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Bala na Cesta

Lenda, Barkley fala do Dream Team, da NBA e exalta Oscar: 'Um dos melhores'

Fábio Balassiano

25/02/2015 00h18

* O Blogueiro viajou a convite do Canal Space

barkley1Charles Barkley não é uma pessoa comum. Nascido em Leeds, Alabama, há 52 anos, pouca gente acreditava que ele teria uma chance no basquete. Aos 16 anos ele ainda media apenas 1,78m. Com 17, cresceu um pouco, chegou aos 1,93m, mas não tinha, digamos, o melhor físico para o basquete. Sempre um pouco acima do peso, Barkley não conseguia ter a agilidade dos armadores de sua altura, mas tinha a força dos pivôs que jogavam perto da cesta.

Foi tentar a sorte jogando de ala-pivô mesmo contra gigantes com 10, 15cm a mais que ele. E se deu bem. Já com 1,98m ele fez chover pela Universidade de Auburn (médias de 14,1 pontos, 9,6 rebotes e soberbos 62% nos chutes) e chamou a atenção da NBA não só pela técnica nos arremessos e pela fúria nos rebotes, mas principalmente por sua atitude, por sua coragem em quadra.

barkley2Por isso no Draft de 1984 o Philadelphia 76ers o escolheu na quinta posição. Com a missão de manter o patamar da franquia que já tinha Julius Erving e Moses Malone no elenco ele chegou e logo conquistou seu espaço (14 pontos de média como novato!), tornando-se peça efetiva da rotação da equipe e um dos favoritos da torcida. Era comum vê-lo se jogando ao chão para disputar bolas, se engalfinhando contra pivôs perto da cesta e discutindo com os juízes por conta de uma falta marcada contra ele.

barkley5O restante de sua linda carreira quase todos conhecem. Foram 11 seleções para o All-Star Game, 22,1 pontos de média em 14 anos de NBA, uma final (pelo Phoenix Suns em 1993, quando conseguiu o título de melhor jogador da temporada inclusive), o ouro olímpico com o Dream-Team em 1992, inúmeras brigas e incontáveis polêmicas.

Atualmente comentarista de sucesso na TNT dos Estados Unidos, Charles Barkley concedeu entrevista exclusiva a mim e ao repórter Thiago Perdigão, do Lance!, e falou sobre o Dream-Team, Oscar Schmidt, sua carreira, a internacionalização do jogo, Kobe Bryant e muito mais. Confira!

FILE PHOTO OF BRAZILIAN BASKETBALL STAR OSCAR SCHMIDT IN ACTION AGAINST USABALA NA CESTA: Sou do Brasil e uma das primeiras lembranças que temos de você foi em 1992, naquele fantástico Time dos Sonhos (o Dream Team) que venceu o Brasil por 127-83. O que você lembra daquele duelo, dos brasileiros e, óbvio, daquela fantástica equipe americana na Olimpíada de Barcelona?
CHARLES BARKLEY: Ah, sim, lembro muito do Oscar Schmidt. O Oscar provavelmente foi o melhor jogador internacional que quase ninguém viu jogar. Tive a sorte de jogar contra o Oscar, posso lhe dizer isso. Todos nós conhecíamos ele, os feitos dele, apesar de quase nunca vê-lo jogar. Ele é um dos melhores jogadores de todos os tempos, não tenho dúvida disso. E é um cara legal também, hein. O conheci no Hall da Fama recentemente, e foi maravilhoso tê-lo visto entrar no Hall da Fama de 2013 com aquele discurso bem emocionante.

barkley10BNC: Não sei se você se lembra, mas no Pré-Olímpico de Portland em 1992 um jogador brasileiro, o Marcel de Souza, tentou provocar vocês dizendo que o time dos Estados Unidos não era aquilo tudo…
BARKLEY: (Risos) Ah, a melhor coisa de ter jogado no Dream Team foi que fizemos o jogo ser realmente internacional. Todo mundo conhecia o Oscar, o lituano Arvydas Sabonis, dois dos melhores de todos os tempos, mas aquela era uma época diferente. Com o Dream Team os jogadores estrangeiros passaram a vir jogar nos Estados Unidos, a NBA mesmo ficou mais aberta aos atletas internacionais. Vocês viram o jogo entre os calouros dos EUA e os estrangeiros no All-Star Game, né? Eu escolhi, antes, os internacionais para ganhar e eles venceram. Isso quer dizer algo importante. Olhe quantos jogadores internacionais bons temos aqui atualmente!

