Já passou da hora de valorizar Erik Spoelstra, técnico do Miami Heat, invicto há 26 jogos
Como você deve saber, o Miami Heat bateu o Charlotte Bobcats ontem à noite na Flórida por 109-77 e chegou a 26 vitórias seguida na NBA (faltam sete para o recorde). LeBron James (32 pontos, 10 assistências, 8 rebotes, 3 tocos e 3 roubos em 32 minutos) será escolhido o MVP, Chris Bosh está cada vez mais adaptado como O homem do garrafão e Dwyane Wade muito tranquilo com sua alcunha de coadjuvante quase sempre sem a bola nas mãos. O que muita gente esquece é de quem montou a estrutura para este time do Miami brilhar deste jeito. Seu nome é Erik Spoelstra (foto), e elogios a ele não são muito comuns.
Spoelstra ficou conhecido por deixar um ataque bem solto na mão de suas estrelas, o que acabou confundindo em alguns momentos a análise. No primeiro ano do Big 3, aquele da derrota contra o Dallas nas finais, eu realmente criticava pra caramba o cara e detestava seu sistema ofensivo. No ano passado já houve uma evolução absurda com a chegada do inteligente Shane Battier e o amadurecimento de LeBron e Wade. Neste ano, o Miami Heat chegou ao auge não só em termos técnicos, mas em entrosamento e entendimento do que se deve fazer em quadra quando jogadores acima da média estão jogando juntos (embora o trio chute 46 dos 76 arremessos do time por noite, 58%).
Na semana passada o Bola Presa resumiu bem o que penso sobre este time do Miami e sobre o trabalho de Spo no comando técnico da franquia (ele está lá há cinco anos – antes, portanto, da formação do Big 3 e levou a equipe aos playoffs com mais de 42 vitórias em todos os anos). Ninguém imagina, mas ele tem um respeito absurdo dentro da organização, carta branca de Pat Riley e é rigoroso quando precisa com atletas. Um técnico brasileiro que viu um treinamento recente do Miami me contou uma história deliciosa e que mostra muito bem como funcionam as coisas por lá. Em um determinado treino, LeBron James chegou com a mão na coluna e disse que não iria treinar devido a dores. Spoelstra olhou, coçou a cabeça e disse: "Muito bem, não tem problema. Pega uma bolsa de água quente e traz uma cadeira para o meio da quadra. Você vai ficar jogando as bolas para seus companheiros começarem as ações ofensivas". LeBron entendeu o recado, sentou lá, ficou jogando as bolas mas em quinze minutos disse que estava bem, tirou o agasalho, e foi para a atividade com seus companheiros. No final, Spo disse aos repórteres: "Não preciso brigar. Vi o que ele queria e fiz justamente o que ele mais detesta – ficar tacando bola para os outros (risos)".
Seu grande mérito foi, além de posicionar muito bem a defesa (a quarta que mais provoca erros dos adversários), entender que a grande qualidade do elenco está na versatilidade, na possibilidade que vários jogadores têm de desempenhar mais de uma função (esta é a grande chave, a grande palavra para entender o sucesso absurdo dos caras). Já foi assim no ano passado, está sendo assim nesta temporada com as aquisições de Chris Andersen, Ray Allen e Rashard Lewis (são oito jogadores atuando por 18 ou mais minutos, 12 pontos em contra-ataque por noite e o terceiro melhor índice de assistências por erro do campeonato, com 1,66). Isso tudo, claro, jogando em alta voltagem (são mais de 110 posses de bola por noite), aproveitando-se do potencial físico e técnico de suas principais estrelas e usando e abusando da inteligência de craques como Battier, Allen e Wade, que entenderam suas funções para se adaptar da melhor maneira possível.
É bem óbvio, também, que Spoelstra poderia ser o maior dos gênios do mundo se LeBron James não estivesse por lá. O melhor jogador da atualidade facilita tudo pro chefe, deixa as coisas mais fáceis para qualquer um. Com ele em quadra a tal (lá vou eu de novo) função de armador meio que fica em segundo plano, pois LeBron consegue desempenhar muito bem algo que Phil Jackson cansou de fazer com Scottie Pippen no Chicago, o tal point-forward (quando Ron Harper, o "armador", não fazia o que se espera de um "armador" – isso tudo, claro, somado ao Sistema do Triângulo). E há a grande vantagem de que, mesmo sendo muito mais forte que 99,9% de seus defensores, LBJ não parte para o um-contra-um em todos os momentos, fazendo o jogo de equipe fluir quando as dobras chegam e passando quando deve ser. Ter um craque altruísta ajuda, claro.
Dá gosto ver o Miami jogar, dá gosto ver Shane Battier, Ray Allen e Chris Bosh (este mais dentro do garrafão obviamente) posicionados para os famosos corner shots (tiros nas extremidades da quadra – o Miami é o vice-líder nos tiros de 3 pontos, atrás apenas do Golden State, com 39% de aproveitamento), dá gosto ver que Wade, Bosh e LeBron James entenderam que a grande arte do basquete não é ter uma posição para se colar nas costas. A grande mágica do basquete está em ter no elenco os melhores jogadores que fazem diferentes funções dentro de uma mesma partida – isso é lindo demais e poucos times na história conseguiram fazer.
É o que o Erik Spoelstra conseguiu em dois anos de árduo trabalho. Um trabalho que sofreu críticas, mas que foi entendido por seus atletas e que agora chega a seu auge. Não dá pra saber se o Miami será campeão da NBA (acho que será), mas independente disso é bacana demais ver que Spo, aquele cara que metade da crítica especializada chamava de "banana" pra baixo, tinha um plano na cabeça, sabia exatamente o que estava fazendo.
Colocá-lo no grupo dos grandes treinadores da liga já faz muito sentido ao meu ver, não sei se vocês concordam. Dar a Spo o prêmio de melhor técnico da temporada regular (em que pese o brilhante trabalho de George Karl em Denver e de Lionel Hollins no Memphis), também.
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