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Bala na Cesta

George Gervin relembra começo da NBA e exalta 'escola' Spurs de basquete

Fábio Balassiano

19/02/2015 01h29

* O blogueiro viajou a convite do Canal Space

gervin1George Gervin é de outra época. Da época de uma NBA iniciando o profissionalismo. Aos 62 anos, porém, nada abala a reverência a ele nos Estados Unidos. Conhecido como "The Iceman" ("O Homem de Gelo" devido a sua frieza nos momentos decisivos) e referência para craques como Gary Payton, ele foi um dos convidados do All-Star Game em Nova Iorque. Ao ser apresentado na NBA House do Brooklyn, foi aplaudido de pé e, incentivado por A.C. Green e Robert Parish (duas outras lendas do basquete), começou a arremessar de brincadeira. Errou uma, errou duas e, já com a mão quente, acertou nove arremessos sem parar, levando a galera ao delírio.

Um dos melhores arremessadores da história da NBA, Gervin jogou na ABA pelo Virginia Squires e fez parte da transição da ABA para a NBA em 1976 com o San Antonio Spurs, franquia que defendeu por 11 anos e onde era o maior ídolo da história até a chegada de Tim Duncan, Manu Ginóbili e Tony Parker. O ala de 2,01m terminou sua brilhante carreira com 14 campeonatos com pelo menos 14 pontos de média e quatro títulos de cestinha da temporada (três seguidos). Conversei com ele sobre isso tudo. Confira!

gervin3BALA NA CESTA: Sendo um dos melhores jogadores de sua geração, qual o seu sentimento quando, aos 62 anos, você entra em uma casa como esta, cheia de crianças e jovens que não o viram jogar, e é aplaudido loucamente?
GEORGE GERVIN: É maravilhoso, é realmente maravilhoso. O basquete se tornou global, a NBA se tornou internacional e creio que a maneira como nós, ídolos do passado, passamos a ser tratados é uma forma de prestar respeito a quem fez tanto pela história da liga lá no começo. O que eu sinto é uma sensação de continuidade, pois caras como eu, David Thompson, Julius Erving e outros fomos os que começamos essa história linda da NBA. Nós fomos os caras que começaram a plantar a semente de uma liga internacionalmente reconhecida como é a NBA hoje. Ser, nos dias atuais, reverenciado por isso é maravilhoso.

gervin2BNC: Você foi All-Star da NBA por nove anos seguidos (de 1977 a 1985). Não acompanhava a NBA nesta época, mas eu realmente imagino que a festa antes fosse bem diferente da que é atualmente…
GERVIN: Você está certo. Não era bem uma festa, um fim de semana como este. Era um jogo só e ponto final. Outros tempos, né? Era um All-Star Game, não um All-Star Weekend como é hoje em dia, essa festa grandiosa. Por isso falo que fomos iniciantes. Sou muito orgulhoso de ser parte dessa, digamos, fundação desta nova fase da NBA.

sternBNC: David Stern (ex-comissário da NBA – na foto à direita) é o principal responsável por isso, certo?
GERVIN: Sim, sem dúvida alguma. Stern tinha uma missão, entendeu que para o negócio ser mais rentável era preciso comercializá-lo mundialmente e foi tratando de ajustar as coisas. Realmente um grande visionário do nosso esporte. Ele acabou nos dando uma grande oportunidade de sermos reconhecidos por toda uma comunidade que ama basquete mundialmente. Você é do Brasil, é jovem, certamente não me viu jogar e está aqui conversando comigo sobre minha carreira. Certamente isso não aconteceria se não fosse David Stern.

Gervin poses for a portraitBNC: Você falou em ser um dos iniciantes. E você foi O grande iniciante da franquia Spurs. O San Antonio foi uma franquia de expansão da ABA para a NBA em 1976 e você era o grande craque do time. Quase 40 anos depois, consegue descrever como foi aquele começo de franquia em uma nova liga?
GERVIN: Era uma época difícil em termos de resultados. Isso eu me lembro. Ganhamos quatro títulos de divisão, mas nunca conseguíamos dar o próximo passo, avançar às finais da NBA. Ao mesmo tempo que era divertido criar um novo espaço, uma nova localidade para a liga, era difícil porque os resultados não vinham. Refletindo sobre isso hoje eu vejo que, apesar de nunca termos ganho um título, construímos bem os alicerces de uma casa que é bem habitada até hoje. O alicerce daquela moradia fomos nós que fizemos e está sendo muito bem cuidada até hoje. Sou muito orgulhoso de fazer parte da franquia até hoje como um dos embaixadores.

pop1BNC: Você fala da franquia hoje. Gregg Popovich, o técnico, é para o Spurs o que o David Stern foi para a NBA? Em termos de levar a outro patamar, essas coisas…
GERVIN: Sem dúvida que sim. Popovich é o maior nome da franquia em todos os tempos. Maior que todos os jogadores. Ele foi o responsável por manter as coisas boas que criamos e também mudar o que precisava ser mudado. Ele implantou mais que uma cultura de vitórias. Ele criou uma cultura de desenvolvimento, de aperfeiçoamento, uma cultura de se tentar fazer o melhor e mais bonito basquete sempre. Quando você ganha cinco títulos ainda por cima… Pop é um dos melhores treinadores de todos os tempos.

