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Bala na Cesta

Perto do Hall da Fama, Alonzo Mourning relembra carreira e doença no rim

Fábio Balassiano

18/02/2014 00h33

* O blogueiro viajou a convite do Canal Space

NBA: All Star Game-Hall of Fame AnnouncementNão havia ninguém mais feliz na sala de conferência da coletiva do Hall da Fama na última sexta-feira (14 de fevereiro) que Alonzo Mourning. Ele passou pela peneira inicial e precisa de 18 dos 24 votos da Comissão de Honra para, aí sim, receber a maior honraria que um atleta de basquete pode conquistar. Foi depois do anúncio de que seu nome estava entre os finalistas (junto com o de seu ex-companheiro de Miami, Tim Hardaway, por exemplo) que eu fui conversar com ele. Em um dos melhores papos de basquete que tive na vida, Zo, como é conhecido, falou sobre sua carreira, sobre a descoberta de um problema grave no rim (após os Jogos Olímpicos de Sidney-2000) que o levaria ao transplante em 2003 e de como ter se tornado uma referencia na luta contra a doença enche o ex-pivô do Miami Heat, campeão em 2006, de orgulho.

zoBALA NA CESTA: Dá pra notar que você está bastante emocionado com a sua possível (e até provável) entrada para o Hall da Fama. Qual o sentimento que está agora em sua cabeça?
ALONZO MOURNING: Estou honrado, animado, não sei bem o que pensar para te dizer a verdade. Quando você começa a jogar basquete ainda criança jamais imagina que um dia chegará perto de entrar no Hall da Fama. É algo absolutamente inimaginável, é um sonho. E estou perto de ver isso acontecer. São muitos sentimentos que estão na minha cabeça agora, sinceramente.

BNC: Depois de quase 20 anos de uma carreira brilhante na NBA, qual o legado que você acha que deixou para quem o assistiu?
ALONZO: Acho que quem me via em quadra sempre teve a sensação que eu fiz mais do que o possível para levar meu time às vitórias e para fazer dos meus companheiros jogadores e pessoas melhores. É algo que certamente ficará para sempre estampado em minha carreira. Não gosto muito quando fazem avaliações apenas em cima de números, porque o esporte não é só uma tabela com estatísticas. Acho que eu realmente fiz as coisas corretas, acho que eu sempre tratei bem e respeitei o jogo. Basquete não é só um esporte, mas também uma grande filosofia, uma maneira de se viver e pensar. E foi usando o basquete assim que consegui transmitir meus próprios valores para todo mundo que me assistia. O objetivo sempre foi mostrar que o trabalho correto pode, sim, te levar a atingir seus sonhos, a ir longe. Tenho certeza que quem assiste a uma partida não pode pedir mais nada a um atleta que não que ele respeite ao máximo o jogo e se empenhe na quadra. E isso eu fiz. Isso ninguém pode contestar. Meu trabalho, meu sacrifício, as horas que ficava no ginásio para melhorar todos os aspectos do meu jogo.

zo2BNC: Você falou sobre sua carreira. Eu sou do Brasil…
ALONZO: Ah, você é do Brasil. Eu estarei lá para a Copa do Mundo.

BNC: Verdade? Não sabia que você gostava de futebol…
ALONZO: Eu gosto, mas meus filhos é que são apaixonados, loucos por futebol. Vai ser bacana, tenho certeza.

BNC: Sim, sem dúvida. Mas, voltando. Sou do Brasil e muitas pessoas da minha geração começaram a acompanhar a NBA na época em que você estava no auge com aquele time do Miami Heat comandado pelo Pat Riley. Você tem noção de que serviu de inspiração para muita gente não só nos Estados Unidos, mas no mundo todo?
ALONZO: Olha, eu posso imaginar, sim. Por causa de David Stern, agora ex-comissário da NBA, a nossa perspectiva mudou. Tudo o que fazíamos aqui nos Estados Unidos se transformou em global, em mundial e os nossos dirigentes tentavam passar isso para os atletas de forma bem clara e objetiva. Para que tivéssemos a noção de que tudo o que fizéssemos seria visto não dentro do país, mas em uma escala maior ainda. Este é o grande legado que deixou o Stern para a liga, sem dúvida alguma. Houve mais visibilidade e eu consigo ver que a relação que as pessoas ao redor do mundo têm comigo aumentou, ficou diferente depois que as partidas e as nossas imagens foram transmitidas em dezenas de países. A minha geração fez parte dessa grande transição de um produto local, nacional, para uma liga internacional, global. E isso nos honra muito, pode ter certeza. Como eu te disse antes: eu tentei jogar o jogo sempre da melhor maneira, da maneira correta. E acho que este exemplo ser transmitido para pessoas de outras nacionalidades me dá ainda mais felicidade.

