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Bala na Cesta

Tetra com o Houston, Janeth lembra momentos na WNBA e exalta conquistas

Fábio Balassiano

02/10/2013 01h13

Quando a WNBA nasceu, em 1997, o basquete feminino brasileiro estava em alta. Havia conquistado o título mundial três anos antes e nas Olimpíadas de Atlanta (1996) perdeu apenas para os Estados Unidos, que estavam com a derrota na semifinal do Mundial da Austrália de 1994 engasgada na garganta. No Draft inaugural da liga, Janeth Arcain acabaria selecionada na 12a colocação pelo Houston Comets que acabaria defendendo de 1997 a 2005, com intervalo apenas em 2004 quando decidiu se preparar para a seleção feminina que jogaria a Olimpíada de Sydney.

No auge físico e técnico, Janeth chegaria ao Texas credenciada pelas conquistas acima, mas ralaria demais para se firmar em uma franquia recheada de estrelas (Cynthia Cooper, Tina Thompson e Sheryl Swoopes principalmente) e comandada pelo exigente Van Chancellor. A persistência deu certo. Nos quatro primeiros anos, absurdos quatro títulos da WNBA (na época, muita gente brincava que não a WNBA, mas sim a HNBA, do Houston) e algumas histórias maravilhosas que você lê a partir de agora nesta entrevista.

BALA NA CESTA: Como foi seu começo na WNBA? Você chegou credenciada por uma medalha olímpica no ano anterior, mas imagino que não tenha sido fácil, né.
JANETH ARCAIN: No começo tudo foi muita novidade pra mim. Havia jogado bem em Atlanta, na Olimpíada, teve a possibilidade de eu ir pra WNBA, mas estavam montando tudo ainda, né. Fui escolhida como 12a jogadora em um Draft que era diferente, pois eram só convites às jogadoras que eles queriam que participassem. Sempre sonhei em jogar nos Estados Unidos, e quando cheguei houve um momento de deslumbramento mesmo. Estar nos EUA, terra do basquete, imagina só. Além disso, em termos de estrutura tudo o que era pra NBA ficou pra WNBA – torcida, apoio, operação, alguns técnicos, centro de treinamento etc. . Era muita novidade e aproveitei muito todos os anos que fiquei lá. E não foi tão fácil quanto pode parecer. Sofri um pouco de preconceito no começo, por ser Latina e estar no melhor basquete do mundo. Mas tinha em mente: se fui convidada, tinha nível pra estar lá. Tinha que impor meu respeito, meu basquete pra conseguir minhas posições. Fui conseguindo no decorrer do tempo. Além dos aspectos de quadra, aprendi muito com o estilo de vida do americano, muito mais racional que a gente, brasileiro. Isso fez com que eu pudesse equilibrar os 50% do emocional do brasileiro com os 50% do americano. Me fez crescer muito como pessoa também.

BALA NA CESTA: Houve algum caso nestes primeiros momentos em que você sofria com língua, cultura ou treinamento que você possa contar?
JANETH: Muitos (risos). Eu não entendia quase nada do que eles falavam. Ficava como terceira ou quarta da fila pra fazer o exercício. Eu ficava ali olhando pra repetir igual, sem que elas percebessem muita coisa sobre mim. Os exercícios em si não eram diferentes daquilo que fazia no Brasil, mas a intensidade com que eram feitos, sim. Ah, teve uma passagem engraçada. Pensa só, eu só ouvia inglês, né. E times da NBA e WNBA fazem muitos eventos sociais, muitas ações sociais na comunidade local. Teve um fim de semana que eu estava muito cansada e o pessoal do time perguntou quem gostaria de participar de um evento social. Aí eu não levantei a mão. Foi uma risada grande, e o técnico, o Van Chancellor (foto à esquerda), disse: "Isso você entende, né (Risos)". Aí as outras meninas disseram: "Ela é quieta mas entende o que a gente está falando". Foi engraçado. Em quadra tinha vezes que elas não me passavam a bola mesmo, mas fui aprendendo e vendo, evoluindo. Tinha momentos em que eu era servida e aproveitava. Tinha outros que elas me ignoravam. E aí eu devolvia na mesma moeda – não passava pra elas, não. Eu cheguei lá com 27 anos, conhecia muita coisa, era mais malandra, sabia dessas coisas todas. Estava muito bem em termos técnicos e físicos. Então eu não me encolhia na hora que elas faziam alguma coisa. O importante lá, pra quem vai pela primeira vez, é o seguinte: não se encolher. Às vezes elas tentam te minimizar. Se não estiver preparada elas montam, te diminuem mesmo.