splitter1BNC: O que você acha dos jogadores brasileiros na NBA? Conhece algum?
BARKLEY: Nenê é brasileiro, certo? Gosto dele. Tiago Splitter (foto à direita) é ótimo. Leandrinho eu conheço bem de Phoenix. Pode anotar pontos contra qualquer um. E o Anderson Varejão infelizmente se machucou. Ele estava jogando muito bem pelo Cleveland e gosto de sua atitude. Os jogadores brasileiros têm feito uma grande contribuição ao jogo aqui na NBA. E essa foi a grande coisa de ter jogado naquele Dream Team. Fizemos o jogo ser global, o jogo ser totalmente internacional. E acho que conseguimos. Você vê jogadores fantásticos aqui como Dirk Nowitzki, Tony Parker, o meu querido Manu Ginóbili. Olha este grego do Bucks, o Giannis Antetokounmpo, que coisa absurda. É incrível o que os internacionais têm feito.

dirk2BNC: E você acha que os jogadores estrangeiros mudaram o jeito que o basquete é praticado nos Estados Unidos?
BARKLEY: Não. Eu acho o contrário. Acho que a NBA mudou a maneira como o basquete é jogado no mundo. No começo, os jogadores estrangeiros que vinham para a NBA eram como robôs. Eles viam os vídeos e achavam que tinham que repetir tudo o que fazíamos. Ficava estranho. Depois eles foram vendo que não era preciso imitar, mas sim desenvolver sua própria forma de jogar. Agora os caras são muito atléticos e de todas as posições. Eles se adaptaram muito bem a nossa forma de atuar e mantiveram as características locais. Isso é incrível.

charles15BNC: Desde semana passada você tem se envolvido em uma acalorada discussão com Daryl Morey, o gerente-geral do Houston Rockets, sobre a extrema valorização dos números, os tais Analytics. Você afirma que números são apenas números, e ele defende que por trás dos números há muita coisa…
BARKLEY: Veja, em primeiro lugar: Anylitcs são apenas estatísticas. E eu acredito que você não pode construir o seu time apenas através disso. Você precisa construir o seu time com bons jogadores. Magic Johnson, Phil Jackson (ex-técnico de Lakers e Bulls e atual presidente do Knicks) e Mark Cuban (dono do Dallas Mavericks) me mandaram mensagens e saíram em minha defesa publicamente. Eles concordam comigo também. O jogo tem muitas variáveis para ficarmos analisando apenas os números. Você tem estatísticas contra times bons, contra times ruins. É impossível você ter um consenso sobre isso. E se você jogar quatro jogos em cinco dias? E se enfrentar um time com muitos desfalques? Os números são frios e são muitas variáveis para se construir um time apenas com os Analytics.

barkley6BNC: Uma pergunta interessante. Hoje em dia quando você vê a NBA sente falta de atletas com mais carisma, como foram você, Magic Johnson, Michael Jordan e outros?
BARKLEY: LeBron James é o melhor do mundo. Kevin Durant é incrível. Anthony Davis também…

BNC: Desculpe interromper, Mr. Barkley, mas estou falando de carisma…
BARKLEY: (Risos) Ah, cara, eu não sei. Bem, penso o seguinte. Hoje os jogadores estão mais preocupados em construir suas próprias marcas do que em se tornar grandes atletas. No meu tempo era o contrário, e sua fama vinha pelo que você fazia na quadra, pelo sucesso que tinha jogando. E isso é algo que me incomoda algumas vezes, sim.

