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Bala na Cesta

Última campeã mundial em atividade, Alessandra conquista LBF e pensa em aposentadoria

Fábio Balassiano

08/04/2013 11h20

Única remanescente do time campeão mundial brasileiro há 19 anos, Alessandra Santos de Oliveira tem um currículo de fazer inveja a qualquer atleta. Campeã Mundial (1994), duas vezes medalhista olímpica (prata em Atlanta-96 e bronze Sydney-2000) e quarto lugar em Mundiais (1998 e 2006) e Olimpíadas (Atenas-2004), ela viveu uma experiência inédita no sábado: aos 39 anos, a pivô de 2,00m conquistou, depois de passar mais de uma década jogando na Europa, seu primeiro Nacional Feminino Adulto. Conversei com ela longamente depois que ela deu um abraço afetuoso em Cintia Tuiu, sua companheira de garrafão no Mundial da Austrália (na foto ao lado), sobre carreira, memórias, aposentadoria, cultura esportiva e muito mais. Foi um papo sincero com uma das melhores e mais reflexivas mentes do basquete brasileiro.

BALA NA CESTA: Campeã mundial, duas medalhas olímpicas, mais de dez anos na Europa e 39 anos. Está chegando a hora de parar, Alessandra?
ALESSANDRA: Se eu penso em parar? Todos os dias dos últimos dez anos eu penso em parar. Quando eu paro? (Silêncio) Eu estou em uma transição, né. Difícil falar, muito difícil. São mais de 20 anos vivendo a mesma coisa todo dia em uma rotina de treino, pressão, jogo, viagem, aeroporto. Não é fácil, não. (Silêncio) Tive amigas estrangeiras que me diziam há uns cinco, dez anos: "Alessandra, se prepara sua pra encerrar a carreira e pra você fazer algo depois de parar. É um momento delicado. Vai se preparando". E aquilo ficou muito na minha cabeça. Vi meninas estrangeiras tendo depressão depois que pararam de jogar. Vi outras com problemas terríveis de cabeça. Dá aquele baque, sabe. É isso que estou tentando fazer. Voltei pro Brasil ano passado em São José, agora estou no Sport-PE, tenho proposta pra voltar a Europa. Não sei bem o que farei, mas tenho pensado nisso, sim.

BNC: Mas o que você tem em mente para quando parar de atuar? O que você pretende fazer pra ocupar a cabeça e não cair na armadilha que suas amigas te falaram lá atrás?
ALESSANDRA: Olha, nunca fiz teste vocacional, nada disso. As coisas vão acontecendo na minha vida, você sabe bem. Nunca pensei que fosse jogar basquete e aconteceu tudo isso que você já sabe. Era jogadora de vôlei, sabia disso? Eu faço muitos camps com escolhinhas de basquete pra criança, e isso é uma coisa que adoro. Quero trabalhar com criança de 8 a 12 anos de idadei. Essa é a minha paixão. Fazia isso com meu ex-marido na Suíça, não fui na temporada passada devido a compromissos mas pretendo retomar isso, que é algo que gosto muito. Tenho, também, e essa é uma "herança" do meu ex-marido, uma empresa de vistoria automotiva. Caí de paraquedas nessa e tive que aprender na marra. Comentar jogos, como fiz no Pan-Americano e na Olimpíada, é algo que curti também e que posso pensar em fazer. Adorei comentar nas Olimpíadas, foi bacana. Para quem não sabia nada, foi bem legal. Para quem não sabia porcaria nenhuma até que fui bem.