BALA NA CESTA: Você chegou valorizada, mas naquele timaço do Houston Comets, quatro vezes campeão de forma seguida, tinham duas jogadoras que atuavam na sua posição, a Cynthia Cooper e a Sheryl Swoopes, dois gênios do basquete. Seu jogo sofreu adaptações, e você teve até que mudar de posição, não?
JANETH: Pô, Bala, eu joguei de armadora, de ala, de ala-pivô quando o adversário marcava por zona. Joguei em todas as posições tirando pivô 5. Meu maior desafio foi quando eu joguei de armadora, em 2000. Esse ano foi o maior desafio da minha carreira, sem dúvida alguma. Esse ano foi o ano que, quando terminou, eu disse pra mim mesma que havia me superado, passado das expectativas. Foi até engraçado porque eu já havia recebido propostas. Tinha uma equipe que me queria (acho que era Phoenix, não me lembro) que queria me trocar por 3 jogadoras. E o técnico me disse que não me trocaria por nada. E disse a ele: "Então quero jogar muito mais". A Kim Perrot (armadora que havia falecido devido a um câncer) infelizmente já não estava mais, e o técnico me perguntou: "Você poderia jogar de armadora?". E eu disse: "Pra jogar eu jogo em qualquer posição". E foi muita superação. Não é fácil jogar de armadora, nunca tinha jogado. Tive que estudar muitas movimentações. Conhecia muito a Swoopes, Cooper e a Tina, tinha que dar a bola pra elas. Precisava me firmar e mostrar ao técnico que ele não ia se arrepender por ter me escolhido pra armar o jogo daquele time. Fui a 2a técnica dentro de quadra e acabou dando certo. Sabia todas as movimentações ofensivas, e isso me ajudou muito. Mas não foi fácil, pelo contrário. Era complicado dividir a bola com mais 3 jogadores daquele nível. Foi muita expectativa em cima de mim e muita gente se perguntando: "Será que ela vai dar conta?". O Van Chancellor confiou muito em mim e deu certo. Fomos campeãs, comigo de armadora titular, no final daquele campeonato sem perder sequer um jogo nos playoffs.

BALA NA CESTA: E qual é a sensação que fica quando você olha pra trás, agora que você parou de jogar, e vê quatro títulos da WNBA na estante? Onde estão os anéis de campeã da liga?
JANETH: Ficam todos na casa da minha mãe guardados. Olha, eu me sinto lisonjeada. Depois que parei, assisti alguns jogos nos Estados Unidos, caminhei em outros estados e muita gente me conhecia. Chegavam perto, tiravam fotos, foi muito bacana mesmo. Gratificante é a palavra. O melhor de tudo é isso, sabe, o reconhecimento das pessoas. Sobre ganhar quatro vezes, foi sensacional, né. Era um timaço, né. Individualmente foi o melhor time que joguei. O Chancellor conseguiu colocar cada peça na melhor posição, isso foi o melhor. Quando a Cooper veio (ela jogava na Itália), foi um absurdo. O que ela jogava era um absurdo, impressionante. E às vezes eu marcava ela no treino. Dizia que ela não conseguiria marcar pontos em mim. Todas cresciam, todas evoluíram muito no time também. E tinha Swoopes, Tina, Kim, era uma loucura o time do Houston. Me acrescentou muito como atleta, como pessoa. Foi uma das melhores equipes que eu já joguei sim. Os melhores talentos na hora certa, no momento certo, na equipe certa. E conseguimos ganhar muito, o mais importante. Os anéis que eu tenho, da WNBA, o All-Star Game e os prêmios que ganhei foram de realizações em minha carreira. É muito legal vencer no melhor basquete do mundo, sem dúvida alguma.