CBNC: Falando sobre grandes jogadores, queria lhe questionar sobre o Kobe Bryant. Ele está nos últimos momentos…
BARKLEY: Ah, sim, nos últimos MESMO (ênfase no "mesmo"). Todos têm o seu momento final de carreira. Todos irão cair. Faz parte da vida, faz parte do esporte. Tenho um grande respeito pelo Kobe. Ele é um dos dez melhores de todos os tempos, tem uma história incrível, uma carreira espetacular. São cinco títulos, sete finais, isso é excelente, não é? Mas tudo chega ao fim. E o fim é dolorido, posso lhe dizer. Ele é um dos melhores jogadores de todos os tempos, foi uma honra vê-lo jogar todo este tempo, mas acabou.

kobe2BNC: Lembro bem dos seus últimos momentos pelo Houston. Como é para o atleta se ver nesta situação de fim de carreira. O que passa pela cabeça do jogador exatamente?
BARKLEY: Ah, enche a paciência. Enche muito. Sua cabeça funciona, mas seu corpo não obedece. Essa é a diferença. É frustrante quando você não pode jogar no melhor nível. Mas agora que estou mais velho entendo um pouco melhor. Kobe precisa entender. Ele teve uma brilhante carreira.

BNC: E você acha que ele aceita isso?
BARKLEY: Você não tem escolha. É duro, mas só se pode aceitar.

barkley7BNC: E sobre a sua carreira. Acabou há mais de uma década, no ano 2000. E você sabe que jogou muita bola. Onde está Charles Barkley entre os melhores de todos os tempos?
BARKLEY: Ah, eu não faço isso. Eu não me comparo com ninguém, não me coloco em nenhum destes rankings. Sei que tive uma carreira muito legal, com momentos brilhantes. Amei jogar em Filadélfia, amei jogar pelo Phoenix e também pelo Houston. Foram anos realmente incríveis. Sendo bem sincero. Tendo crescido em uma pequena cidade do Alabama jamais poderia imaginar que 52 anos depois estaria sentado em Nova Iorque no bar de um hotel sendo entrevistado por jornalistas do Brasil. Digo isso de verdade. Cresci no Alabama, minha mãe era uma empregada doméstica e hoje estamos aqui. Pensa nisso. Na sexta-feira fiz uma das coisas mais legais da minha vida. Eu toquei o sino da Bolsa de Valores de Nova Iorque. Devo ser a única pessoa da história da minha cidade (Leeds) que fez isso na Bolsa (Risos). E isso é legal, né?

chuck1BNC: Não sei se você consegue imaginar isso, mas uma das razões de estarmos aqui agora com você é que na época que você jogava no Phoenix seus jogos eram muito transmitidos na TV aberta brasileira. Por isso até hoje há muitas camisas suas, as de número 34, no Brasil…
BARKLEY: Caramba, que sensacional. Em Phoenix foi realmente incrível. Nas três equipes que joguei, na verdade. Sixers, Suns e Rockets, foi muito legal. A verdade é que superei todas as expectativas que existiam para mim. Tive uma vida incrível. Sendo bem sincero. Se eu soubesse que iria morrer, digo com tranquilidade que estaria tudo bem. Estaria de bom tamanho. Tive uma vida maravilhosa, uma carreira maravilhosa, pude ajudar minha família e meus amigos. Estive em todo mundo, superei todas as minhas expectativas. Agora você pensa sobre o lance das camisetas que você citou. Não é incrível que alguém no Brasil tenha uma camisa de Charles Barkley? Isso é fantástico e ao mesmo tempo interessante. Eu não me acho famoso, mas você veja só. Quando era mais novo, e você mais novo é jovem e estúpido, pensava: "Quero sair dos Estados Unidos para relaxar, descansar um pouco". E aí quando hoje, vou para outro país… ferrou! Eu digo para minha família: "Vamos para a China. Ninguém me conhecerá lá". Ou Alemanha, ou Brasil, ou Espanha. E aí você sai do avião e é reconhecido imediatamente na porta do avião por jovens de 13, 20 anos que pouco lhe viram jogar. Alguém ter minha camisa no Brasil é realmente memorável.

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