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Bala na Cesta

Adaptação, o grande mérito de Popovich e Buford, arquitetos do Spurs

Fábio Balassiano

17/06/2014 08h00

pop1No dia 25 de junho de 1999 o San Antonio Spurs conquistaria o primeiro título da história da franquia. Venceria o New York Knicks no Madison Square Garden por 78-77 e fecharia o confronto em 4-1. Quinze anos depois, os texanos bateram o Miami por 104-87, fizeram 4-1 e ganharam o quinto troféu. Entre períodos tão distantes, os mesmos comandantes, basquetes muito diferentes e uma única certeza: o melhor ficou para o século XXI mesmo.

Em 1999, o San Antonio Spurs teve uma média de 84,9 pontos na final contra o Knicks jogando um basquete que todo mundo criticava. Era travado, chato de ver, pouco criativo. Naquela temporada, média de 92,8 pontos, 22 assistências por jogo, coeficiente de 0,63 assistência por arremesso convertido e 102 posses de bola por noite. Em 2014, toda a fluidez ofensiva gerou 105,6 pontos de média na final contra o Miami. Na temporada, 105,4 pontos por jogo, 25,2 assistências, 0,70 passe por chute certo e incríveis 114 posses por partida. A velocidade, claramente, é outra. A forma de Gregg Popovich fazer o time jogar, também.

É óbvio que o técnico conduz seu time de acordo com o que o elenco lhe propicia. Isso é uma verdade. A outra é que o San Antonio Spurs, através da dupla RC Buford (gerente-geral) e Gregg Popovich (técnico), entendeu as mudanças que o basquete estava trazendo neste começo de século e conseguiu (tem conseguido, na verdade) se adaptar a ela de maneira rápida e perfeita. Talvez a palavra que melhor sirva para a dupla (da foto) seja esta mesmo – adaptação.

dupla1No mundo de egos inflados da NBA, o duo teve humildade suficiente para receber o novo, conhecer algo diferente, beber em outras fontes, estudar algo que poderia ser benéfico lá na frente. O jogo está mais rápido, mais leve e com três "tipos" de cesta que fazem muita diferença: bolas de três, cestas com alto % de conversão (as de pertinho da cesta – normalmente com os pivôs) e bolas de contra-ataque (também de alto percentual de conversão). Montar os elencos pensando em atletas que consigam executar isso é uma parte da arte, portanto. Adaptar o estilo de jogo, outra. O Spurs que travava, hoje corre. O Spurs que arriscava tiros longos da cabeça do garrafão hoje privilegia os mesmos chutes longos, mas de três pontos. Até tiros de três em contra-ataques são vistos – e estimulados -, algo impensável na cabeça de Popovich anos atrás.

green1Quer ver um exemplo? Em 58 jogos na temporada os texanos converteram mais cestas de três pontos que seus rivais, vencendo 51 destas pelejas (88% de aproveitamento). Quer outro? O Spurs é o terceiro time que mais passava durante o campeonato (314 bolas trocadas por jogo), com a terceira melhor média de assistência por jogo (25,2) e a melhor relação de assistência por chute convertido de toda a NBA (os 0,70 citados acima). É uma prova que o jogo em si não muda, mas que os conceitos vão se aperfeiçoando, ou se esquecendo, com o tempo.

O "hit the open man", ou "encontre seu companheiro livre", foi mote altruísta do Knicks bicampeão de Red Holzman na década de 70 e foi reeditado brilhantemente pelo Spurs. A tática texana, abastecida com corta-luzes e mais corta-luzes, basicamente é esta mesmo: encontrar o companheiro para o arremesso mais livre possível. E quanto menos vigiado, mais chances de acertar, né. As perguntas, agora mais cristalinas do que nunca, são óbvias: se você está marcado, por que pensa em arremessar? Se há um companheiro seu em posição melhor de arremesso, por que não passar a bola a ele? As respostas são tão óbvias, elementares e simples quanto a essência do basquete (coletivo, lembram?).

leonard1A outra é saber como montar time e desenvolver jogadores que ninguém espera muita coisa. O agora MVP das finais Kawhi Leonard, da não tão expressiva assim San Diego State (onde teve média de 12,7 pontos apenas), talvez seja o melhor exemplo. Ele chegou ao Spurs como troca de um pick. George Hill, em evolução e efetivo reserva de Tony Parker na armação, foi despachado ao Indiana Pacers pela décima-quinta posição do Draft de 2011. Na época, muita gente achou uma tacada arriscada demais por parte do Spurs. Tim Duncan, na coletiva depois do título, disse que durante o locaute daquele ano, quando os jogadores treinaram por conta própria, o elenco todo olhava para aquele menino magriça e duvidava que ele fosse virar um grande jogador.

