Especialista afirma: ‘Gestão financeira deixa a desejar e CBB está falida’
Por Professor Jorge Eduardo Scarpin, Docente do Mestrado em Ciências Contábeis – UFPR (mais aqui). E-Mails para: jscarpin@gmail.com .
Seguindo o padrão de 2013, a Confederação Brasileira de Basketball teve piora nas suas contas em todos os aspectos relevantes: endividamento, capacidade de pagamento, receitas, despesas e déficit. Para a análise ficar mais completa, vamos separá-la em grandes pontos, considerando o ano de 2014 e comparando com os anos imediatamente anteriores quando necessário.
Um ponto negativo, antes de qualquer análise é, assim como em 2013, a piora na evidenciação das informações por parte da CBB. Em 2014 e 2013, ao contrário dos anos anteriores, não há notas explicativas sobre as despesas da entidade tais como Eventos, Competições Nacionais e Competições Internacionais. Isto dificulta a análise e faz com que tenhamos que trabalhar com estimativas com base em outros dados do balanço.
Outro ponto muito negativo é que novamente houve uma ênfase da auditoria quanto a situação econômica da entidade. Normalmente os pareceres de auditoria se limitam a expressar a confiabilidade ou não das demonstrações contábeis. Apenas quando o auditor constata "que há evidências de riscos na continuidade normal das atividades da entidade" (texto da NBC T11 – norma contábil que rege a auditoria no Brasil) o auditor faz este tipo de menção. No caso da CBB, em 2014 houve o seguinte parágrafo de ênfase:
"A entidade vem apresentando déficits sucessivos e, consequentemente, seu patrimônio líquido está negativo, passivo a descoberto (sinônimo de patrimônio líquido negativo). A administração da entidade deve planejar e/ou buscar alternativas de curto prazo para reverter esta situação"
Considerando esta primeira evidência negativa vamos proceder agora à análise técnica dos principais elementos do patrimônio da CBB.
1) Envididamento
Apesar do bom nível de contabilidade da entidade, pela própria característica da CBB que é trabalhar com convênios, os balanços ficam um pouco confusos e um ajuste precisou ser feito para fins de análise. Tal procedimento é relativamente comum, pois a visão de um analista é diferente da visão interna de uma empresa.
O ajuste refere-se ao recebimento antecipado de verba com convênios. É o caso de uma empresa injetar R$ 20 milhões para um projeto específico em 2014, mas o gasto será apenas em 2015. Isso faz com que a CBB tenha dinheiro, mas que não possa gastá-lo, pois o dinheiro é exclusivamente para tal projeto. E, enquanto este projeto não é executado, se considera uma dívida (passivo), visto que, se a CBB não gasta o dinheiro no projeto específico, este dinheiro precisa ser devolvido. É o que chamamos, normalmente, de dinheiro carimbado. Para efeitos de análise, é altamente recomendável que este dinheiro carimbado seja excluído da análise, pois dá uma falsa sensação de haver muito dinheiro em caixa e também uma quantia enorme de dívidas. Sendo assim, os valores passam a ser os seguintes:
Para chegarmos ao valor total das dívidas da CBB, deve-se somar o Passivo Circulante (dívidas já vencidas ou que vencem no ano de 2015) e o Passivo não Circulante (dívidas que vencem após 31/12/2015). Considerando os valores reclassificados, observa-se um montante de dívidas no valor de R$ 13.021.593.
Esse volume de dívidas traz uma informação preocupante que é o aumento constante no seu valor. Com exceção de 2012, quando houve uma leve melhora, os números são crescentes e preocupantes. O gráfico abaixo dá uma boa dimensão do problema.
Em 6 anos, o aumento da dívida foi de inacreditáveis 1.500%, fazendo a Confederação passar de uma situação de quase inexistência de dívidas em 2009 para um volume muito grande de dívidas em 2013.
Deste volume total de dívidas, há dívidas tributárias, processos trabalhistas, fornecedores e principalmente bancos, com um volume de R$ 5,2 milhões em empréstimos bancários, aumento de 18% em relação ao ano anterior. Entretanto, isto é apenas a ponta do iceberg.
Sempre que olhamos o endividamento, temos que comparar o volume de dívidas com os bens que uma entidade possui para pagá-las. Em balanços de empresas normais, veremos um volume de dívidas muito alto, porém, como os bens que possuem são maiores ainda, tal fato passa a ser relativizado.
No caso da CBB, o rombo é muito pior. Apenas de dívidas de curto prazo, com vencimento no ano de 2015, o montante é de mais de R$ 8 milhões (depois da reclassificação), um aumento de 42,5% em relação ao ano de 2013, que já foi muito ruim, além de R$ 5.000.896 que a CBB considera que terá que desembolsar no longo prazo (28% superior ao ano de 2013 e sendo crescente ao longos dos anos).