tsplitterBNC: Há um brasileiro no Spurs, o pivô Tiago Splitter. O que você acha dele?
GERVIN: Tiago é um jogador inteligente. Foi uma grande aquisição para nós. Já vinha sendo observado e monitorado, e hoje é figura fundamental para o San Antonio. Defende bem, ótima leitura de jogo, tem uma capacidade técnica muito boa e passa bem a bola. Ele se adapta muito bem ao sistema San Antonio Spurs de jogar.

trioBNC: O San Antonio ganhou o seu primeiro título em 1999 jogando um basquete feio, chato, monótono. Passados alguns anos a franquia conseguiu outras quatro conquistas e jogando um dos basquetes mais lindos de todos os tempos. Magic Johnson inclusive chama o que os Spurs fazem de "jogo bonito". Como foi essa transformação?
GERVIN: Olha, Pop teve algumas ideias e visões de como poderia ganhar e como poderia se manter no topo com este núcleo, este time. Não temos os jogadores mais físicos do planeta. Então precisamos ter os mais inteligentes, jogar o basquete mais inteligente, fazer as coisas da maneira que faça com que nossos atletas arremessem da maneira mais confortável possível. Acaba que é a regra número um do basquete, não é isso? "Encontre seu companheiro livre". É o que fazemos há alguns anos e acho que voltar às origens desperte essa satisfação nas pessoas. Em San Antonio nós temos algumas escolas primárias. Lá foram criadas algumas escolas em que professores podem ensinar a professores para que o conhecimento seja transmitido, repassado. Creio que estamos vendo o mesmo com o Spurs no basquete. A cultura de basquete da franquia já está disseminada em quase todas as equipes da NBA.

klay2BNC: Mudando um pouco de assunto. Você assiste às partidas atualmente? O jogo mudou demais? Quase não vemos mais pivôs atualmente…
GERVIN: Sim, isso é verdade. Quase não vemos pivôs jogando de costas para a cesta. O jogo mudou, isso é bem simples. Não é melhor, pior. Mas sim diferente. Veja o meu caso, por exemplo. Eu fiz 33 pontos em um período em 1978. Klay Thompson (foto à esquerda) fez 37 pontos outro dia, você viu? Pois então. Klay fez isso com a linha de três pontos, algo que não existia na minha época. Na verdade ele não bateu o meu recorde. Simplesmente porque as regras eram diferentes. Quando eu fiz os meus 33 não tinha a linha de três. O que ele fez foi conseguir o recorde de uma nova NBA. Comparar épocas distintas é algo muito difícil de se fazer. Continua sendo um jogo maravilhoso e eu sigo amando-o.

lebronBNC: Dos jogadores da atualidade, quem o encanta mais?
GERVIN: LeBron James é o melhor da atualidade. Isso sem dúvida alguma. Sempre fui fã e Kobe Bryant também. Kobe tinha o "instinto assassino" tão necessário para fazer de um atleta um jogador lendário. Ele é um dos melhores da história por causa de sua fortaleza mental, de sua capacidade de se manter forte em momentos difíceis. Hoje eu gosto dos que me divertem, dos que fazem as coisas parecerem ser fáceis. Stephen Curry, Kevin Durant, Klay Thompson, Dwyane Wade, esses caras. E, óbvio, de Tim Duncan, Manu Ginóbili e Tony Parker, pela maneira como eles atuam de forma conjunta. Esses caras me mostram que amam o jogo, não só o dinheiro que eles ganharam.

gervin10BNC: E onde você se coloca no ranking dos melhores do basquete? Você é um Hall da Fama, jogou entre os melhores, foi o cestinha da NBA por muitos anos…
GERVIN: Difícil falar de mim mesmo. Eu sei que joguei muito bom, mas não sei se melhor que alguém. Sei que tenho meu lugar marcado na história do jogo e isso já me honra bastante.

BNC: Dessa grande época da NBA, tinha alguém que o incomodava na marcação?
GERVIN: Ah, tinha. Muitos. Dennis Johnson, do Boston, era um que me marcava muito bem. Michael Cooper, do Lakers, era outro. Jogavam muito duro. Mas posso lhe dizer uma coisa? Eu fazia 30 em todos eles (risos).

manresaBNC: Para fechar: depois da NBA você teve duas passagens na Europa. Uma no Roma, na Itália (média de 26,1 pontos), e outra na Espanha, pelo Manresa (25 pontos com 38 anos de idade – foto à direita). Como foi jogar na Europa já veterano?
GERVIN: Posso lhe dizer que foi uma das experiências mais ricas que tive em toda minha vida. Foi muito bom para mim e para minha família e sou muito grato a estas duas equipes. Lembro bem que na Espanha eu não podia sair na rua, porque mesmo veterano eu conseguia trazer bons resultados para a equipe. Fui contratado para salvar o time do rebaixamento e com meus companheiros conseguimos isso. Era um basquete diferente, tinha quase 40 anos, mas tive bastante humildade para aprender novas coisas e desfrutar de uma nova cultura. Foi realmente um período bem gratificante da minha carreira.

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