Sobre Érika, WNBA, basquete feminino e preconceito
Quando comecei a acompanhar a WNBA (a Branca comentava na ESPN, se não me equivoco muito), lembro que assistia vidrado, ano após ano, aos duelos de Janeth Arcain (foto à esquerda) contra Teresa Weatherspoon em uma jornada que terminaria com quatro títulos seguidos do (agora finado) Houston Comets. Eram tempos de internet discada, de poucas informações, sem Facebook, Whatsapp, Twitter e Instagram. Enfim, de pouco acesso a tudo – e consequentemente de pouco barulho em torno do assunto.
Lembro como se fosse hoje de uma bola de Teresa do meio da quadra para ganhar o jogo para o New York Liberty e empatar a decisão contra o Comets (que ano foi aquilo? 1999?). Eram tempos de começo da liga norte-americana, de uma efervescência que acabou não se concretizando nos Estados Unidos (a W ainda rateia em popularidade e saúde financeira, é um fato isso), mas pros brasileiros era fenomenal pois podíamos ver a melhor jogadora em atividade brilhando no melhor campeonato do planeta (tem gente que esquece, mas, em 2001, Janeth teve 18,5 pontos e 4,3 assistências, um desempenho tão absurdo que fez com que ela entrasse no time ideal do campeonato e ganhasse, também, o prêmio de maior evolução de uma temporada para outra). Era uma atração possível, visível, mas nem o produto e nem a atleta foram massificados por aqui, infelizmente. Poucos viram Janeth Arcain arrebentando no Houston, o que foi uma pena porque era um momento especial da carreira de um dos mitos do basquete, mas não dava para culpar muita coisa (o trabalho de comunicação da Confederação já era horrível desde aquela época e, como disse acima, ter acesso àquele mundo não era tão fácil assim).
Lembrei disso no domingo quando vi a agora melhor jogadora do basquete feminino brasileiro, Érika de Souza, comemorando o título do Leste ao ajudar, com 12 pontos e 8 rebotes em 28 minutos, o Atlanta Dream a despachar o Indiana Fever por 2-0 (a final será contra o timaço do Minnesota Lynx, favorito ao caneco e com mando de quadra, a partir do próximo final de semana em melhor de cinco jogos). Acho que nem quem acompanha basquete tem noção do tamanho, da grandeza, do feito que a pivô, campeã pelo Los Angeles Sparks em 2002 (você não sabia disso, certo?), atingiu com a franquia da Geórgia nos últimos anos: já são três finais da WNBA nos quatro torneios mais recentes. Eu vou repetir: Érika estará jogando a partir do próximo domingo (6/10) a terceira final do melhor campeonato de basquete do mundo em quatro anos.
E alguém sabe disso? E alguém liga pra isso? O trabalho de comunicação da Confederação Brasileira continua horrível (como era há 15 anos), lento, rasteiro, sem criatividade, tatibitate total. A emissora que detém os direitos do campeonato ignora solenemente o que acontece em um produto que é exclusivamente seu (no domingo, ao invés de transmitir a partida com a brasileira, preferiu Lynx x Mercury – e nem vou falar quando a ESPN não passa as partidas) e os meios de comunicação do Brasil, com raríssimas e honrosas exceções, mantêm-se fieis a ignorar o basquete feminino mundial (mas agora, com Érika na final, certamente vão perguntar o que diabos está acontecendo com uma, céus, brasileira na final – "mas que surpresa, hein", dirão).
Há um preconceito grande contra o basquete feminino de um modo geral, mas também uma falta de vontade imensa em procurar saber o que de fato está se passando na modalidade (e com as brasileiras que brilham na modalidade). Não falo simplesmente de acompanhar Érika, a melhor atleta do país há quase uma década, os feitos de Elena Delle Donne, a gatíssima do Chicago Sky, ou a mão certeira de Maya Moore, craque do Minnesota Lynx. Não, esta é a pequena parte de um problema maior, de um problema de miopia em enxergar o esporte (basquete feminino) como ele é. Isso acontece tanto em "mídia especializada", que faz posts incrivelmente profundos sobre, por exemplo, o Eurobasket masculino, e na "mídia de massa" – as duas se encontram quando o assunto é deixar de lado o basquete das meninas.
Ninguém precisa ser o PVC do basquete feminino, o Melchiades do século XXI quando o assunto for a modalidade das meninas. Falo do cheiro de vômito (perdão) que sinto quando leio no Twitter, no Whatsapp ou Facebook pérolas infantilóides e/ou boçais do gênero: "Basquete Feminino não é basquete" (o que é então? Peteca?), "Pra melhorar o basquete feminino tem que diminuir a altura do aro" (como se a beleza do jogo estivesse apenas na enterrada…) ou "Mano, só você liga pra WNBA ou Copa América, deixe elas pra lá".
Ignoram, ou querem ignorar (os que escrevem e os que assistem) que Érika de Souza não caiu de paraquedas na final da WNBA que começa no próximo domingo. Só pra refrescar a memória sobre seus feitos nesta temporada: ela foi eleita para o segundo melhor time defensivo da liga, atuou no Jogo das Estrelas, teve média de duplo-duplo em rebotes e pontos, foi cotada como uma das MVP's e é peça fundamental na escalada do Atlanta Dream rumo a um título até então inédito. Ao contrário do que pode parecer, a pivô de 31 anos e 1,96m não chegou ao topo ontem – e nem por acaso. Valorizada ao extremo, Érika brilha na Europa e nos Estados Unidos, onde é vista como uma das melhores jogadoras do mundo na atualidade, há anos – há tantos anos e inacreditavelmente ninguém aqui percebe.
As coisas não irão mudar, certamente não irão se modificar por aqui (o site da Confederação, por exemplo, não a destaca no carrossel inicial com 4 assuntos…). A partir de amanhã, como disse acima, certamente vão pipocar matérias com Érika de Souza falando em como uma brasileira estará jogando a final da WNBA (como se fosse novidade pra ela – não, não é…). Depois, a ignorância (no sentido de ignorar, desconhecer) continuará por parte de quem assiste, escreve ou comenta basquete (principalmente por parte destes dois últimos setores, que deveriam minimamente conduzir o primeiro, o público).
Pessoas que esquecem que são as meninas, em termos internacionais, que ainda mantêm o Brasil no mapa do basquete mundial há quase 20 anos.
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