Em uma empresa saudável, o volume de dívidas (endividamento) não deve superar 66% (2/3) do seu volume de bens e direitos (ativos). Entretanto, na CBB, o volume de dívidas representa 300% do volume de ativos (em 2013 este número era de 219%). Ou seja, a CBB tem de dívidas mais do que possui de bens e direitos. Isto significa que, caso a CBB vendesse tudo o que possui, teria condições de arcar apenas com um terço de suas dívidas (em 2013 este número era de 45,5%). O gráfico abaixo mostra a piora acentuada ano a ano do endividamento da CBB ao longo dos últimos seis anos.
Além disto, se olharmos o que a CBB tem de bens e direitos de curto prazo, ou seja, que são mais fáceis de transformar em dinheiro, vemos que a situação é ainda mais catastrófica. Estes recursos, que em uma empresa normal devem superar as dívidas de curto prazo, cobrem apenas 19% (em 2013 este número era de 25%) destas dívidas. Isto faz com que a entidade seja de altíssimo risco para conseguir financiamento, fazendo com que pague juros muito altos para a rolagem da sua dívida. Com exceção de 2011, onde houve uma ligeira melhora, esse indicador tem caído drasticamente ao longo dos anos, sendo o primeiro ano cujo indicador ultrapassou a barreira dos 20%, como mostra o gráfico a seguir.
Em relação ao prazo da dívida, a situação praticamente não se alterou em relação a 2013. Em 2012, 41% dos empréstimos eram de curto prazo e 59% de longo. Em 2013 os números passam para 45% dos empréstimos de curto prazo e 55% de longo prazo. Já em 2014 os números passam para 44% de empréstimos de curto e 56% de longo prazo. Olhando os dados na nota explicativa, temos os seguintes valores de empréstimos.
Analisando os valores, podemos observar que o empréstimo do Banco Itaú de curto prazo se manteve e houve uma redução do empréstimo de longo prazo, o que mostra que a CBB não deve estar renovando esta dívida. Já a dívida do Banco Bradesco aumentou tanto no curto, quanto no longo prazo, o que evidencia um maior relacionamento entre a confederação e o Bradesco.
Outro fato a se destacar é novamente o aumento no valor de dívidas tributárias, principalmente com o INSS e IRRF. Enquanto em 2012 as dívidas tributárias em parcelamento junto ao governo eram de 1.208.437, em 2013 saltaram para 1.978.739 e em 2014 saltaram para 2.596.284, aumento de 31%.
Um fato que causou estranheza foi a não evidenciação, em nota explicativa, do processo judicial movido pela empresa Champion Products Europe Ltda contra a CBB referente a um contrato preliminar de patrocínio, firmado em 31/12/2008. Este processo estava em 2013 com um saldo de R$ 4.175.535 e não foi informado se o processo continua transitando na justiça ou se a CBB venceu a causa.
2) Prestação de Contas
Pelo que se depreende das informações da CBB, um fato me causou estranheza quanto aos passivos relativos às leis de incentivo. Nestas contas é contabilizado o dinheiro recebido e ainda não gasto com projetos. Normalmente esta conta possui valores recebidos e que serão gastos em projetos no ano seguinte.
Quando esta conta fica com saldos constantes, pode-se observar ou que o projeto não caminhou no referido ano ou que está com alguma pendência de prestação de contas e por isto ainda é considerado como uma dívida potencial.
No ano de 2014, um valor novamente me saltou aos olhos. Há R$ 690.778 referentes ao projeto "Campeonato Nacional Feminino de Basquete", competição que já não é mais organizada pela CBB. E tal valor teve um leve aumento em relação aos anos anteriores que desde 2011 vinha sendo de R$ 590.791. Entretanto, como não há abertura maior sobre a razão pela qual o valor ainda permanece no balanço, não podemos fazer afirmação nenhuma neste sentido.
3) Déficit
O déficit (que é o equivalente a prejuízo se a CBB fosse uma empresa privada) depois de uma diminuição no ano de 2012 em relação a 2011 voltou a subir em 2013 e atingiu o maior nível desde que começamos as análises em 2009, como mostra o gráfico a seguir.
Como visto, pela primeira vez o déficit passa de R$ 3 milhões no ano, com aumento de extraordinários 284% em relação a 2013. O aumento no déficit poderia ter acontecido ou por redução da receita ou pelo aumento da despesa ou por uma combinação dos dois itens.
As receitas, pela primeira vez desde 2009, caíram em relação ao ano anterior, voltando a níveis inferiores do que o ano de 2011. Em 2014, as receitas foram de 24,5 milhões, contra 27,5 milhões em 2013 (queda de 12%). O gráfico a seguir mostra bem essa realidade.
