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Bala na Cesta

Érika planeja fim de carreira na seleção no Rio-2016: 'Vai ser a despedida'

Fábio Balassiano

13/03/2015 06h10

erika5A pivô Érika de Souza passava no hotel em Franca sem ser muito incomodada por imprensa e torcedores. No ginásio Pedrocão até que foi bastante aplaudida. Mas não tanto quanto o seu talento e seus resultados mereciam.

Campeã da WNBA, da Euroliga, duas vezes All-Star da WNBA, ídolo no Atlanta Dream, duas vezes MVP na Espanha e com um punhado de títulos nacionais no Brasil e Espanha, a jogadora atualmente no fortíssimo time do América, de Recife, é uma das mais laureadas atletas brasileiras da atualidade (em qualquer modalidade). Está, certamente, na lista das melhores pivôs do mundo e aos 33 anos recém-completados se encaminha para a parte final de sua brilhante carreira.

Conversei de forma muito aberta com Érika sobre a fase do basquete feminino brasileiro, sobre seleção brasileira, preconceito contra o esporte das meninas, Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016 e muito mais.

erika2BALA NA CESTA: Esta é a primeira vez que tem um Jogo das Estrelas unindo NBB e LBF e está na cara de vocês, meninas, a felicidade em participar disso…
ÉRIKA: É incrível, incrível mesmo a estrutura e a organização deles. Dá pra perceber a diferença e desde que chegamos vimos uma série de ações fora das quadras, uma série de eventos para envolver o torcedor local. Já conhecemos a maioria dos rapazes que estão aqui de seleção, de ver jogo na quadra, mas participar disso tudo é uma experiência maravilhosa.

erika14BNC: Talvez a palavra não seja tristeza, mas sim reflexão para o que vou descrever agora. Bate algum tipo de sentimento quando vocês notam que o basquete masculino, que estava tão no buraco há quase uma década, consegue a cada dia se reerguer via Liga Nacional, e o feminino, que ganhou medalha olímpica e título mundial nos últimos 20 anos, não tem nem metade disso?
ÉRIKA: Com certeza é possível fazer uma grande reflexão em cima disso tudo. O tempo passou e não evoluímos muito na modalidade. Se depender de mim darei o meu máximo para ajudar dentro e fora das quadras, mas não é só isso que conta. Agora entramos na Associação de Atletas e quem sabe não ganharemos mais força para brigarmos pelo que for preciso. Temos tudo para crescer e chegarmos ao nível que o masculino alcançou. Tenho confiança que a Karla (Costa), Adrianinha e Chuca, nossas representantes na Associação de Atletas, conseguirão melhorias rápidas para nós.

erika9BNC: Depois de jogar mais de uma década na Europa você voltou ao Brasil há três temporadas (nas duas primeiras pelo Sport e agora pelo América – ambos de Recife). Dá para comparar o basquete que você surgiu, lá no começo de século, e este atual? Melhorou? O que ainda falta?
ÉRIKA: Melhorar, melhorou. Isso é óbvio e ninguém discute. Mas ainda falta muito em termos de estrutura. Só olhar pro masculino aqui dentro e para o feminino em algumas ligas ao redor do mundo e é fácil detectar o que falta. É o que todo mundo sabe há algum tempo. Mas sou otimista. O fato de estarmos na mesma festa dos rapazes já pode ser um grande começo, um grande ponto de partida para esta evolução do basquete feminino. Se você pensar bem temos equipes novas como Jaraguá do Sul, Barretos, polos importantes. E três equipes no Nordeste (América, Sport-PE e Maranhão), um número bacana também. Tem muita coisa pra crescer, mas já melhorou bastante. Depende muito de nós, atletas, estarmos bem em quadra para fazermos um bom espetáculo também. Não foi a toa que fizemos um jogo tão duro contra a LBF Mundo. Queríamos mostrar do que éramos capazes e quão bem nós podemos jogar.