BALA NA CESTA: Depois das quatro conquistas do Houston você se tornou a grande estrela do time, em 2001, quando Swoopes se lesionou e Cooper havia saído. Foi sua melhor temporada, não? Você fez 18,5 pontos, 4,3 assistências, entrou pro quinteto ideal da WNBA, foi pro Jogo das Estrelas e ainda ganhou o prêmio de atleta que mais evoluiu. Como foi isso?
JANETH: Olha, em 2001 eu me senti realizada. Me senti uma jogadora completa. Não é pra qualquer jogadora, não. Não é uma sensação que a gente tem sempre, mas me sentia completa, privilegiada, acima do que poderia fazer. O engraçado é que naquela temporada eu joguei na minha real posição. Pouca gente lembra, mas naquele All-Star Game eu fui a segunda jogadora mais votada de toda WNBA. Chegamos na semifinal de Conferência, perdemos do Sparks, mas individualmente foi maravilhoso pra mim. Foi compensador, tudo o que tinha vivido. A única coisa que o Chancellor me disse quando joguei na ala (3) foi: "Agora você vai se sentir mais confortável, jogando na posição que mais gosta". E assim foi.

BALA NA CESTA: Fica um vazio ao não ver o Houston mais em ação na WNBA atualmente?
JANETH: Fica, fica um vazio. Olha, eu tenho os pins daqueles times que jogaram na liga em 1997. Eram 8, e a gente viajava duas vezes pra cada lugar, conhecia muito as cidades, fazia ações por lá. Alguns já não existem mais. O meu, o Houston, inclusive. Dá um certo vazio quando eu vejo que o time acabou, que o Houston saiu. Vi a Tina Thompson se aposentando nesta temporada e lembrei dos momentos maravilhosos no Houston Comets. Nunca mais falei com elas. Só com a Swoopes de vez em quando, mas não muita coisa. As memórias é que ficam na cabeça.

BALA NA CESTA: Pra fechar, duas perguntas: a Érika estará jogando, a partir de domingo, a quarta final da WNBA da vida dela. Já ganhou um título, com o Los Angeles Sparks em 2002, mas desde que virou titular do Atlanta foram duas finais e nenhum título. Você daria algum conselho pra ela?
JANETH: Ah, ela já ganhou título, né. Mas hoje é um momento diferente, ela conhece as meninas, conhece a equipe, é uma das melhores jogadoras da WNBA. É reboteira, joga demais. Só precisa baixar a ansiedade pra fazer menos falta. Que ela seja consciente e segure o lado emocional na final. A equipe precisa muito dela. Do outro lado tem uma excelente equipe, o Minnesota tem um excelente time. Aposto num 3-2, mas não sei pra quem seria, não. O Atlanta já está batendo na porta, né. Já belisca há anos.

BALA NA CESTA: Te incomoda o fato de você ser menos reconhecida no Brasil do que seu currículo sugere?
JANETH: Não, não muito. É muito de cultura, sabe. Eu não diria que é culpa do torcedor do brasil, não. O torcedor na minha época tinha pouca condição de ver um jogo meu na WNBA. Hoje, tem mais. Já parei tem uns anos, e quem lembra de mim são os pais, tios, alguns avós que me lembram. Uma das coisas que eu fiz pra não ficar esquecida no Brasil é que jogava um campeonato aqui depois da WNBA. O pessoal ouvia falar de mim por um tempo e me via em quadra depois aqui por perto. Eu não culpo o pessoal, nem me sinto tão desvalorizada assim. Hoje quando vou ao mercado, shopping, algumas pessoas falam comigo. Algumas me confundem até com a Marta, é mole? O pessoal acaba lembrando de mim, da Paula e da Hortência. De repente poderia ser mais? Poderia, talvez. Eu não me sinto tão abaixo de reconhecimento principalmente porque antes não tinha tanta exposição na mídia. Só TV fechada. Érika ficou muito tempo fora do Brasil. Só jogou ano passado em Recife, no Sport/PE. Teve muita gente que parou de ver quando Paula, Hortência e eu paramos. Muita gente perdeu a referência, não sabe quem tá jogando bem por aí.

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