BNC: Peraí, Alessandra, você não quer que eu repita seu currículo aqui, quer?
ALESSANDRA: (Risos) Cara, tem dia que eu acordo e penso: 'Eu não fiz nada da vida'. Você acredita nisso? Gostaria de ficar no basquete, mas eu não sei bem… Do jeito que estão as coisas aí no feminino eu não sei, não. E posso te dizer uma coisa? O masculino me surpreendeu. Estava aí, no poço, nas trevas, e conseguiu sair. Não estou falando apenas por causa dos jogadores, mas pelo conjunto de ações que houve. As vaidades caíram, as individualidades foram colocadas em segundo plano e os resultados estão aparecendo. São 18 times em um campeonato nacional, gente. Problemas, lógico que vão ter. Isso ninguém é doido de achar que não haverá. O feminino, por sua vez, não consegue se juntar, evoluir, nada. Menina pra jogar, tem, a gente sabe que tem. Times aí fecharam as portas, e essas meninas não conseguiram se recolocar. Ano passado estava em São José e tinham meninas que hoje não estão jogando basquete. Ou todo mundo senta, se junta e vê como podemos sair dessa para melhorar, e não falo disso em relação a dinheiro, não, mas em relação a ideias, sugestões e críticas, ou o futuro do basquete feminino não vai sair dessa. O problema é que hoje quando você fala é mal visto, mal interpretado. Tem que acabar com isso. Quer o maior exemplo de como a união faz a força? Aquele Mundial de 1994 quando eu era uma pivete. Paula e Hortência sentaram, se arrumaram e fomos campeãs. Números pouco importavam, vaidades caíram e fomos campeãs mundiais. Alguém acreditava naquilo? O que adianta você ser cestinha? Nada. Tem que ter projeto, planejamento, mas eu me sinto com mão amarrada. Te falo com sinceridade. Me sinto com a mão amarrada. Passei 20 anos fora do Brasil e não posso fazer nada.

BNC: Mas o basquete feminino hoje tem projeto?
ALESSANDRA: (Silêncio) Olha, projeto em si o que você quer dizer? De seleção e de clubes? De seleção eu nem entro nisso. Não faço mais parte desse mundo, tenho ideias bem contrárias do que vi por aí e essas ideias ferem muita gente.

BNC: Mas, então, eu acho importante você falar um pouco. Poucas pessoas têm duas medalhas olímpicas, título mundial, que nem você. Que eu me lembre, Janeth, Cintia, Adriana e a turma do Wlamir e Amaury.
ALESSANDRA: É mesmo? Caramba, nem tinha me atentado a isso. Estou nesse grupo seleto? Poxa vida! Caramba! Me machuca ver uma seleção brasileira como vi nos últimos anos. Posso falar uma coisa? Quando estive em Londres na Olimpíada, muita menina que jogou contra mim na Europa vinha me perguntar: "Alessandra, o que está acontecendo?". E eu não sabia responder, sinceramente. Todo mundo dizia que o estilo do Brasil mudou muito, que não há mais uma identidade de jogo, nada. Espero que isso com o Zanon melhore, porque ele sabe impor um jogo diferente do que estamos fazendo aqui.

BNC: O jogo aqui está corrido demais, não?
ALESSANDRA: Ah, demais, demais. Esse estilo de corre, corre e corre eu até consigo, ainda aguento, mas não é o estilo de basquete que me agrada, não. Não tem um estilo de jogo, parece uma maratona. Pelo amor de D's, nem fala. Esse negócio de ficar correndo de um lado pro outro não é legal, não. Ninguém pensa, são arremessos que não existem, não tem padrão. Não tem leitura, um enredo que você pode dar num jogo e, por incrível que pareça, ações rápidas que tenho visto nos jogos da Superliga de Vôlei mas pouquíssimo no basquete.

BNC: Como ficou aquele seu processo movido contra a CBB devido a lesão que você teve no Mundial de 2006? Você alegou que não tinha seguro. Como ficou o processo?
ALESSANDRA: Olha, está nessas esferas judiciais aí. Demora, né. Não é problema do dinheiro. É pela falta de educação mesmo. Educação, isso me mata.

BNC: Essa falta de educação e respeito que você cita te deixa triste?
ALESSANDRA: Olha, não só comigo, mas principalmente com a geração do Wlamir Marques. Por exemplo, olha que coisa engraçada. Outro dia fui a um médico em São Paulo e o endocrinologista era o Menon, que jogou muito basquete. Não sabia muito sobre ele, e minha consulta acabou virando uma aula de basquete, uma aula de história esportiva. São essas coisas que aqui no Brasil a população não sabe, não conhece direito. Se você chega em um ginásio e pergunta: "Quantas vezes o basquete brasileiro foi campeão do mundo?". Ninguém sabe, cara. E não acho que isso aconteça só no basquete, não. No próprio futebol, tirando esses medalhões aí, Pelé, Romário, Ronaldo, Zico, tem muita gente que fez muita coisa e não tem o reconhecimento que merece. É do brasileiro, né. Infelizmente.

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