erika1BNC: Quem acompanha basquete feminino sabe que você é a melhor pivô do mundo. Te espanta o fato de ser mais reconhecida ao redor do planeta do que no seu próprio país? Você acha que existe um pouco de preconceito contra o basquete feminino?
ÉRIKA: Ah, tem, tem sim. Tem um pouco de preconceito contra o feminino, sim. Já diminuiu bastante, mas ainda existe. Hoje em dia nossos jogos já passam na televisão, algumas jogadoras já são mais conhecidas, mas sabemos que precisamos e merecemos mais. Sempre cito o exemplo do vôlei. Elas têm espaço próprio nas TV's, jornais, internet, tudo. E os mesmos direitos que os rapazes. Acho que isso não cabe a nós jogadoras, mas sim aos dirigentes. Eles devem colocar o feminino em pé de igualdade com o masculino. Pouca gente lembra, mas o feminino tem mais títulos que o masculino em âmbito mundial nos últimos 20 anos, né? E o masculino às vezes paga para jogar um campeonato ou algo assim. Por que não investir o mesmo valor em nós, meninas, também? Deveriam olhar isso, já que vamos a mundiais e olimpíadas desde 1994.

erika4BNC: Mas, Érika, desculpe. Você disse que é preciso que os dirigentes façam alguma coisa. Você não acha que os atletas é que deveriam puxar um pouco dessa evolução do esporte? Por que vocês, jogadoras, se metem tão pouco em questões relevantes do esporte?
ÉRIKA: Sim, concordo. E na reunião que tivemos com os outros atletas debatemos bastante isso. O Feminino também precisa dar a cara pra bater. E não pode ter mais isso de "ah, eu sou jovem". Não tem mais isso. Se você quer um espaço é preciso brigar por isso. A Adrianinha está saindo de cena. Em breve a Karla e a Chuca, duas veteranas, também. Eu sozinha não vou conseguir pleitear tudo, brigar por tudo.

erika1BNC: Você consegue dar um exemplo disso?
ÉRIKA: Vou te contar. Antes do último Mundial pedia que as demais atletas entrassem comigo nas reivindicações. E ouvia: "Ah, eu sou novinha. Se eu falar não vão mais me convocar". Mas eu retrucava: "Como assim não vão te convocar? Se você tem bola, se você tem basquete vão te convocar de qualquer jeito". Só pra você entender. Fui convocada, cheguei no dia da apresentação e avisei aos dirigentes da Confederação que não iria treinar se não tivesse meu seguro. Jogo na WNBA, no Brasil e não há motivo para eu não me precaver neste tipo de situação. Vi o seguro e ele não estava assinado. Foi simples. Eu cheguei e falei: "Não treino enquanto não regularizarem a situação". E aí eu vi um monte de meninas jovens treinando sem o seguro, sem terem o papel assinado de forma correta. E falava: "Não treinem. Se cortarem por este motivo, que cortem. Aí vocês falam os motivos a imprensa". Mas elas mesmo assim treinavam. A gente tem que começar a fazer as coisas pela gente. Se não fizer ninguém vai ajudar a gente do nada, não. Acabou a época de esperar alguém tentar melhorar pela gente. Temos que nos unir e brigarmos pelo que é necessário. Se tiver que derrubar quem tiver que derrubar a gente vai lá e faz.

erika3BNC: Essa pergunta é complicada, mas vamos lá. Você jogou o Mundial de 2006 em São Paulo, ficou em quarto lugar e depois, na melhor fase da sua carreira, coleciona uma série de resultados ruins muito menos por sua culpa e muito por conta de um péssimo trabalho de base que é feito no Brasil. Dá pra dizer que você nasceu na época errada? Ou não tem isso?
ÉRIKA: Ah, não. A gente não escolhe quando nasce, né? Ganhar uma medalha olímpica está difícil e a gente sabe disso. Mas iremos brigar muito para conquistarmos este objetivo em casa, diante da nossa torcida. É uma meta pessoal minha e vou lutar muito para conquistar. É triste quando a gente vê os times não investindo pesado nas meninas mais novas, mas não dá pra se arrepender de quando eu nasci. O que sempre falo pra elas é que não podemos nos acomodar. É treinar fundamento por fora, fazer parte física adicional, ficar mais tempo na quadra arremessando. Quanto mais fizermos isso mais sucesso teremos em nossas carreiras. Sabemos que o Brasil está pobre de jogadoras, essa é a verdade, mas ainda temos ótimos trabalhos de base por aí.