Analisando os motivos da queda, vemos duas informações relevantes. A primeira de que a queda maior se deu em relação a captação de projetos por meio de lei de incentivo, de R$ 5,2 milhões em 2013 para R$ 3,7 milhões em 2014 (queda de 28,5%), enquanto as demais apresentaram oscilações entre -10% e +10%. Apenas a conta de outras receitas (sem especificação pela CBB) caiu 66%, mas o montante não é tão considerável (R$ 862 mil em 2013 e 293 mil em 2014).
Outro ponto a se destacar é que, em 2014, o único patrocínio da CBB foi com o Banco Bradesco (R$ 8,7 milhões), que também é o único banco que continua a injetar dinheiro na CBB na forma de empréstimos. Pelo visto, a dependência da CBB em relação ao Bradesco aumentou consideravelmente em 2014.
Um fato curioso é que os gastos tiveram uma leve queda, passando de R$ 28,3 milhões em 2013 para 27,7 milhões em 2014. Em princípio, isto é um fato positivo, mas a análise deve ser feita com mais cuidado. Ao analisar a composição dos gastos, me deparei com alguns fatos interessantes:
a) Juros -> ACBB paga juros a bancos. E paga desde 2009. Mas o gasto com juros foi reduzido, mesmo com o nível de dívidas tendo aumentado. Como o patrocinador da CBB agora é um banco, é natural que o relacionamento entre a CBB e o banco tenha aumentado, possibilitando redução das taxas. Em 2009, a despesa com juros somou R$ 29.286, em 2010 somou R$ 833.234, em 2011 R$ 1.272.059, em 2012 recuou para R$ 717.950, em 2013 aumentou para R$ 2.524.094 e em 2014 recuou para 829.524, o mais baixo desde 2012. O gráfico a seguir exemplifica melhor essa melhora.
b) Manutenção da estrutura da CBB -> As despesas com pessoal somadas às demais despesas administrativas da CBB somaram R$ 12.570.265 (aumento de 36% em relação a 2013), ou, em média, R$ 1.047.522 mensais. Isto tudo sem considerar os gastos com eventos propriamente ditos, só com a operação administrativa da CBB. Este número é o maior da história e pior do que 2013 (R$ 9.219.440), voltando aos patamares de 2012 e 2011. O gráfico a seguir mostra a evolução dos números.
c) Competições nacionais -> Enquanto os gastos com a manutenção da estrutura da CBB caíram, o gasto com competições nacionais reduziu significativamente. Em 2014, a CBB gastou R$ 6.235.127 com competições nacionais, contra R$ 12.688.615 em 2013 (queda de 51%). Achei estranho também a CBB não ter divulgado nenhuma nota sobre este gasto. As únicas pistas sobre estes gastos estão nos projetos captados pela entidade, com gastos em Campeonato Brasileiro de Seleções Sub-17 (mais de R$ 2 milhões), Ações da CBB (sem descrição do que é), aquisição de material técnico esportivo etc. .
Inclusive, neste item a CBB cometeu um erro terrível ao fazer um cópia e cola da nota de despesas financeiras na nota de competições nacionais e internacionais. Olhem que pérola descrita na nota explicativa 21 – Campeonatos nacionais e internacionais (… explicando como funcionam os recursos da lei Piva …): ao explicar quais são os campeonatos, a nota diz que a "Confederação provado referem-se a Referem-se, substancialmente, de juros sobre empréstimos, impostos e tarifas bancárias, impostos sobre contratos de câmbio e impostos sobre aplicações financeiras. A prestação de contas junto a essas entidades é feira periodicamente". Alguém entendeu alguma coisa? Infelizmente nem eu.
d) Competições Internacionais -> Em 2014 a CBB teve um gasto de R$ 7.442.610 contra R$ 3.013.353 de 2013 e R$ 5.769.772 em 2012. Este aumento é compreensível, pois em 2014 houve o Campeonato Mundial Masculino e Feminino, enquanto que em 2013 houve apenas os Jogos Sul-americanos e a Copa América, competições mais baratas para a CBB.
Conclusões
Fechando esta análise, pode-se dizer: Se a CBB fosse uma empresa privada, estaria em situação falimentar, ou seja, ou já estaria de portas fechadas ou se encaminhando para isto. Não vou entrar no mérito se a gestão esportiva é boa ou não, não sou especialista na área, mas, com certeza, a gestão financeira deixa muito, mas muito a desejar.
Em 2012 observamos uma leve melhora nas contas, mas em 2013 a situação voltou a piorar e em 2014 a situação se mostrou a pior de toda a série, em todas as dimensões de análise.
Ressalte-se que toda esta análise foi feita com os dados fornecidos pela própria CBB em seus balanços, sem nenhuma montagem minha quanto a números, bem como nenhum acesso a informação privilegiada.
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