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Bala na Cesta

Recordista, veterano técnico Hélio Rubens chega a 100 vitórias do NBB e não pensa em parar

Fábio Balassiano

12/03/2013 11h35

Hélio Rubens estava todo bobo em Brasília no fim de semana das estrelas. Lá ele recebeu a informação que poderia se tornar o primeiro técnico da história do NBB a chegar a 100 vitórias (algo que aconteceu no fim de semana contra Suzano, no triunfo do seu Uberlândia por 89-67). Campeão por Franca, Vasco da Gama e pelo próprio Uberlândia, Helio, de 72 anos, é, ao lado de Régis Marrelli e Guerrinha, o único que participou das cinco edições da competição. Ele bateu longo papo com o blog. Vale a pena conferir, pois é uma aula de basquete, de história do basquete, de humildade sobretudo.

BALA NA CESTA: Antes de falar um pouco da sua história, que é rica pacas, que você falasse um pouco do time de Uberlândia, que ficou a maior parte do turno na vice-liderança do NBB e que agora está na terceira posição, atrás de Flamengo e Brasília. Até que estágio este time pode chegar?
HÉLIO RUBENS: Na realidade eu recebi o título de cidadão uberlandense em 2005 e me sinto muito honrado com isso. Mas o que pouca gente sabe é que antes disso, quando jogava, eu fui professor de basquete da Universidade Federal de Uberlândia. Vinha duas vezes por semana para a cidade durante três anos e fiz muitos amigos por lá. Depois, em 2004 e 2005, fui técnico da equipe em um período que ganhamos todos, todos os títulos. Criamos uma identidade muito bacana como equipe e como cidade. Formamos mais do que um time de uma cidade, mas sim uma cidade com uma equipe. Fomos recebidos pelo então Governador Aécio Neves e conquistamos títulos, como a Liga Sul-Americana, que o estado de Minas Gerais jamais havia conquistado. Foi gratificante, e voltar foi um prazer grande. Tive uma proposta para ser comentarista do Sportv, mas assinei por dois anos com Uberlândia e estou muito feliz no comando do clube. Adoro estar na quadra, é o que me faz feliz. E aquele comprometimento, aquela unidade torcida/time, está voltando, isso é muito legal. Desde que assumi minha missão em Franca mergulhei de cabeça no projeto de Uberlândia. Nosso objetivo é simples: ficar entre os quatro e brigar para chegar na final. O problema é que até agora ainda não tive o time completo em nenhum jogo do torneio. Com isso, revezo menos os atletas do que gostaria. Quando tiver isso certamente vai melhorar.

BNC: Você falou de Franca e disse que sua missão acabou. Acabou mesmo? Não pensa em voltar?
HR: Já, já cumpri mesmo minha missão lá em Franca. É claro que tudo o que puder fazer para ajudar o basquete da cidade eu vou fazer.  Torço para a cidade continuar como capital nacional do basquete, até porque tive o orgulho, a honra e o privilégio de fazer parte de todos os times campeões de Franca, mas como técnico já se esgotou. Minha missão agora em Uberlândia, e creio que ali seja minha última parada antes de encerrar a carreira.

BNC: E você já pensa em encerrar? Tem alguma previsão?
HR: Não, não penso, de verdade. Me sinto muito bem, saudável, disposto e seguro em quadra. Tenho 72 anos, mais um ano de contrato com Uberlândia e estou muito feliz com o que faço. Sou movido a desafios, e temos um objetivo claro de chegar a final.

BNC: Entrando um pouco mais na parte tática, que sei que você adora, há alguma coisa na parte tática que você nunca tenha feito? Ou todos os sistemas ou coisas que você viu na sua vida já foram aplicados em seus times?
HR: Olha, não, não mesmo. Tudo o que aprendi, vi e estudei eu experimentei de tudo. Até o Triângulo do Chicago Bulls eu tentei em uma época. Quando comecei a jogar em Franca tive um técnico, o Professor Pedroca, que era um visionário. Estou falando em coisa de 40 anos atrás. Ele tinha dois conceitos que eu no começo achava estranho mas que depois eu entendi exatamente o que ele queria dizer. Ele dizia: a repetição é a mãe da perfeição. E ele me mostrava com exemplos claros, numéricos, sobre quão melhor eu seria caso treinasse mais que os outros. O que fiz? Conversei com o administrador da quadra, pedi pra ele fechar o ginásio uma hora mais tarde e ficava lá arremessando, passando, fazendo o diabo. Tinha mês que chutava 9.000 bolas a mais que meus colegas de time. O que aconteceu em um ano? Já estava melhor que todos os meus companheiros que treinavam menos do que eu. A repetição fez com que eu me aperfeiçoasse nos fundamentos do jogo – arremesso, passe, dribles, fintas, tudo. Considero-me um privilegiado por ter tido um técnico que me apresentou conceitos de basquete que, 50 anos depois, são considerados modernos. A nossa equipe de Franca, quando aparecíamos para o basquete, marcava por pressão o jogo inteiro. Isso com sete, oito jogadores adultos, hein. O restante era juvenil. Não tinha descanso. Era marcação pesada a partida completa. Isso me ensinou muito como jogador e forjou meu estilo como treinador também. Eu sou um abençoado pelo pai que eu tive, pois perdi minha mãe muito cedo e ele nos orientou na religião, na educação e no esporte, sempre nos mostrando o melhor caminho. E também pelo Pedroca, um baluarte, um gênio. Quando as pessoas me elogiam, sabe o que eu respondo? Que não estou fazendo nada mais do que minha obrigação porque ninguém teve a orientação que eu tive.