erika3BNC: O que falta então?
ÉRIKA: Uma coisa importante é levar essas meninas talentosas que surgem na base para fazerem amistosos internacionais de alto nível. Com todo respeito, mas não dá pra achar que jogar contra Chile, Venezuela e México vai te evoluir em alguma coisa porque não vai. Ganha de 40, 50 pontos e adianta do quê? Aí vai pro Mundial, duela contra seleções mais fortes e não consegue jogar. As meninas novas precisam de mais incentivos, amistosos contra equipes boas. Temos que ir pra Europa enfrentar seleções como França, Rússia, Turquia, estes times. Assim vamos pegar essas meninas jovens e colocarmos elas em situações difíceis e que trarão a desejada evolução. Já está passando do momento de fazermos isso. Tinha sido prometido pelo Vanderlei (Coordenador-Técnico da Confederação) que amistosos de bom nível sairiam do papel e é isso que esperamos agora.

erika15BNC: Te preocupa o estado em que as divisões de base estão hoje em dia no Brasil? Recentemente Americana, um dos melhores projetos do país, anunciou que irá manter apenas seu núcleo social, fechando as portas dos times Sub-19, Sub-17 e Sub-15…
ÉRIKA: Preocupa, preocupa muito, sim. Conheço o projeto de Americana, é muito bom e vê-lo fechando as portas é uma tristeza terrível. A gente fica triste pra caramba, sabia? Imagina se o basquete de Franca acabar. Todos ficariam tristes. E sabe o mais incrível? Existem meninas novas e muito boas. Eu vejo lá em Recife. Enquanto estamos aqui em Franca estão fazendo uma peneira pensando nesta temporada. Bala, o que aparece de menina alta, forte e com vontade de jogar você não tem ideia. E não é menina só de Recife, não. É do Nordeste inteiro buscando uma oportunidade. Mas lá tem o Roberto, é um time. Aqui em São Paulo sei que tem a Macau, no Osasco. É muito pouco. Quantas portas ainda restam no basquete feminino brasileiro?

erika2BNC: Já pensou que ano que vem nas Olimpíadas podemos ver a sua despedida da seleção brasileira?
ÉRIKA: Já está certo isso em minha cabeça. Vai ser minha despedida da seleção, sim. Em frente a minha família nos Jogos Olímpicos do Rio de 2016. Quero dar meu máximo, fazer o meu melhor e quem sabe conseguir uma medalha. É difícil, mas temos que lutar por isso. Quero fechar bem a minha trajetória na seleção brasileira.

BNC: E já que você já passou da casa dos 30, tem ideia do que pretende fazer quando acabar a carreira?
ÉRIKA: Certo na minha cabeça ainda não. Talvez trabalhar com o Fábio (Jardine, seu empresário) na mesma função. Talvez abrir meu negócio próprio. Já não sou mais uma garotinha, já estou com 33 anos e estou fazendo alguns cursos para ver onde realmente eu me encaixo. Uma única coisa que não quero deixar de fazer é ajudar o basquete brasileiro da melhor maneira possível. Tenho muito medo de, após a aposentadoria da Adrianinha, da minha, o basquete feminino afunde, dê uma caída grande. E eu não quero isso, não. Quero que o basquete feminino cresça e que eu possa dizer da arquibancada: "Eu parei, mas a modalidade continua bem". Darei o meu sangue pra isso.

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