zo3333BNC: Você fez parte de uma geração que tinha pivôs dominantes (Ewing, Hakeem, Shaq, Robinson, Mutombo etc.) e hoje não vemos mais os "cincões" brilhando e muito menos sendo acionados com constância durante as partidas. O que aconteceu para o jogo ter mudado tanto?
ALONZO: Boa pergunta. Não há uma só resposta certa, isso posso te garantir. Mas o jogo de fato mudou – e continuará mudando. O esporte é o mesmo, mas o jogo mudou bastante de 10, cinco anos pra cá. Isso sem sombra de dúvida. Há novas regras na NBA, e isso pode ter influenciado muito também. Antes não era possível marcar por zona quase o tempo todo, e talvez por isso os duelos de um-contra-um aconteciam mais vezes. Não sei, porém, se é só isso, não. Hoje vemos meninos de 17, 18 anos com 2,08m, 2,10m que simplesmente não sabem jogar de costas pra cesta e muito menos perto dela. E eles não sabem porque não lhes é ensinado, não lhes é transmitido. Hoje é tudo no perímetro. Estes meninos hoje querem, e sabem, arremessar. Vejo pelo filho, Trey, que não chegou aos 20 anos (quase 2,10m). Ele ama ficar na linha de três pontos para infiltrar, arremessar de fora, fazer coisas inimagináveis para mim à época como pivô. E eu tento ensinar algumas coisas para ele sobre como jogar perto da cesta. Ficamos horas conversando e treinando para que ele entenda algo que não está sendo muito ensinado nos treinamentos. Hoje os caras são mais atléticos, mais completos, sabem fazer mais coisas. Isso é algo bom também. Mas um pivô não ser acionado perto da cesta por vezes me dói um pouco, devo lhe confessar. De todo modo, ainda há caras como Dwight Howard e Roy Hibbert, que podem ser dominantes na defesa e úteis no ataque. Caras como eles jamais serão completamente descartados e sempre trarão um grande impacto ao jogo. Mas, para encurtar as coisas, é assim: mudanças são parte do mundo. E para viver nele, seja no esporte ou em qualquer outro lugar, é preciso abraçar a transformação para viver. Não há muito o que se possa fazer em relação a isso.

trio1BNC: A arbitragem também influencia nisso, visto que quase não pode mais haver contato nos jogos?
ALONZO: Os juízes e as mudanças das regras. A NBA viu o talento dos atletas, mudou as regras e o cenário é esse. Não há muito o que se possa contestar em relação a isso.

BNC: Um dos momentos mais duros de sua carreira aconteceu depois que você voltou das Olimpíadas de Sidney, 2000 (ouro olímpico). Na Austrália você começou a se sentir mal, fez os exames e foi diagnosticado com um problema grave e raro nos rins. Como foi todo aquele processo que culminou com o transplante em 2003?
ALONZO: Sem dúvida alguma ter feito o anúncio de que eu estava com um problema no rim em outubro de 2000 foi o momento mais difícil da minha vida. Tinha acabado de conquistar um ouro olímpico para meu país, minha filha havia nascido tinha poucos meses e tive que lidar com aquela situação toda. Quando você descobre que tem um problema assim seu mundo cai, sua perspectiva muda, sua maneira de enxergar o mundo se transforma. Você não sabe muito bem no que pensar. E eu tive muita sorte não só de ter me curado mas principalmente de ter voltado a jogar basquete profissionalmente.

zo_hospitalBNC: Acho que você sabe que se tornou um dos grandes exemplos na luta contra um problema crônico nos Estados Unidos, né. Como foi isso e até que ponto isso lhe honra mais do que ter sido um atleta de sucesso?
ALONZO: (neste momento Mourning coloca as mãos em meu ombro, dá uma embargada na voz, limpa uma lágrima e começa a falar) Assim você me quebra. Não sei se você sabe, mas 20 milhões de pessoas aqui nos Estados Unidos sofrem com problemas no rim. Outras 20 milhões têm risco de passar por isso. Eu acho lindo quando vejo que a minha vida é uma fonte de inspiração não só para atletas que estão começando a jogar mas principalmente para as pessoas que me olham como um exemplo de superação devido ao meu problema no rim. Todo dia alguma pessoa passa por algum problema de saúde. E a sua vida na verdade começa de novo a partir desse dia. E a pergunta que você precisa se fazer neste momento é: você vai superar isso ou vai desistir? Eu escolhi tentar superar, passar por cima do problema, tentar a cura de algo bem raro. E consegui graças a um transplante de rim de um primo meu (Jason Cooper) que não via há quase 20 anos. É preciso ter muita fé e lutar sempre. Algumas pessoas desistem, algumas pessoas simplesmente não tentam. E outras podem ser motivadas a tentar por alguma palavra, por alguma história. Olha, quando recebo cartas, e-mails, mensagens ou quando visito um hospital e fico sabendo que sou um exemplo para alguém que quer se curar de uma doença grave me encho de orgulho, me honra bastante. Isso é a, como vou dizer…

hospitalBNC: Vida?
ALONZO: Vida, é isso. Acho que influenciei mais as pessoas com o que fiz fora das quadras na minha luta contra o problema no rim do que com o que conquistei dentro das quadras. Sendo bem sincero pra você.

BNC: E como foi a decisão de parar em 2009?
ALONZO: Foi um momento difícil, bem difícil. Eu estava em uma grande forma física depois de ter rompido o tendão no ano anterior. Por uma dessas coincidências da vida eu rompi o tendão em 19 de dezembro de 2007, o dia em que comemorava o quarto aniversário do transplante de rim que salvou a minha vida. Hoje, olhando pra trás, eu vejo que foi um grande sinal. Mas antes da temporada 2008-2009 eu fui fazer os exames. Meu médico disse que tinha um risco grande de ter um problema e decidimos parar. Estava bem, mas não tinha motivo algum para arriscar. Não posso me queixar de absolutamente nada.

legadoBNC: Para fechar. Talvez essa seja uma pergunta boba, pois você tem um título da NBA, mas vamos lá: existe algum momento especial que você escolheria em sua carreira?
ALONZO: Olha, na verdade quando você começa a jogar profissionalmente a última barreira a ser quebrada é a de um título. E ganhei um em 2006. Depois de 13 anos de NBA, cara, pensa só isso. Por isso que o dia 20 de junho de 2006, ali pelas onze horas da noite, é inesquecível pra mim. Viu? Eu lembro até do dia, da hora. É difícil escolher um só momento, mas como você pediu, aí está.

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