BNC: Teve mais algum técnico que te chamou a atenção, trabalhando na seleção ou de você ter visto ao longo da vida?
HR: Olha, teve o Edson Bispo, com quem trabalhei nos Jogos Pan-Americanos de Cali, em 1971, e o Kanela. Quando fui convocado para a seleção pela primeira vez, com 25 anos, ele era o técnico e estávamos nos preparando para o campeonato mundial de 1967. Aquela geração bicampeã do mundo (59 e 63) ainda estava lá, mas precisava ter uma renovação. Ele levou 35 e disse que levaria os 12 melhores. Ele convocou, mas naquela época não tinha esse mundo de informação que há hoje. Franca estava começando seu trabalho, alguém ligou lá para a cidade e perguntou quem era o melhor do time para integrar os treinos. Quando cheguei lá, você não imagina o preconceito que tinha contra atletas do interior. Parece mentira, mas havia e havia muito, meu caro. Interior era jacu do mato mesmo. Só que eu não me intimidava, não. Eu pegava um campeão do mundo pra marcar e parecia um carrapato, não estava nem aí. Estava acostumado a fazer isso com o Pedroca, não poderia fazer diferente com a seleção. Corria bem, não tinha cansaço, marcava a linha da bola, tinha gente lá que pedia pra eu parar de correr, é mole? Fui ficando, fui ficando, acabei ficando entre os 12. Fomos bronze daquele Mundial do Uruguai em que perdemos jogos duríssimos para URSS (por quatro pontos) e Iugsolávia (por três) e depois fui capitão da seleção, onde fiquei até os 39 anos. Estou contando isso porque naquela época nenhum jogador atuava mais com 30, 31 anos. E eu dos 30 aos 35 anos fui considerado o melhor jogador de basquete do país, veja só. Meu físico sempre foi abençoado, meu caro. Joguei todas as competições pela seleção, e me honro muito com isso tudo. O interessante é que segui a trilha do professor Pedroca, quando ele parou, e dos 39 aos 42 fui técnico e jogador ao mesmo tempo. Depois disso, treinador até hoje. Sou a menor parte disso tudo. Apenas aprendi tudo o que me ensinaram.

BNC: Desculpe, Hélio, mas aqui eu preciso intervir. Quando você fala em ser a menor parte, em não ter feito mais do que sua obrigação, isso é uma lição de humildade mas não condiz com a verdade. Não tenho vergonha alguma de dizer isso na sua frente que você é um grande mito do basquete brasileiro
HR: (Ele interrompe) Pois é, mas…

BNC: (Agora eu que interrompo) Só um segundo. Deixa eu completar porque eu sei que você não gosta de elogio. Todo elogio que faz o senhor corta. Sendo bem claro: em que lugar na história do basquete brasileiro você se insere? Pouca gente lembra, mas em 2002, naquele Mundial de Indianápolis, o senhor convocou essa geração que jogou a Olimpíada de Londres em 2012 e foi chamado de maluco, lembra?
HR: Rapaz, é verdade. Como você lembra disso? Em 2002 eu chamei Nenê, Anderson, tudo menino de 18, 20 anos. E ficamos entre os oito primeiros. Veja bem, dentro de tudo isso que você está dizendo há uma coletividade, há um espírito de grupo, há uma personalidade coletiva. Eu sou uma parte desse todo. Eu apenas participei, faço parte de vários grupos vencedores que você aí menciona. Em Franca, no Vasco e em Uberlândia também. Esporte é isso. É tudo coletivo sempre. É uma missão que está sendo muito bem cumprida, e acho que ainda preciso evoluir, que ainda posso aprender. A vida é isso, não? Sempre aprendendo, sempre procurando o crescimento.

BNC: O senhor não me respondeu, reparou? Onde o senhor está inserido?
HR: Como uma das partes de um todo (risos). Está bom assim, não?