Mas Buford e Pop confiaram, trabalharam e hoje o mundo olha para o Indiana imaginando como seria ter Leonard e Paul George nas alas do time. Leonard, aos 22 anos, é uma das estrelas do Spurs e todo mundo gostaria de tê-lo no elenco. Embora, obviamente, ninguém garanta que Leonard seria o Leonard MVP de hoje se não tivesse passado pelas mãos de Popovich, o melhor professor da NBA na atualidade (algo que Larry Brown já o foi em outros tempos).

manu1Quem queria Patty Mills três anos atrás? Quem foi o responsável por não renovar com Marco Belinelli no Chicago? De onde saiu Corey Joseph? Quem no Cleveland cravou que Danny Green não era jogador de NBA ao dispensá-lo com menos de 25 jogos na liga? Quão maluca é uma pessoa que escolhe um argentino que joga na Itália na 57ª posição do Draft de 1999? Qual o motivo de terem apostado em Tiago Splitter, brasileiro que foi tão bem nesta temporada? A resposta é uma só: não existe jogador dispensável. Existe jogador que Popovich ainda não treinou.

Há outras coisas importantes de se citar. A primeira é o fato de o time ter apenas a 11ª maior folha salarial da NBA (e dentro do limite estabelecido pela liga). O Spurs não faz loucura com o dinheiro. Paga muito aos três craques do time (Duncan, Parker e Manu), os mantêm com contratos de longa duração e cerca os caras com uma série de contratos curtos e apostas que podem vir a ser muito acertadas (caso de Leonard). Quer contrato longo para ganhar muito dinheiro? San Antonio não é um bom local para isso se você não se chamar Ginóbili, Tony ou Tim. George Hill e Gary Neal querem muita grana? Podem ir embora. Surgem Mills, Green, Belinelli e Joseph rápido – e ninguém nota. DeJuan Blair vai procurar outras bandas? O que fazer? Boris Diaw e Jeff Ayres estão dando sopa por aí. Do time que foi campeão em 2007, última conquista do Spurs antes desta de 2014, só estava lá Matt Bonner além da santíssima trindade (Parker, Manu e Duncan).

splitter1O restante do elenco conquistou o seu primeiro anel no domingo e sabe que precisa (literalmente) correr pelos três. O clichê que os Spurs eram velhos sumiu, embora o argentino, o francês e Tim estejam, de fato, ficando mais velhos a cada ano. E só sumiu porque a diretoria entendeu que o certo não era dispensá-los, começar uma reconstrução (palavra que as outras 29 franquias amam de paixão) trocando-os por jovens cujo futuro é sempre incerto. O adotado pelo Spurs foi cercar os "idosos" com gente nova, com sangue novo, com pessoas dispostas a aprender (outra palavra-chave no sucesso texano).

A segunda é a absurda internacionalização do elenco. Em um basquete cada vez mais dinâmico e com a obrigação de que os atletas saibam ler o jogo como se fosse algo habitual, simples (e isso não é básico, sabemos), ter jogadores no elenco com vivência internacional ajuda muito (principalmente pela mudança nas regras recentes).

Se falta potencial físico (e falta mesmo), sobra inteligência para passar, arremessar e abrir espaços, as essências do jogo do Spurs. O time campeão de 2014 tem dois franceses (Diaw e Parker), um italiano (Belinelli), um brasileiro (Splitter), um canadense (Joseph), dois australianos (Baynes e Mills) e um argentino (Manu). É tanto gringo que é capaz de eu ter esquecido algum.

Gregg PopovichAinda há muito a ser explorado pelo Spurs, podem ter certeza. Ainda há muito a ser aprendido com os Spurs. O basquete é um jogo simples. Jogo simples que Popovich e o San Antonio elevaram a um outro patamar neste começo de século voltando à essência do jogo – cortes, arremessos livres, muitos passes e com a estrela sendo o grupo. São tantas as lições que ficam que o que eu espero sinceramente é que os Spurs não parem por aqui.

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