelho pras mais jovens, mas ao mesmo tempo para mim é muito enriquecedor pois puxo bastante da energia delas. É como se fosse o reencontro com o primeiro amor.
BNC: Sobre você primeiro. Uma das grandes críticas que se faz a você é sobre seu estado físico. Como você está em termos físicos?
KELLY: Minha condição física nunca foi um problema pra mim. Sempre foi um problema pra mim a forma como as pessoas me tratavam. Se o basquete fosse só atlético a África seria campeã do mundo a cada instante. Basquete não é só isso e esta questão toda mexeu comigo não só como atleta, mas principalmente como pessoa. Tinha consciência que tinha que melhorar. O que me atrapalhava é que mesmo na seleção não me tratavam como atleta. Me tratavam como uma pessoa doente. E aí, mesmo eu fazendo o meu trabalho, as pessoas te tratam mal, dizem que você está indiferente com a situação. E aí me questionava muito, principalmente em relação a pessoa Kelly. Se eu perdi a credibilidade, precisava ser querida onde fosse.
BNC: Kelly, peraí. Entendo o que você está falando, mas concorda que estava acima do peso?
KELLY: Concordo. Mas por quê então eu era convocada? Porque eu tinha alguma qualidade técnica, certo? Só que no dia a dia de treinamentos houve situações que eu não concordava. Falar que eu não tinha compromisso já não concordo. Era um problema que eu tinha, que eu tratei não como atleta, mas como pessoa, procurando profissionais para cuidar, e que agora sei lidar bem com isso.
BNC: Sua última temporada na Turquia foi uma espécie de renascimento no basquete então?
KELLY: Ter jogado na Turquia me deu uma injeção de ânimo muito grande por atuar em uma liga forte, ser querida por torcedores e se sentir importante dentro de um time que joga um campeonato de nível alto. Isso foi ótimo. Saber que a seleção brasileira ainda precisava de mim, uma pivô forte, me motivou mais ainda. E eu sou movida a desafios, a superação. Foi um desafio muito grande. Essa perspectiva de melhora desta geração é muito linda. Acredito no trabalho que está sendo feito. Já passei por muita coisa na vida. Nada me motiva mais do que acreditar no sistema. E hoje eu acredito nele (no sistema), podendo encorajar às meninas a seguirem em suas carreiras.
BNC: E como chega esta renovada seleção ao Pan-Americano de Toronto?
KELLY: O time está bem preparado. Treinamos tudo o que você pode imaginar. Defensivamente e ofensivamente fizemos de tudo no período de treinamentos que tivemos. O Zanon é um técnico muito inteligente, posso te garantir isso. Tive grandes treinadores na minha carreira e te digo que ele traz um basquete moderno, dinâmico e dá muita liberdade às atletas. O que tento passar pras meninas é que já que temos esta liberdade dada por ele não temos que sentir medo de nada. Há liberdade no ataque, na defesa, pra decidir, pra opinar. É a hora de colocar em prática tudo o que treinamos neste período, usando os conceitos modernos do jogo junto com a característica do basquete brasileiro de velocidade e transição. Estamos confiantes.
BNC: Pelo que você percebeu neste período de treinos o que falta para estas meninas deslancharem em suas carreiras?
KELLY: Talvez falte inteligência emocional. Não no sentido básico da palavra, mas do mais amplo. O do equilíbrio entre razão e emoção como atleta. E esta experiência vem com o tempo, é normal. Pode não parecer, mas o nosso esporte não é um jogo simples. Todos os movimentos são estudados e precisamos pensar muito em quadra para qualquer situação. O que acho que falta mesmo para estas meninas é bagagem de jogos internacionais de alto nível. Aí muitos me perguntam se a saída delas, então, é sair e jogar no exterior para chegarmos os resultados da seleção. Eu particularmente creio que o caminho seria o contrário. Primeiro precisa ter resultado na seleção brasileira e depois a atleta pensa em Europa, Austrália, China. E mesmo com os últimos anos complicados é possível dizer que o Brasil ainda é uma potência do basquete feminino. Foram anos turbulentos, mas ainda somos respeitadas. E te digo mais: o Zanon foi muito corajoso de assumir para fazer este trabalho de renovação, pois não é fácil. Foram anos com erros de gestão, erros de escolhas, erros de tudo. Talento estas meninas mais jovens têm, isso posso te assegurar. Falta ousadia, coragem e experiência, que vem com o tempo.
BNC: Neste papel de líder você chegou a dizer algo pra elas em relação ao que você viveu como atleta?
KELLY: Disse algo não em relação a mim, mas em relação ao passado do basquete brasileiro. Falei pras meninas que iríamos pra Toronto ganhar o que Paula, Janeth e Hortência só ganharam em 1991. E que o Pan-Americano de Havana foi o começo de um caminho maravilhoso para elas. Em 1990 houve um Mundial e aquele mesmo time fora décimo lugar. Depois do Pan de Cuba elas foram campeãs mundiais em 1994 e medalhistas de prata em Atlanta em 1996. Isso que quis mostrar a elas. Como que mudou tudo em quatro anos? Foi na base do empenho, do treinamento, da superação. Esta é uma característica do basquete feminino. O Brasil é o país mais treina no mundo. O que que falta? Autoestima e controle emocional. Europeus são mais frios nas decisões em quadra e isso os ajuda nos momentos críticos do jogo.
BNC: Como você enxerga o basquete brasileiro hoje?
KELLY: Uma coisa que precisa ser mudada é o brasileiro parar de reclamar. Brasileiro reclama muito do Brasil. Isso precisa mudar.Posso te dizer: quase ninguém quer mostrar o caminho das pedras. As pessoas só querem saber dos resultados. Mas para chegar a eles é importante ajudar sempre. Isso tento fazer pelas pessoas enquanto puder. Nos últimos anos senti muita falta disso no basquete brasileiro feminino. Hoje se achou um novo caminho. O da renovação. É preciso acreditar e é o que faço.
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