BNC: Todo mundo tem uma imagem sua muito ligada Franca, e não dá pra negar mesmo, mas queria que você falasse daquele tempo em que você dirigiu o Vasco em um momento memorável do clube.
HR: Fomos campeões brasileiros, Liga Sul-Americana, Carioca, tudo. O Vasco foi uma das grandes experiências que eu passei na minha vida, sabia? Eu recebi um reconhecimento nas ruas do Rio de Janeiro que fico até hoje impressionado. Quantos flamenguistas, botafoguenses e tricolores vinham falar comigo, me parabenizar, dizer que gostariam que eu dirigisse o time deles. Isso não tem preço, é gratificante demais. Nós ganhamos todos os títulos que o Vasco, em sua história de mais de 100 anos, nunca tinha ganho. Pouca gente lembra, mas eu era, além do técnico do basquete, Coordenador Geral dos esportes olímpicos do clube. Levantava às 4h30 da manhã, ia para a sede náutica do clube conversar com os remadores, depois para o Futsal, natação e por aí seguia. Tivemos um problema pelo Bank of America, que acabou rompendo o contrato, mas foi um momento de orgulho imenso. Olha, vou te confessar uma coisa aqui: depois daquela debandada, eu devo ter sido o único que nunca entrou na Justiça contra o clube cobrando salários atrasados, você sabia? E sabe por quê? A minha experiência como profissional do esporte não tem preço. E de jeito algum entrarei contra o clube na Justiça.

BNC: Pra fechar, queria falar sobre o Helinho, seu filho e armador do time de Uberlândia. Ele seguirá os passos do pai e se tornará técnico, você acha?
HR: Eu não tenho dúvida disso. Ele tem uma ótima liderança, comando, um ótimo relacionamento. Muito melhor que o meu, por exemplo (risos). Sou virginiano, muito exigente, trabalho duro. O Helinho, por sua vez, é mais tranquilo, mais calmo. E eu nunca forcei nada com ele. Helinho começou na natação, depois foi pro futebol e só então chegou ao basquete.

BNC: Tem uma história muito boa sobre a infância do Helinho e sua quadra de basquete no quintal. Como foi isso?
HR: (Risos) Essa é boa mesmo. Na minha casa em Franca tem uma pequena quadra de basquete e eu via o Helinho lá pequenino tentando arremessar. E eu fui lá, coloquei o aro na altura verdadeira mas com diâmetro menor. Só que não falei nada pra ele. Eu sabia, por experiência própria, que arremesso requer concentração, repetição e curvatura perfeita. Só que o problema é que ele treinava no ginásio também. Várias vezes ele me perguntava: "Pai, como é que no ginásio eu dou o mesmo arremesso que aqui em casa e a bola cai mais fácil? Tem alguma coisa diferente?". E eu não dizia nada, só ria e dizia: "Olha, não sei. É isso mesmo. Trata de treinar que resolve". Só depois de muito tempo é que contei a verdade. Foi divertido e fico orgulhoso pela missão que foi cumprida e pelos ensinamentos que passei não só a ele mas a meus jogadores também. Não faço mais nada do que minha obrigação, pois tenho o dever de transmitir e orientar os conhecimentos que ganhei ao longo da vida para meus atletas.

BNC: Pra fechar mesmo, queria que você falasse sobre o trabalho da Confederação Brasileira e do nível técnico do NBB.
HR: Eu acho que pela tradição do nosso esporte dá pra dizer que infelizmente ainda não temos uma política de educação através do esporte. Isso o esporte como um todo, né. E acho que a Liga de Basquete é um veículo importante para massificar um pouco o esporte. Está aí a Liga de Desenvolvimento, que ajuda pacas, o acesso da Super Copa Brasil e muito mais. Mas, sem dúvida, outros polos precisam ser desenvolvidos no país, não há um trabalho legal de massificação do basquete no Brasil. Isso é muito claro e nítido. Falta um trabalho mais focado em explorar os polos ainda escondidos do país através das federações e dos clubes.

BNC: Última: o melhor jogador que você treinou? E o melhor jogo que você dirigiu?
HR: O Dexter, de Franca. Um jogador que veio pra Franca e que nos ajudou a ganhar todos os títulos. De vez em quando ainda falo com ele, mas o rapaz se perdeu muito em drogas, bebida e mulheres. Mas foi o melhor jogador que eu tive. Sobre o melhor jogo, foi quando nós, em Franca, ganhamos do Vasco quando eles haviam levado o Demétrius, o Rogério e o Vargas e ganhamos o Nacional em cima deles em 1999. Daí ele levou o Helinho e o Sandro Varejão. Isso foi em junho. Em outubro houve a Copa das Américas. Final: Franca e Vasco. Adivinha quem ganhou? Franca. Aí acabou aquele jogo e o Eurico me chamou desesperado pra me contratar (risos).

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